quinta-feira, dezembro 29, 2011

SAYOME - trailer

Documentário: SAYOMÉ de Nikos Dayandas (2011)

Este documentário parte de um pressuposto bastante aliciante: nos anos setenta uma jovem japonesa deixou Tóquio para se radicar na ilha de Creta, atraída pelos encantos do marinheiro Manoulis.
Não se tratara de decisão fácil nem para um, nem para o outro: o pai dela proibira-lhe o uso do apelido de família por ver nessa expatriação uma desonra e os dele bem o tinham instado a criar família com uma das muitas raparigas casadoiras da ilha.
Passaram-se, entretanto, trinta e cinco anos e Sayomé, agora com 62, sente uma vontade de reencontro com os pais e os irmãos até então esquecidos e contacta-os. É assim, que os dois irmãos dela aterram no aeroporto de Creta e a visitam durante uns dias…
As coisas não correm, porém, de feição: histórias antigas voltam a subir à superfície e, sobretudo, a irmã esfria bastante a relação em relação às expectativas iniciais. É que Sayomé tivera uma infância muito diferente da dos irmãos, já que começara por ser educada como uma pequena princesa pelo avô, que não tolerara a negligência do filho e da nora ao deixarem a bebé cair numa fogueira. Sorte diferente tinham conhecido os irmãos nascidos depois dela e sujeitos aos rigores do trabalho infantil.
Depois, mais tarde, quando ocorrera o divórcio dos progenitores, Sayomé ficara em Tóquio com o pai, enquanto a irmã seguia com a mãe para Osaka.
Mas esses equívocos com origem em tão distante passado, não desmotivam Sayomé de regressar ao arquipélago asiático até por tomar conhecimento da iminente morte da mãe.
Vemo-la assim a voar com o filho mais novo para Tóquio visitando sucessivamente o irmão, o pai, a mãe e a irmã.
O primeiro é afável e prossegue com o respectivo filho a tradição familiar se cuidar do corte de cabelo dos seus muitos clientes.
O velho Mori recebe-os bem, esquecido das afrontas passadas, até porque sente uma admiração evidente pelo arcaboiço do neto.
À mãe, Sayomé quase mal vê: é chegar, constatar o seu estado terminal e estar presente no seu derradeiro sopro. Ainda assim cabe-lhe cumprir um estranho ritual: levar o cadáver ao colo entre o hospital e a casa da aldeia natal aonde se cumprirão as exéquias fúnebres.
Finalmente, com a irmã, todos os ressentimentos são vencidos, partilhando ambas dois rituais incontornáveis: a visita ao túmulo do avô e uma noite no bar de karaoke.
Quando regressa a casa, Sayomé está pacificada com os seus sentimentos de pertença simultânea, quer à ilha mediterrânica, quer ao seu país de origem.

Bob Dylan: Dont Look Back - Clip


Don’t Look Back é um documentário que acompanha a digressão de 1965 de Bob Dylan pelo Reino Unido.

Na época Dylan era um jovem arrogante, sempre disposto ao confronto com quem dele pudesse discordar e vivia a relação amorosa com Joan Baez. Uma das cenas mais recordadas do filme é precisamente quando ambos cantam temas de Hank Williams num quarto de hotel.

Sucedem-se assim as cenas de bastidores com entrevistas, conversas com elementos do staff ou outros músicos que o visitam como Alan Price ou Donovan, ou mesmo poetas do calibre de um Allan Ginsberg. Acrescentando-se-lhes extractos do concerto no Royal Albert Hall.

Comecei a ouvir falar deste filme alguns anos depois, quando costumava passar nas Quinzenas do Monumental ou nos ciclos do Império, que faziam convergir estudantes de todas as faculdades lisboetas ao Saldanha ou à Alameda ao fins da tarde dos dias de semana. Só não lembro se o vi ainda antes ou depois do 25 de Abril. De qualquer forma fazia, então, todo o sentido o poema que diagnosticava um tempo de mudança. Mesmo se aquela a que aspirávamos já nada tivesse a ver com Dylan, que desde o seu desastre de mota mudara de voz, de discurso e de valores. Se é que alguma vez ele terá justificado as expectativas ideológicas nele investidas por um Pete Seeger, que tanto contribuira para ele sair do anonimato e chegar ao estrelato, enquanto possível sucessor de Woody Guthrie.

O filme é, pois, um documento sobre um momento específico da vida de um cantor, que já passou por tantas fases, mas nunca se conseguiu dissociar desta, que foi a mais marcante do seu percurso.

domingo, dezembro 25, 2011

Made In Dagenham - Official Trailer [HD]


Em 1968 as operárias da fábrica da Ford em Dagenham fizeram uma greve bem sucedida para fazer valer o princípio da remuneração igual para trabalho igual.

