sábado, março 05, 2016

ESTÓRIAS DA HISTÓRIA: a Atriz e o Carniceiro (I)

Dezembro de 1942: no cinema Lucerna de Praga estreava-se a comédia «Já Vou», em que a popular atriz Anna Letenská interpretava o papel de uma porteira. Tinha então 38 anos.
Ivan Pilny, sobrinho de Anna Letenská e futuro realizador de filmes de animação, tinha então sete anos e recebeu dela um teatro de marionetas como prenda, que jamais esqueceria, porque definiria a sua vocação.
Setenta anos depois do que, então, ocorreu, já rareavam os que a tinham conhecido pessoalmente, mas não faltam imagens nas revistas dos anos 30, quando o cinema local estava a ter uma evolução muito rápida. Anna rodou então vários filmes com Zita Kabátová, outra das grandes vedetas femininas de então. Em 2012, quando foi entrevistada, ainda se recordava da jovem alegre e sociável de quem foi amiga e conhecida pelas piadas brejeiras. Como atriz era muito intuitiva, sobretudo quando interpretava papéis de mulheres temperamentais.
Três anos antes os nazis tinham ocupado a capital checoslovaca obrigando o governo legítimo a exilar-se e instalaram-se no Castelo.
Um decreto de 15 de março de 1939, assinado por Hitler, ordenava que a Boémia ficasse sob as ordens do general Blaskowitz.
Para imporem a sua presença os batalhões nazis desfilavam nas principais praças da cidade perante uma população, que continha a sua raiva impotente apesar de alguns, mais ousados atirarem pedras ou erguerem o punho.
Na altura a distribuição cinematográfica estava nas mãos da família Havel, e particularmente nas de um tio do futuro presidente Vaclav Havel. Ele era o proprietário dos estúdios, onde se rodavam os filmes a serem apresentados nas suas salas.
A censura alemã começou a sentir-se de imediato, quer no cinema, quer nos palcos de teatro, proibindo peças de autores franceses, ingleses e polacos, sobretudo se fossem judeus.
Os autores clássicos eram tolerados, mas as orientações para os espetáculos obrigava-os a serem apolíticos e, tanto quanto possível, comédias ligeiras.
Entre 1939 e 1942 Anna interpretou inúmeros papéis no teatro e no cinema, ganhando um prestígio crescente, tendo-se, no entretanto, divorciado do primeiro marido e casado com um rico industrial por quem se apaixonara intensamente, e que tinha um veemente posicionamento antifascista. A Resistência dava os primeiros passos com a distribuição clandestina de panfletos e atos de sabotagem.
Hitler ficou possesso com os sucessivos indícios de insurreição e decidiu substituir Konstantin von Neurath, o governador que se revelara incapaz de conter as manifestações desse descontentamento. Quem o substitui é o temido Reinhard Heydrich, um dos artífices do que viria a revelar-se a Solução Final e que decidiu instalar de imediato a lei marcial sob a qual muitos suspeitos foram executados sumariamente e milhares enviados para os campos de extermínio.
A exemplo de Anna, Heydrich nascera em 1904 e, em 1941, estava igualmente no auge da sua carreira.

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