segunda-feira, novembro 29, 2010

Livro: «A VIAGEM DOS INOCENTES» (1) de Mark Twain

Em 1867, Mark Twain é um dos passageiros de um paquete norte-americano fretado para uma viagem de lazer pelo Atlântico e pelo Mediterrâneo. O jovem escritor, ainda está a criar reputação como jornalista, mas já possui o fino humor, que tanto caracteriza a sua obra e demonstra-o em episódios relacionados com as suas vivências. Dos Açores ele diz o pior possível: os portugueses são definidos como sujos, ignorantes e dados à mendicidade.
Em Tânger sobressai o carácter trapaceiro dos seus vendedores, como fica demonstrado no episódio em que Twain é levado a comprar umas luvas de pelica. E, agora que o lento ritmo de leitura me faz acompanhá-lo por terras de França, também essa ironia mordaz está sempre presente: apesar da limpeza e do ordenamento da paisagem, Twain não escapa a situações desagradáveis: um corte de cabelo muito diferente do que idealmente perspectivara, uma mesa de bilhar irregular, um quarto de hotel sem iluminação a gás e, sobretudo, um guia glutão mais decidido a levar os seus clientes a lojas aonde possam ser depenados do que  aos sítios, que verdadeiramente lhes interessam (o Louvre ou a Exposição Universal de Paris, por exemplo).
De facto estamos perante uma viagem dos inocentes em que o que se colhe está muito aquém do que se preveria colher.

Livro: «OS NÁUFRAGOS DA ILHA TROMELIN» (2) de Irène Frain


Má fortuna a dos náufragos da ilha de Tromelin: quando o «L’Utile» se despedaça nos seus temíveis recifes, uma boa parte dos tripulantes e dos escravos morre afogada.  Mas o pior ainda estava para vir para os sobreviventes enclausurados numa pequena língua de areia sem arbustos cujas sombras os protejam do sol inclemente, sem água potável e com a reduzida ração de tartarugas, de caranguejos ou de aves marinhas.
Na origem dessa desventura esteve a avidez de um capitão, convencido de saber melhor que ninguém a rota mais rápida para entregar a carga de escravos, que o poderia enriquecer. E que paga a desilusão das suas esperanças frustradas com um irreversível mergulho na loucura.

domingo, novembro 28, 2010

Filme: «JOSÉ E PILAR» de MIGUEL Gonçalves Mendes

Os anos  passarão e a importância de José Saramago tenderá a consolidar-se junto de novos leitores. Porque as suas histórias são universais e as palavras reflectem valores éticos a contracorrente desta sociedade humana obrigada a mudar sob pena de se despenhar de elevado abismo. Mais do que um maravilhoso escritor, com romances de valor superlativo (do «Memorial do Convento» à «Viagem do Elefante»), Saramago foi um filósofo que convida a tudo equacionar.
O filme de Miguel Gonçalves Mendes será documento imprescindível para conhecer a sua personalidade generosa, acompanhando-o durante  os seus últimos anos de vida, sempre acompanhado pela inseparável Pilar sobre quem ele tece merecida homenagem ao dizer-lhe que teria morrido muito mais velho se a não houvera conhecido.
As imagens das suas deambulações entre Lanzarote e as grandes metrópoles europeias e sul-americanas, sem esquecer a sua Azinhaga natal, dão conta da sua intensíssima agenda para receber prémios e  homenagens, participar em conferências e assistir a espectáculos para manifestar a sua solidariedade com as causas justas.
Saramago é, de facto, um cidadão participativo nos grandes debates do seu tempo por muito que o seu cepticismo o levasse a manifestar um inabalável pessimismo com o curso das coisas. Embora explicitasse, amiúde, a ansiedade por notícias esperançosas, sinalizadoras de grandes mudanças civilizacionais.
Felizmente que essa ambivalência era também a da sua vida, porquanto escritor tardio, conheceu as maiores dificuldades para garantir a sobrevivência até usufruir de um patamar de fruição afectiva e de qualidade de vida como a testemunhada no filme. Mas era quando lhe faltava a maior e mais inalcançável forma de riqueza: o Tempo.



sábado, novembro 27, 2010

Work - Trailer do filme "José e Pilar. Retrato de uma relação"