Elas tinham tudo contra si, contando à partida com cinco obstáculos por superar: o primeiro era a sua inexperiência, quase ingenuidade em relação às metodologias do combate sindical. Em segundo lugar as dificuldades pessoais de cada uma das envolvidas, que viam os conjugues reagirem com desconfiança, e até com oposição ao processo de luta encetado. Depois, o próprio sindicato contava com dirigentes mais dados às regalias inerentes a tal condição do que à verdadeira defesa dos seus representados. Em quarto lugar os trabalhistas no Governo, liderados por Harold Wilson, tinham contado com a complacência do patronato nas eleições, dada a promessa de reduzirem o clima de agitação social dos anos anteriores. E, finalmente, a própria Ford ameaçava com a deslocalização das suas fábricas, temerosa de que a cedência ali se transformasse numa bola de neve em todas as demais espalhadas pelo mundo industrializado.

Embora a realização não tenha nada de excepcional, o filme conta com um argumento de peso: Sally Hawkins no papel de Rita O’Grady, a confirmar-se como uma das actrizes inglesas mais versáteis do momento, recorrendo a expressões de rosto ou corporais, que acrescentam algo mais ao que os argumentistas ou o realizador pretendiam.

É claro que muito mudou desde 1968, muito por obra dos tenebrosos anos de governo de Margaret Thatcher. As lutas reivindicativas deixaram de ter este tipo de características, tornando-se muito mais duras e difíceis de vencer. Mas não deixa de ser reveladora a necessidade de recuperação dos êxitos sindicais do passado, quando o actual estado da luta de classes evidencia a relevância de todas as formas possíveis de inflectir a obscena desigualdade entre a riqueza de um punhado de privilegiados e a crescente pauperização da maioria da população europeia…

Assim como assim, este tipo de filme pode indiciar uma vaga de fundo, que cuide de atirar para o caixote do lixo da História este tipo de capitalismo depredador, assente na especulação financeira e na globalização, e que se conclui estar cada vez mais distanciado das aspirações colectivas quanto a um nível de qualidade de vida só alcançável num outro sistema politico e económico.

Nesse sentido, «Igualdade de Sexos» vale mais pela sua qualidade cinematográfica do que pelas expectativas, que permite suscitar.

quinta-feira, dezembro 22, 2011

CU: STEVE TESICH - FOUR FRIENDS


Este é decerto um dos filmes da minha vida. Não seguramente dos primeiros, que para isso há Welles, Eisenstein ou Chaplin, mas decerto entre aqueles que se visitam e revisitam sempre com o mesmo encanto. Porque trata de uma geração para quem importavam os sonhos, que pudessem realizar sem cederem ao emburguesamento a que todos acabam, mais cedo ou mais tarde, por ceder.

Há actores (Craig Wasson, mas, sobretudo Jodi Thelen) em estado de graça e a referência a tudo quanto a América iria passar durante essa década de 60, a começar pela morte de Kennedy e pelo problema dos direitos cívicos até à alunagem de Armstrong e de Aldrin na Lua, sem esquecer, obviamente, a guerra do Vietname.

Para Danilo Prozor, o protagonista, a América acaba por ser muito mais do que a promessa de sonhos condenados a frustrarem-se: ela é o espaço dilatado de tantas esperanças e tragédias por que vai passando, até se tornar possível o que sempre desejou. E que começara por perder muito cedo devido à sua imaturidade.

Nesse sentido o filme de Arthur Penn acaba por ser generoso para com o espectador, porque deixa a possibilidade de, mesmo tardando muito e implicando tanto sofrimento, o desejo mais improvável acaba por se tornar exequível. Nesse sentido ainda alimenta o mito de América, terra dos sonhos...

