segunda-feira, março 14, 2016

SONS: «Tannhäuser» como paradigma do romantismo

Uma das obras mais conhecidas de Richard Wagner é a «Tannhäuser» graças à sua «Abertura», que constitui um dos mais representativos exemplos da música romântica.
O andante evoca majestosamente o longo desfile dos peregrinos numa oração, que se vai tornando progressivamente mais pungente até resultar num fortíssimo logo apaziguado numa voluptuosa modulação. Até que a orquestra volta a reanimar-se com a estridência das fanfarras e alcançar um verdadeiro paroxismo. É então, que se inicia o canto a Vénus…
Vénus é a deusa pagã a quem Tannhäuser se devota, abandonando o seu credo cristão. E em cujo Monte sentiu-se inebriado pela sensualidade suscitada pelo seu culto.
Esse protagonista é um personagem, que existiu mesmo nos territórios germânicos do século XIII. Nascido na aristocracia em 1205 na Baviera, sabe-se da sua participação numa das cruzadas lançadas pelo Vaticano, provavelmente a de 1228. Perdendo os seus bens ele conseguiu proteção na corte austríaca onde começou a distinguir-se como autor de poemas (os “lieder”), viajando então por toda a Alemanha e Itália. Em 1268 perdeu-se o seu paradeiro até que voltou a ser referenciado em 1451 num poema de Hermann von Sachsenheim, que afirma tê-lo visto ao lado de Vénus no topo da montanha do mesmo nome.
Multiplicam-se depois referências semelhantes em obras literárias e de cordel, que fazem crescer a lenda em como tendo ido a Roma em penitência para ser perdoado pelo Papa Urbano II e este rejeitou-lhe a solicitação, garantindo-lhe a absolvição apenas quando o seu cajado de peregrino ganhasse flor. Descoroçoado, Tannhäuser terá preferido retomar ao culto da deusa.
Quando o ainda jovem Wagner decide fazer dele um dos seus heróis devastados no confronto entre o espírito e os seus sentidos, e apenas encontrando no Amor a redenção, existia uma canção popular sobre esta lenda cantada por toda a Alemanha. Em relação à lenda acrescenta-lhe a personagem da casta Elizabeth de Wartburgo, cujo amor ele esperava conquistar, mas perdendo-o quando se vê traído, no momento culminante, pelas suas próprias palavras, que o confessavam dominado pelo culto pagão.
Ostracizado da corte, vemo-lo, pois, a participar no cortejo de peregrinos, que se dirigem a Roma para irem ao encontro do Papa.
Wagner respeita a lenda e faz voltar Tannhäuser à Alemanha decidido a render-se de vez a Vénus, tanto mais que toma conhecimento da morte de Elizabeth. Já está envolvido pelo erotismo irresistível da deusa, quando lhe surge Wolfram a dizer-lhe que, até morrer, a rapariga fora-lhe fiel e ansiara pelo seu regresso. Tanto basta para que desapareça a presença fantasmática da deusa e Tannhäuser renda-se ao arrependimento.
No final, ele participa no cortejo fúnebre, que a acompanha à sepultura e, numa exacerbação amorosa, projeta-se para o corpo da amada e morre.
Temos, pois, o romantismo no estado mais puro em que os protagonistas vivem paixões arrebatadas e no fim ficam só os figurantes para contar a sua morte trágica. Mas, porque temos corações incontornavelmente piegas, convenhamos que a música desta época consegue ser bastante sedutora.



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