sábado, março 19, 2016

LEITURAS AVULSAS: A ética Ubuntu

Não sei se passar dezassete anos sob o fascismo foi uma desdita, se a oportunidade para sentir na pele o significado de viver coartado nas mais básicas das liberdades.
Muito embora tenha conhecido biltres suficientes para saber quanto regimes dessa natureza conseguem potenciar os piores instintos egocêntricos dos que já são canalhas por vocação, também devo salientar ter conhecido nessa época a importância das solidariedades, que se sobrepunham ao receio quanto às consequências de as assumir. Esse foi o tempo em que a coragem tinha um preço pesado para quem a pretendia levar até ao fim...
Veio a democracia e, por breves momentos, pareceu que o espírito do tempo e do lugar seria suficiente para melhorar quem já era bom e escamotear os defeitos dos que o não eram.
O primado do capitalismo com a exacerbação do espírito competitivo, que mandava matar ou morrer numa luta competitiva sem tréguas para conseguir o melhor emprego, significou a desilusão para quem pressentira amanhãs cantantes  e via concretizado o diagnóstico já feito por Camões na sua época: “Os bons vi sempre passar/No Mundo grandes tormentos;/ E pera mais me espantar,/ Os maus vi sempre nadar/ Em mar de contentamentos”.
Nunca poderei esquecer um episódio passado na resposta ao anúncio de um emprego para diretor numa empresa de distribuição em que os vários candidatos, em que eu me incluía, fomos atirados para uma arena como gladiadores, com um caso para discutir até à exaustão, sendo escolhido o que no final se conseguisse suster de pé. À volta os «psicólogos» apreciavam o desempenho dos infelizes. É claro que fui o primeiro ou o segundo a zarpar de tão indigna forma de seleção de recursos humanos.
Agora que esse sistema de exploração dá sinais de falência, volta-se a assistir a grandes manifestações um pouco por todo o lado a reivindicar a possibilidade de concretização de um outro tipo de modelo de vida.  A caminhar para a fase crepuscular da existência ainda não desisti de ver o mundo tornar-se bem mais decente do que se tem revelado nestes tempos mais recentes. Porque a denúncia aos crimes financeiros e ambientais está a suscitar uma tal consciência coletiva, que a ubuntização global deve ser um anseio.
Esse termo, tão frequentemente assumido por Nelson Mandela nos seus discursos, é explicado pelo  escritor José Tolentino Mendonça numa das suas mais recentes crónicas na Revista do «Expresso» e onde a revela como exemplo do que poderá ser uma das utopias do futuro próximo:
Ubuntu, na cultura subsariana significa ‘Eu sou porque nós somos'. É uma prática ética focalizada nas relações recíprocas entre as pessoas. Indica ‘benevolência para com o próximo’ e constituiu uma regra de vida baseada na compaixão.
Para descrever o Ubuntu, também se narram histórias. Como esta: um antropólogo propôs um jogo às crianças de uma tribo africana. Colocou m cesto de frutos apetitosos ao pé de uma árvore e disse às crianças que aquela que chegasse lá primeiro ficaria com tudo para si. Quando foi dado o sinal para partir, as crianças deram todas as mãos e começaram a correr dessa maneira. Quando lá chegaram, agarraram no cesto, sentaram-se à volta e gozaram juntas o sabor daquele prémio.”
Possa a Humanidade ser tão judiciosa na utilização dos recursos limitados do planeta!


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