Mas é, também, um filme sobre as dificuldades de comunicação entre pais e filhos, já que apresentam aqueles ora como abusadores psicopatas ora como complexados perante a enorme diferença, que vai entre o seu mero esforço pela sobrevivência e a inesgotável vontade de realização pessoal dos seus rebentos.

terça-feira, dezembro 20, 2011

"Biutiful" - Trailer Legendado HD




A propósito do mais recente filme de Martin Scorcese, que começa a exibir-se em écrãs europeus, o autor da sua história, Brian Selznick, atribui três características a um bom filme: uma grande ambição, uma tragédia e um final feliz.
Quanto à grande ambição, o protagonista de Biutiful assume-a na necessidade de garantir a sobrevivência dos filhos, nem que para tal contribua para a exploração de africanos e chineses ou para a corrupção da polícia.
Tragédia há várias no filme: o cancro de Uxmal, já em fase terminal, a só lhe atribuir uma esperança de vida de apenas alguns meses; as crises bipolares da mãe dos seus filhos, sempre inevitavelmente a recair apesar de promessas em recuperações ilusórias; a deportação de muitos dos clandestinos africanos, apanhados numa emboscada policial para a qual não chegaram os subornos por ele distribuídos; ou a morte de vinte cinco chineses provocada pelos aquecedores defeituosos comprados para a camarata aonde pernoitam.
Mas não existe propriamente um final feliz, que sirva de consolação para um espectador confrontado com uma atmosfera hiper-realista em que tudo quanto pode correr de pior ao protagonista, acaba sempre por suceder por muito que ele se esforce para que tal não suceda.
Nesse sentido, quem vai ao cinema para se divertir, vem de lá com uns bons murros no estômago. O que não o predisporá para qualquer manifestação de agrado com tal experiência. Mesmo que se deva reconhecer a superlativa interpretação de Bardem...

segunda-feira, dezembro 19, 2011

Documentário: LE PROCÉS CÉLINE de Antoine de Meaux

Até alguém tão insuspeito como Baptista Bastos reconhece que Louis Ferdinand Céline foi um escritor genial. Mas também um desprezível crápula! E o que mais surpreende muita gente é como pode ser possível essa associação entre um imenso talento e um comportamento pessoal execrável.
É esse o tema do documentário de Antoine de Meaux, que lembra o seu regresso a França em 1957 depois de um longo exílio na Dinamarca e quando estava reduzido à condição de pária pelos seus colegas escritores de então.
Como romance de denúncia da estupidez da guerra, do colonialismo e da solidão dos seres escravizados pela sociedade industrializada, «Voyage au bout de la nuit», escrito em 1932 , continuava a ser admirado como um dos romances mais brilhantes de entre quantos foram publicados na primeira metade do século, mas poucos estavam dispostos a esquecer o miserável colaboracionismo de Céline durante o governo de Vichy. E, no entanto, as suas origens familiares já faziam prever o que ele faria no contexto do nazismo: nascera numa família burguesa com pretensões aristocráticas e de assumido anti-semitismo.
Os títulos seguintes de Céline não tinham tido a receptividade encorajadora daquela obra de estreia: em «Summelweis» homenageia o médico húngaro incompreendido, que descobrira a relação entre as mortes nos partos e a falta de limpeza das mãos dos médicos comprometidos em tais operações. Depois, em 1936, surge «Mort à Crédit», que é rejeitado pela crítica por ser considerado pornográfico e violento numa altura em que a subida ao poder da Frente Popular suscitava um repúdio do que sugeria a sordidez da realidade.
Mas se Céline ainda se conotava com a esquerda francesa, a viagem à URSS afasta-o completamente dessa opção política e realça o que de pior ele virá a escrever: «Bagatelles pour un massacre» é um panfleto anti-semita, consonante com a concomitante propaganda nazi, que culpava os judeus pela iminência da guerra então em preparação.
E já concretizada a Ocupação alemã de Paris, ele publica outro panfleto, «L’École des Cadavres», quando frequentava assiduamente a boémia de Montmartre. Época também das suas cartas para os jornais colaboracionistas em que denunciava explicitamente judeus ainda a ocuparem funções como médicos ou funcionários públicos a fim de os ver despedidos.
Admirador de Doriot, Céline surge em 1942 a apoiar a tentativa de federar todos os movimentos colaboracionistas em torno das bandeiras do nazismo e do anti-semitismo.
Compreende-se assim porque, pressentindo a reviravolta política, ele tenha fugido para a Alemanha em Junho de 1944, partindo depois para a Dinamarca, aonde é aprisionado durante dezoito meses. Azar dos que, como Brasilach ou Drieu de la Rochelle, não fugiram e acabaram ou fuzilados ou suicidados. Apesar de condenado à revelia, Céline acabará amnistiado, apesar de levar anos a defender um discurso negacionista a respeito das câmaras de gás.
Mas o estigma do seu revelador passado jamais o voltaria a deixar...