Love - Trailer do filme "José e Pilar. Retrato de uma relação"

Livro: «OS NÁUFRAGOS DA ILHA TROMELIN» (1) de Irène Frain

E acontece o inevitável: a teimosia do capitão Lafargue conduz o cargueiro «L’ Utile» até aos recifes, que emergem do Índico e  lhe rasgam o casco pejado de mercadorias e de escravos.
O naufrágio do navio da Companhia das Índias é um evento histórico, que surge documentado em relatos da época, um deles da autoria do próprio cronista da tripulação.
Irène Frain pega nessa documentação e cuida dela ficcionalmente dando ao leitor a caracterização sociológica da tripulação, constituída por oficiais oriundos de uma aristocracia falida ou de uma burguesia arrivista e por marinheiros analfabetos sem outra alternativa para a fome nas suas terras do que aventurarem-se  nos mares de todos os oceanos.
Estamos em 1761, quando ainda está distante a Revolução Francesa, mas com a relação de forças a bordo a exprimir o que politicamente estará a marinar na retaguarda: entre o absolutismo suicida de Lafargue e a sensatez impotente do imediato Castellan reflecte-se o estado de alma das classes sociais francesas desse período. E os escravos, mercadoria tratada como se de objectos inanimados fossem, mais não são do que uma variável adicional na terrível equação por que passarão os náufragos da ilha Tromelin.

sexta-feira, novembro 26, 2010

STELLET LICHT / LUZ SILENCIOSA. Jury Award Cannes 2007

Filme: «LUZ SILENCIOSA» de Carlos Reygadas

As primeiras imagens surpreendem, porque estamos perante um filme de um realizador mexicano e o que ouvimos é um dialecto germânico praticado por uma comunidade protestante de origem alemã radicada no norte do grande país centro-americano.
A fotografia é cuidada, mas os personagens movimentam-se com tal lentidão, que qualquer filme do Manoel de Oliveira está mais próximo do ritmo dos Stallones do que do deste filme mexicano.
Colocados perante o tradicional triângulo amoroso - Johan está casado com Esther, mas ama Marianne - deparamo-nos com o dilema do protagonista: será esse Amor uma dádiva divina ou uma tentação do demónio?
A influência de Carl Dreyer é notória, quando Esther morre de tristeza e é Marianne, com o seu beijo nos lábios, quem lhe devolve a vida.
Embora o prazer estético seja evidente, o filme chega a exasperar pela sua tão incrível lentidão, que quase deita a perder o esforço criativo do seu autor.

quinta-feira, novembro 25, 2010

Filme: «A NOVA VIDA DO SR. HORTEN» de Bent Hamer

Odd Homer tem sessenta e sete anos e vai reformar-se depois de muitos anos de bons e leais serviços como maquinista ferroviário. Mas ele não imagina quanto a sua nova condição o irá condicionar, obrigando-o a experiências até então inimagináveis. Por exemplo na noite em que é homenageado pelos colegas vai parar involuntariamente à casa de um miúdo que, sozinho em casa, lhe exige companhia até adormecer.
Afinal quem adormece é o próprio Horten, que perde o comboio para a sua última viagem de trabalho até Bergen.
Num gesto de ruptura com tudo o que fora até então ele decide vender o seu barco, mas arrepende-se in extremis, quando a transacção estava quase concluída.
Vai também visitar Leif, o seu habitual vendedor de cachimbos, mas ele morrera entretanto e é a viúva quem procura manter a continuidade do negócio.
Noutra desventura adormece na sauna da piscina e quase aí é apanhado nu por um casal, que aí se dedica a jogos eróticos fora das horas de serviço do estabelecimento.
Cumprindo o seu périplo por solitários, como ele próprio o é, vai conhecer um velho, que se apresenta como diplomata e a cuja morte assiste enquanto ele lhe demonstrava a capacidade para conduzir às cegas pelas ruas de Oslo. Mas, afinal, o diplomata era o irmão do defunto, que na realidade era genial inventor.
A solução para Odd é partir ao encontro de uma mulher da sua idade, Svea, que o acolhe com a maior das simpatias.
O filme é linear, mas muito lento, revelando as principais idiossincrasias da sociedade norueguesa. Pouco tempero para um título, que se julgaria mais estimulante...