domingo, dezembro 18, 2011

'Fair Game' Trailer HD

Filme: JOGO LIMPO / FAIR GAME de Doug Liman

Em 2001 nada pareceria beliscar o patriotismo de Valerie Wilson, agente da CIA a actuar infiltrada em diversos cenários de operações relacionados com a luta terrorista. A sua transferência para a área das armas de destruição maciça do regime de Saddam Hussein até configurava uma merecida promoção.
Mas, em Fevereiro de 2002, o marido dela, Joe Wilson, antigo embaixador em África na época da Administração Clinton, é convidado pelo Departamento de Estado a dirigir-se ao Niger para confirmar se o regime iraquiano estava a tentar aí comprar urânio conforme era afirmado por outras fontes.  Mas a realidade com que ele se depara não lhe deixa dúvidas: nem as minas nigerinas produziam as 500 toneladas em causa, como nada se comprovava quanto a esse eventual negócio.
Desconhecedora do que Joe ia descobrindo, Valerie está ocupada com a  identificação dos cientistas iraquianos com formação bastante para serem utilizados no tal programa nuclear de Bagdad, ao mesmo tempo que se desconcertava com declarações taxativas de Condoleeza Rice dando como certos que uns tubos de alumínio já afastados por Fort Langley como utilizáveis naquele objectivo, estavam a produzir urânio enriquecido a partir de centrifugadoras escondidas em parte incerta do país.
Quando George Bush avança para a guerra, a generalidade dos quadros pertencentes à CIA e ao Departamento de Estado estão convictos de tratar-se de uma decisão baseada em mentiras facilmente desmascaráveis. E, uma delas - a do suposto negócio em África, é prontamente desmentido por Joe Wilson num artigo publicado no New York Times.
É o que basta para que um colunista ligado à Casa Branca denuncie Valerie como espia da CIA, tornando-a num alvo fácil para todos quantos a julgavam mera funcionária de uma empresa de produtos químicos e a descobriam agora a uma nova luz. Mas, pior ainda, todos os cientistas iraquianos com quem, Valerie se comprometera a garantir-lhes o exílio nos EUA, são agora abandonados à sua sorte numa Bagdad em ruínas ou mesmo abatidos pela própria CIA para não venderem os seus conhecimentos  a inimigos dos EUA.
O casal Wilson não tardará a passar por maus momentos, ostracizados por todos à sua volta e sem encontrar formas de defesa eficazes contra todos os ataques contra eles emitidos quer da Casa Branca directamente, quer através da tenebrosa Fox News.
Daí a crise conjugal, que leva Val de regresso a casa dos pais. Mas é o progenitor dela, já a contas com o Alzheimer, mas ainda lúcido bastante para a incentivar a  não esquecer tudo quanto lhe tinham feito, que a leva de volta para lutar com Joe a favor do desmascaramento da mentira da Administração Bush. Nomeadamente mediante a sua comparência perante uma Comissão de Inquérito do Congresso...
O filme de Doug Liman tem várias virtudes, uma delas a de ilustrar com bastante convicção o crime hediondo de manipulação das informações para que Bush ganhasse fundamento para a sua ilegítima guerra contra Saddam Hussein. Mas impressiona, igualmente, a rapidez com que o cinema norte-americano traduz em filme os episódios históricos mais recentes sem temer as limitações à falta de distanciamento perante a sua interpretação.

sábado, dezembro 17, 2011

Livro: «CAMINHAR NO GELO» de WERNER HERZOG

A ideia inicial era aliciante: sabendo que a grande mentora espiritual do novo cinema alemão, Lotte Eisner, adoecera gravemente em Paris, o realizador Werner Herzog compromete-se com uma penitência singular: ir a pé da Alemanha até à capital francesa, esperando por essa via contribuir para a recuperação da amiga.
Ao ler este pressuposto fiquei entusiasmado com o livro de Herzog, tanto mais que dele colhera memoráveis satisfações cinematográficas em títulos como «Aguirre, o Aventureiro» ou «Fitzcarraldo». Esperava, por isso, um relato vibrante, com muita filosofia à mistura e uma recheada sucessão de episódios, se não pícaros, pelo menos pitorescos.
No entanto devo reconhecer que, no final, foi grande a desilusão. Primeiro porque o relato dos dias da sua caminhada lembram o conceito da escrita automática dos surrealistas, que tem o condão de surpreender de início, mas depressa cansa. Depois, porque nada de relevante acontece nos dias de Herzog, a não ser a sucessão de temporais, de assaltos a casas aonde vai pernoitando ou o contacto episódico com pessoas inquietas com o seu ar de vagabundo.
Se a viagem representa uma oportunidade de transformação interior, isso não parece acontecer com Herzog: em quem nada terá mudado nas semanas em que andara a caminhar no gelo.
Vale-lhe, no final, a satisfação de ver Lotte recuperada, quando a visita em Paris, ficando implícito o sucesso do seu esforço, que nenhuma racionalidade poderia explicar. Mas nunca encontraremos uma explicação consistente da importância da especialista em expressionismo alemão na concepção criativa da geração, que com ela se identifica. E essa até nem seria uma questão descabida para ser reflectida por Herzog no seu percurso: o porquê de a considerar tão determinante em tudo quanto fizera e pretenderia fazer a partir de então...