OHorten Trailer

domingo, novembro 21, 2010

Lady Chatterley (official trailer)

Filme: «O AMANTE DE LADY CHATTERLEY» de Pascale Ferran (2006)

Antes de um encontro casual durante um passeio pelo campo de Constance Chatterley, nunca o universo da bela aristocrata se cruzara com o do rústico guarda florestal Parkin.
Casada com um homem, que viera hemiplégico da Grande Guerra, a jovem Lady Chatterley murcha na propriedade da zona mineira de Wragby. Razão porque o próprio médico lhe aconselhara os passeios pelo campo para mudar de ares.
O livro de Lawrence fora escrito em 1928, mas só seria publicado na Grã-Bretanha  em 1960, ainda assim com grande escândalo mediático.
Pudera: a conservadora sociedade inglesa não tolerava facilmente que uma aristocrata se deitasse com um criado, uma variante universal de amores contrariados. Mas, mais do que este tema em si, o filme aposta num preito à natureza e à descoberta dos sentidos. Torna-se assim numa obra de intensa sensualidade... 

Rocco And His Brothers (1960) Trailer

Filme: «ROCCO E OS SEUS IRMÃOS» de Luchino Visconti (1960)

É um dos títulos mais conhecidos da filmografia de Luchino Visconti: em 1960, depois de rodar «Senso» e «Noites Brancas», o realizador italiano retoma a vocação neo-realista para ilustrar a desagregação de uma família de camponeses do Sul de Itália em confronto com as agressões da grande cidade.
A história é do escritor Giovanni Testori e conta as dificuldades da viúva Rosaria Parondi, que chega a Milão com os seus quatro filhos mais novos, na esperança de se conseguir alojar em casa dos parentes da noiva do seu outro filho, Vincenzo.
Frustrada essa possibilidade ela e os filhos vão habitar numa cave com Rocco e Simone a dedicarem-se ao boxe…

sábado, novembro 20, 2010

Filme: «Le chercheur et le chaman» de Werner Kiefer

Existe uma completa contradição entre a nossa sociedade ocidental tecnologicamente desenvolvida - com medicamentos para quase todos os problemas de saúde e com sistemas de assistência à doença capazes de lhe minimizarem os efeitos sociais -, e as sociedades mais primitivas aonde todos os males são explicados por influências sobrenaturais e as plantas servem de base para mezinhas miraculosas.
E existe uma tendência voyeurista da nossa parte para espreitar, com alguma sobranceria, tais idiossincrasias.
O documentário de Werner Kiefer enquadra-se nessa corrente de cinema documental, que alimenta profusamente tantos canais europeus e norte-americanos de informação.
A equipa de filmagens foi para o pequeno estado indiano do Sikkim, para testemunhar as práticas medicinais de um dos seus múltiplos povos, os Lepcha. São eles os únicos a ainda poderem franquear uma zona montanhosa já encostada aos Himalaias, o Dzongu, por se tratar de uma zona militarmente sensível. Não esqueçamos que o Sikkim foi independente até 1975, altura em que o governo de Indira Gandhi o anexou sem qualquer reacção da distraída comunidade internacional.
Como não está propriamente vocacionado para fazer ondas, o realizador focaliza a sua atenção no xamã Dechen Lepcha e no osteopata Mandela, que cuidam dos cerca de duzentos habitantes da aldeia de Saffu, que fica a 2500 metros de altitude.
Como a medicina convencional custa aqui bastante dinheiro, os pobres aldeãos estão cingidos a entregarem-se aos cuidados de saúde dos dois homens, cujos conhecimentos foram transmitidos hereditariamente. Embora reconheçam terem, entretanto, acumulado mais conhecimentos do que os seus antepassados. Sobretudo quanto aos efeitos benéficos das plantas da região. Motivo porque merecem a atenção de investigadores da Universidade de Ganftok, que estão a investigar e a reportar tais conhecimentos.
É o caso de Bharat Pradhan que visita regularmente Saffu para aproveitar da experiência de Dechen e de Mandela, aprofundando assim os seus conhecimentos da medicina tradicional dos Lepcha.
São assim identificadas quatro mil espécies de plantas num reduzido espaço geográfico que, para além do seu interesse medicinal, ilustram superlativamente a riqueza da biodiversidade da região.