Road to Nowhere 2011 NEW Trailer

Filme: ROAD TO NOWHERE de Monte Hellman

Há quem o considere o melhor filme do ano o que é, obviamente, um exagero. Mas que se trata de um grande filme, não tenho dúvidas.
Basta para tal um intrincado labirinto em que se mistura um caso criminal, um livro a ele alusivo, um argumento para cinema e a sua transcrição para película. Esbatendo-se assim as fronteiras entre a realidade e a ficção, entre as personagens verdadeiras e os actores que as representam, com muita cinefilia à mistura até se chegar ao clímax final traduzido numa tragédia previsível.
A fabulosa actriz Laurel Graham a quem a câmara apaixonada do realizador Mitchell Haven se colava como se ela tivesse de figurar no primeiro plano de todas as cenas, era afinal a verdadeira Velma, que supostamente se suicidara anos atrás com o amante, um político venal responsável por uma fraude de cem milhões de dólares. Acabando por morrer numa cena que de tão estúpida só ganha reconhecida credibilidade.
Quanto ao realizador ele lembra Ícaro, já que de tanto se aproximar do seu Sol, acaba com as asas incineradas.
Em vez de uma intriga primária como a que os estúdios de Hollywood nos  habituaram tratando-nos como adolescentes mais preocupados com as pipocas do que com as imagens no écrã, Monte Hellman  forja um verdadeiro jogo de quem é quem, que coloca à prova a sagacidade do espectador. Que arrisca nada perceber se não acompanhar atentamente tudo quanto ali se passa.
Pode-se considerar, que nada de essencialmente novo se aprende com o filme - os temas da mulher fatal e das fraudes quase perfeitas já fundamentaram milhentos títulos cinematográficos - mas deve reconhecer-se a diferença de tratamento do tema por um Monte Hellman tão parco em  obras e por isso capaz de com cada um delas criar um verdadeiro acontecimento.

quinta-feira, dezembro 15, 2011

Watch Trailer for Jia Zhangke's I Wish I Knew Shanghaiist

Filme: HISTÓRIAS DE XANGAI de Jia Zhang Ke

No Ipsilon comenta Luís Miguel Oliveira sobre a China: ainda ninguém sabe muito bem como encarar e como lidar com este esquizofrénico colosso, metade comunista e repressor, metade capitalista e selvagem. Viver entalado no meio disto não deve ser fácil, e é desta dificuldade que Jia Zhang Ke tem falado. Sem querer explicar nada, mas ajudando a compreender, mostrando e fazendo ouvir.
O filme congrega dezoito depoimentos de habitantes de Xangai, arrumados por ordem cronológica, desde os veteranos, que viram a chegada dos comunistas em 1949 até aos jovens enfeudados à parafernália de gadgets  modernos.
O que Jia Zhang Ke mostra vai ao encontro da minha memória sobre uma cidade aonde vivi durante cinquenta e tal dias em 1998: arranha-céus a nascerem como cogumelos, apagando os traços da cidade antiga, e dando azo à criação de uma espécie de cosmopolitismo aonde os valores estão completamente marginalizados pelo endeusamento do deus dinheiro.
Constatam-se as mudanças, mas não se ilude uma nostalgia por um tempo em que emoções e cumplicidades subsistiam sem esse vale tudo sem escrúpulos, aparente via incontornável para o sucesso amargo de quem tudo tem e a quem tudo parece faltar...

Hitlers Menschenhändler - arte 2011 - Juden als Austauschware

Documentário: HITLER ET SES RANÇONNEURS de Thomas Ammann, Stefan Auste e Caroline Schmidt

Quando o resultado da guerra estava a inflectir-se a favor dos Aliados, Himmler organizou um comércio de judeus como forma de os poder trocar por dinheiro ou por armas. As fábricas alemãs, fosse por falta de matéria-prima, fosse por terem sido bombardeadas, já não produziam então as quantidades necessárias para o esforço bélico nas várias frentes.
Outra via negocial de Himmler orientava-se para os compatriotas radicados na América e para quem a entrada desta na guerra significara o seu internamento em campos de concentração. Trocá-los por prisioneiros judeus foi outra possibilidade, que ele não descurou.
É assim que cerca de sete mil judeus de Bergen Belsen, muitos deles crianças, irão escapar ao Holocausto para que pareceriam inevitavelmente condenados. Passadas seis décadas algumas dessas testemunhas das epidemias, da fome, da morte como espectáculo banalizado do quotidiano, dão aqui o seu relato.
Quem do lado judeu negociou essa transacção sabia tratar-se de um pacto com o Diabo, chamasse-se ele Adolf Eichmann ou um dos seus colaboradores mais próximos.
Em Bergen Belsen os prisioneiros, que aguardavam o momento de servirem dessa moeda de troca, não tinham ilusões sobre o que se passava no bem próximo campo de Auschwitz: os sapatos retirados dos que iam morrendo cremados nos fornos eram para ali enviados a fim de ser recuperado o couro neles aplicado.
Kastner e Joel Brand pretendiam salvar um milhão de judeus, mas o resultado do seu esforço seria muito mais limitado.
Mais tarde ele seria objecto de ostracização em Israel aonde se radicou e onde seria assassinado em 1957: muitos consideravam-no um traidor, apesar de, á partida, ele ter começado nesse comércio imoral para salvar alguns dos seus familiares mais próximos…


"Goldfinger" Trailer

Filme: 007 CONTRA GOLDFINGER de Guy Hamilton (1964)

Descubro os clássicos da série 007 com várias décadas de atraso. Já sem os preconceitos de quem só neles via o maniqueísmo típico da Guerra Fria, ademais posicionado do lado contrário ao então por mim defendido, mas também com o distanciamento de quem se posiciona no papel do arqueólogo capaz de olhar para um passado distante com a intenção de encontrar as chaves para a evolução dos acontecimentos decorridos desde então.
Que o mundo de 007 é anacrónico não é novidade: até antes da queda do Muro de Berlim os argumentistas já tinham o cuidado de escamotear o inimigo soviético ou chinês sob a marca de uma entidade malévola dedicada ao crime internacional. Mas seríamos ingénuos se aceitássemos a inocuidade desse eufemismo: nos anos 50 muitos dos filmes de ficção científica produzidos em Hollywood, quando grassava a caça às bruxas, mostravam os ameaçadores extraterrestres como substitutos catárticos do medo dos russos.
Mas o propósito dos produtores, para além de passarem mensagens ideológicas bastante óbvias, era o de ganharem dinheiro, tornando estes filmes em mega sucessos de bilheteira. Para isso reinventavam a forma de conceber um cinema de entretenimento em que existia um personagem com quem fosse fácil a identificação,  capaz de suscitar interesse nas plateias masculinas pelas suas características de garanhão sempre pronto a horizontalizar-se com as bond girls de serviço, e nas femininas pela sofisticação dos ambientes por onde ia vagueando.
«Goldfinger» é um dos filmes mais conhecidos dos que integraram a série e a canção do genérico contribuiu bastante para tal, porquanto a história é perfeitamente convencional: Bond é levado várias vezes até ao limite da sobrevivência, mas capaz de virar as circunstâncias a seu favor, matando os mauzões de serviço e operando a redenção da vilã, que lhes servia de cúmplice.
Nada de particularmente inovador, mas que servia para, por exemplo no Portugal salazarista de então, distrair os mais incautos das diatribes quotidianas dos esbirros da ditadura...