quinta-feira, novembro 18, 2010

Fix ME

Filme: «FIX ME» de Raed Andoni

Anda agora pelos écrãs franceses mais um título demonstrativo da qualidade do cinema palestiniano. Em «Fix Me» o próprio realizador coloca-se enquanto protagonista de uma história semi-ficcional, semi-documental, em que  se apresenta como ex-combatente a contas com dúvidas metafísicas e, para as resolver, decide fazer uma terapia. Assim, durante vinte semanas, ele vai frequentar um psicanalista levando-nos na sua peugada, só alternando essas sessões com derivas  de carro pelo território ocupado,  reencontrando amigos.
Numa das cenas definidoras do seu humor, Raed Andoni mostra-nos ele e um amigo supostamente na praia, sobre um carácter informativo sobre ali se situar o nível do mar e, afinal, em contra campo surge uma auto-estrada e um camelo atónito a olhá-los com curiosidade.
A dúvida que o filme deixa não deixa, porém, de ser ambígua: é prioritária a independência palestiniana ou carece este povo de uma prévia revolução pessoal antes de alcançar aquela meta?

Filme: «VIA DE ACESSO» de Nathalie Mansoux (2008)

A Azinhaga dos Besouros era um bairro da lata no concelho da Amadora. Como em todas as aglomerações humanas desse tipo, a arquitectura era caótica, de todas as cores e feita dos mais variados materiais.
Entre as casas, habitadas sobretudo por pessoas de várias gerações oriundas das antigas colónias, pastam cabras por debaixo dos estendais de roupa. E perto, circulam os carros numa das mais recentes auto-estradas da região.
Num documentário, assinado por quem se assume numa postura meramente voyeurista em relação ao drama iminente, assistimos aos esforços quixotescos de quem tenta  contrariar o inevitável: parte dos habitantes do bairro foram contemplados com casas sociais, porque ali viviam desde 1993, mas os demais têm de dali zarpar.
A capacidade de mobilização contra a polícia de choque é demasiado frágil para ter sucesso. Um novo empreendimento imobiliário tomará posse do terreno para garantir os lucros, que aquela ocupação selvagem prejudicava.
O tema era forte, mas a realizadora conseguiu embalá-lo num tão entediante ritmo, que acaba por se revelar contraproducente em relação ao enaltecimento pretendido da luta dos mais fracos contra a força bruta de quem tem poder e capital para impor os seus conceitos de justiça e de propriedade.
O cinema militante tem de ser outra coisa completamente diferente. No mínimo deverá suscitar indignação para com os fortes e empatia para com os fracos. O que aqui não sucede...

domingo, novembro 14, 2010

Filme: «A ESPERANÇA MORA ONDE MENOS SE ESPERA» de Joaquim Leitão

Na semana em que morreu um dos mais conhecidos críticos de cinema das últimas décadas (Manuel Cintra Ferreira), vale a pena cumprir aquela que costumava ser a sua estratégia de apreciação de qualquer filme: ver o que nele se pudesse salvaguardar de positivo, por muitos que fossem os seus aspectos negativos.
«A Esperança Mora Onde Menos se Espera» tem interpretações toscas e personagens estereotipados sem a densidade complexa, que podemos detectar até nos espíritos mais simples. Mas trata de temas pertinentes do nosso tempo: as consequências de não respeitar o efeito de manada, a proletarização da classe média, a depressão causada pelos becos suscitados pela nossa sociedade, o racismo, a integração em universos multiculturais, etc.
Que todos esses temas sejam areia demasiada para a valia de Joaquim Leitão enquanto realizador é o que se conclui do filme, que adopta lógicas discursivas de telenovela, até no final feliz com que coloca ponto final nos impasses dos personagens.
A história descreve-se em breves palavras: uma família -se quando o pai, treinador de futebol, fica despedido. Saindo de casa para procurar sobrevivência em Angola, a mãe não assiste à sucessão de fracassos  dos meses seguintes. Primeiro o carro, depois a mobília, e enfim a casa, tudo se esvai no tropel de dívidas por pagar. E a qualidade de vida acima da média transforma-se na de qualquer família de subúrbio.
Até que a redenção decorre precisamente dessa vertiginosa queda no abismo: é nele que pai e filho descobrem razões para voltarem a ser felizes...