segunda-feira, dezembro 12, 2011

Livro: HISTÓRIAS INQUIETAS de Joseph Conrad

Quando pensamos em Joseph Conrad somos levados a pensar nos personagens interpretados por Marlon Brando e por Martin Sheen em «Apocaplipse Now», verdadeiros paradigmas de um tipo de demência muito presente em todos os seus romances e novelas e característicos de quem entra em conflito com a realidade.
Os vários contos de «Histórias Inquietas», que Conrad publicou em 1898, confirmam essa ilação apesar de todos os seus personagens pouco terem em comum na classe, na nacionalidade ou na idade a que se associam.
«Karain: uma recordação» foi a terceira história escrita pelo autor e evoca os seus tempos de navegação em navios de carga pelos mares do Extremo Oriente.
Karain é um chefe malaio, que se torna amigo do narrador e lhe dá sobejas provas de consideração nos negócios entre ambos transaccionados, normalmente armas para as disputas com os pequenos estados vizinhos. No entanto o que mais o define é o medo permanente pelo fantasma de um amigo a quem jurara ajudar na vingança contra a irmã e o holandês com quem ela partira para desonra da sua família muçulmana.
Quando o objectivo da longa errância pelas várias ilhas malaias parecia à beira de se realizar Karain matara o amigo, sugestionado pela beleza da rapariga.
Razão para um remorso irremediável…
«Os Idiotas» foi a primeira história escrita por Conrad e é passada em França no período da restauração monárquica. Nela um camponês republicano e ateu sofre a desdita de ter quatro filhos idiotas vituperando a mulher por tão ruim semente.
Mesmo quando está disposto a vender a alma ao diabo, ou seja inclinar-se perante os detestados padres e o poder local do marquês de Chavannes, o resultado não é diferente.
Num paroxismo de acusações a Deus e à mulher ele acaba por ser o responsável do suicídio dela nas falésias ali tão à mão de semear.
«Um Posto Avançado do Progresso» é a segunda história escrita por Conrad e tem muitas semelhanças com o «Coração das Trevas», porque é passado em África, muito a montante da foz do rio Congo e onde os dois europeus aí deixados pela companhia colonial vão morrer sem cumprirem os sonhos de  enriquecerem. Apesar de se tornarem coniventes no tráfico de escravos ou no comércio das presas de marfim…
«O Regresso» foi escrito ao mesmo tempo, que «Karain» e é um longo exercício introspectivo, mesclado de um jogo de massacre conjugal entre um burguês o mais convencional possível, confrontado com a vontade de libertação da mulher com quem se casara cinco anos atrás. Mesmo não tendo ela cometido nada de «irreparável» - ou seja ter relações sexuais efectivas com o amante - ele vê desabar todo o sólido edifício de certezas em que balizara os seus dias. E nessa deriva para a loucura acaba por sair de casa rumo ao desconhecido…
Que «O Regresso» tenha sido escrito nos primeiros tempos de casado, diz bem da assombração vivida pelo próprio Conrad relativamente ao seu próprio casamento…
«A Laguna» também é tida por Conrad como a primeira história por si escrita e tem algumas semelhanças com «Karain»: o narrador volta a ser o capitão de um navio dedicado ao comércio pelas costas malaias e com uma amizade antiga por Arsat. Quando o reencontra numa laguna aonde ele vive com a mulher, que conseguira subtrair à corte de um rajá, ela está moribunda possuída de febres incuráveis.
Ao enviuvar, Arsat fica liberto para ir vingar o irmão, que pagara com a vida a ajuda dada durante o rapto da noiva.
Temos, pois, o amor como um forte argumento para o indivíduo se superar, adoptando um heroísmo suicida que, de outro modo, teria dúvidas em assumir...

sábado, dezembro 10, 2011

Filme: REGRESSO À NORMANDIA de Nicolas Philibert (2006)

Trinta anos depois de René Allio ter ido para a Normandia rodar o seu filme «Pierre Rivière», no qual colaborara como primeiro assistente, Nicolas Philibert volta aos mesmos locais para reencontrar as pessoas então contratadas para serem actores de cinema durante três meses das suas vidas.
Quando aí estivera, Philibert tinha 24 anos e sentia tanto fascínio quanto Allio pela história desse jovem meio alucinado que, cem anos atrás, matara a mãe e dois irmãos, porque Deus assim lho ordenara, prometendo-lhe protecção. 
Depois, encerrado na prisão, escrevera um texto de oitenta páginas para explicar as razões do seu acto, merecendo por isso mesmo a análise posterior do filósofo Michel Foucault
Com um orçamento muito limitado, tanto mais que o seu filme precedente (Rude Journée Pour la Reine») fora um tremendo fracasso comercial, mesmo contando com o protagonismo de Simone Signoret, Allio decide recorrer exclusivamente a actores amadores.
A sua contratação, bem como a busca de vestuário e alfaias típicas da época em causa, fora uma das tarefas encomendadas a Philibert.
Para todos  quantos aceitaram o desafio de Allio, o cinema não se tornou modo de vida. Nem sequer para o jovem Claude Hébert, que desempenhava o papel de Pierre Rivière. Apesar de ainda surgir nalguns filmes da nouvelle vague ele acabaria por responder a um apelo místico e a dedicar-se a um percurso religioso.
Quando o reencontramos, quase no final do documentário, ele é um padre com vastos anos passados no Québec e que, então, reside no Haiti a socorrer as populações mais atingidas pelo terrível terramoto aí ocorrido.
Outros dos participantes são agricultores (e vê-se a cena terrível do abate de um porco, depois de assistirmos nas cenas iniciais ao nascimento de vários leitões) e uma delas trabalha numa instituição com deficientes mentais, que remetem visualmente para o universo demencial de Rivière.
Ademais, embora nada não tendo directamente a ver com a experiência de 1975, muitos deles são militantes activos contra a existência de dejectos nucleares nas redondezas das suas aldeias, organizando manifestações bastante participadas.
O filme é, pois, feito de extractos do que Allio rodou, de entrevistas com os actores de então e com o seu dia-a-dia num presente donde essas pretéritas memórias são amiúde resgatadas para as conversas.
Quanto a Pierre Rivière, apesar de condenado à morte, o rei comutara-lhe a sentença em prisão perpétua. No entanto, um dia, aproveitando o isolamento em que era deixado, ele enforcou-se na sua cela.
Para a história ficaria, porém, como tendo sido o réu do primeiro caso judicial francês em que o tribunal recorreu ao parecer de diversos psiquiatras...

quinta-feira, dezembro 08, 2011

Flight of the Phoenix Trailer (2004)

Filme: O VOO DA FÉNIX de John Moore

Em 1965  Robert Aldrich rodava um filme de aventuras em que um conjunto de passageiros caía no meio do deserto do Sahara e unia esforços para construir um avião, que os retirasse dali para fora.
O filme estava bem concebido e valia pela interpretação de um punhado de actores de excepção. Agora, quarenta e cinco anos depois, Hollywood produz uma nova versão, que fica muito aquém da qualidade do anterior.
No papel de protagonista Dennis Quaid é Frank Towns, um piloto de aviões de carga que, juntamente com seu co-piloto A.J., é enviado para a Mongólia com a missão de repatriar uma equipa de prospecção petrolífera cujo projecto fora interrompido.
Mas, pouco depois, uma das temíveis tempestades de areia do deserto do Gobi faz despenhar o avião, deixando os seus tripulantes e passageiros à mercê dos perigos da região.
Durante uns dias eles esperam por uma missão de resgate, mas ninguém vem em seu socorro. O que os leva a aderir ao projecto de um dos companheiros de infortúnio, que incita-os a construir um novo avião a partir do que se despenhara.
Quase todo o filme assenta, pois, nas dissensões entre eles, já que há os que acreditam e os que descrêem das vantagens de tal esforço. Mas a ameaça iminente de uma tribo nómada, fá-los apressarem-se e a sossegarem o espectador com um happy end à medida dos objectivos do box office.
Mas não estamos senão um divertimento inconsequente na sua falta de ambição...

Kongo-Müller - The Laughing Man - Der Söldner 1952 - Imperialismus

quarta-feira, dezembro 07, 2011

Documentário : KONGO MULLER, UM MERCENÁRIO NO CONGO de Siegfried Ressel

Para nós, portugueses, o nome de Siegfried Muller pouco ou nada significará, mas para qualquer alemão, quer da antiga RDA, quer da República Federal, ele protagonizou um dos incidentes mais perturbadores da época da Guerra Fria. Porque ao dar uma entrevista à televisão leste-alemã em 1965, ele forneceu argumentos a quem associava o colonialismo e o imperialismo à utilização de antigos assassinos nazis reciclados em mercenários em África.
Muller acabara de estar a soldo do sinistro Tchombé, político africano do Katanga, tido por grande amigo do regime salazarista e responsável pelo assassinato de Lumumba, o primeiro presidente congolês após a independência. Contratado em Joanesburgo, ele comandava o Destacamento 52,  conhecido pelas torturas aos prisioneiros, à queima de palhotas, aos assassinatos sem reservas e até aos actos de canibalismo.
Os jornalistas Walter Heynowski e Scheumann Gerhard entrevistaram-no, quando ele estava de férias em Munique e, graças à bebida, servida em abundância, conseguiriam um testemunho eloquente na desumanização de um criminoso sorridente.
Envergando camuflado e botas de combate Muller não usa eufemismos para justificar as suas acções como de defesa dos interesses do Ocidente numa África ameaçada pelos comunistas e elogiar o exército nazi a que, orgulhosamente, pertencera.
O constrangimento das autoridades alemãs ocidentais e norte-americanas tinha a ver com o facto de, pela voz de um «monstro» ficar desmascarada a sua cumplicidade com criminosos nazis que, enfeudados à mesma ideologia, defendiam os seus interesses estratégicos em África.
Muller acabaria por morrer sob a asa protectora do apartheid  sul-africano, ainda Mandela estava aprisionado em Robben Island.
Agora, que já tanto mudou na história mundial, o documentário de Ressel serve para recordar o passado tenebroso das supostas democracias ocidentais e das suas opções comprometedoras sempre que se trata de salvaguardar os seus interesses económicos.