segunda-feira, novembro 01, 2010

Cinema, Aspirinas e Urubus - Trailer

Filme: CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS de Marcelo Gomes

Brasil, 1942. Por estradas poeirentas o alemão Johann aventura-se, de aldeia em aldeia, para vender a aspirina, novo medicamento miraculoso de que é caixeiro-viajante.
Os seus métodos de venda não podiam ser mais eficazes: com uma máquina de projectar, mostra filmes promocionais a plateias maravilhadas com a novidade das imagens em movimento.
A guerra ficara para trás, quando conseguira embarcar num navio mercante, que o deixara no Rio de Janeiro em condição semi-clandestina. Agora vai dando boleia a alguns viajantes de ocasião, um deles, Ranulpho, se revelará mais persistente.
O filme de Marcelo Gomes, datado de 2005, baseia-se no relato deste Ranulpho, que decidira sair do seu seco Nordeste para procurar melhor qualidade de vida na capital. Para isso conta com a sua prodigiosa vontade de tudo aprender já se imaginando como colega do alemão na empresa farmacêutica.
Durante esse cirandar por terras permanentemente sobrevoadas pelos urubus, o desastre parece iminente. Como, por exemplo, quando Johann é mordido por cobra venenosa e passa dois dias e duas noites num delírio comatoso sempre vigiado pelo seu novo amigo.
Mas o desenlace precipita-se de outra forma: quando o Brasil declara guerra à Alemanha todos os alemães são coagidos a internarem-se em campos de concentração ou a serem recambiados para Berlim. Para o pacifista Johann, que ia acompanhando as notícias da guerra no rádio, quase sempre ligado, é a altura para se exilar nos seringais da Amazónia pelo que se despede de Ranulpho a quem oferece o camião.
Acaba assim esta reconstituição feliz de um tempo em que, como hoje, tudo o que se passa no mundo pode influenciar de forma determinante o nosso modesto presente.

Livro: OS CÃES DE RIGA de Henning Mankell

No início do romance temos uma balsa, que vai parar a uma praia sueca com os corpos de dois mafiosos, abatidos a tiro.
Ainda Wallander está a iniciar a investigação e já a balsa desaparece das instalações da polícia de Ystad sem dar tempo para concluir que ela estava pejada de droga.
Porque ela proviria da Letónia, as autoridades de Riga enviam um dos seus investigadores para colaborar com a investigação de Wallander. Que simpatizará com esse major Liepa, que chega a convidar para uma noitada de copos em sua casa.
No entanto, ao regressar a casa, Liepa é assassinado nessa mesma noite, o que força Wallander a seguir-lhe os passos, uma vez mais numa lógica de intercâmbio entre as autoridades de ambos os países.
O que o investigador sueco irá deparar é com um cenário inquietante: como ainda estamos no início da década de 90, os estados bálticos ainda não saíram da órbita soviética e, mesmo em Moscovo, ainda não se definiu se prevalecerá a via oportunista de Ieltsin e seus apaniguados, ou se os membros do decrépito partido bolchevique terão alma suficiente para se oporem à desastrosa perestroika.
Trezentas páginas depois, o romance conclui-se numa perspectiva maniqueísta: Mankell mostra os soviéticos como os maus da fita, decididos a impedir a independência letã e conotando os seus nacionalistas com as máfias da droga. Liepa morrera precisamente por ter arranjado provas dessa conspiração.
Em duas estadias sucessivas em Riga, a primeira como convidado das autoridades, a segunda enquanto clandestino, Wallander irá clarificar a culpabilidade dos assassinos do major Liepa e sentirá uma enorme pena de não levar consigo de regresso a Ystad a viúva Liepa, por quem, entretanto, se enamorou.
 Mas, mais do que a situação geopolítica abordada no romance, o que mais seduz em Wallander é a sua caracterização enquanto polícia deprimido, incomodado com a sua solidão e com a rejeição paterna do seu percurso profissional. Baiba Liepa poderia ser o seu anjo da guarda, mas quedar-se-á como foco amoroso vivido de forma meramente platónica...