segunda-feira, março 18, 2024

Apontamentos Cinéfilos (V): a génese do Principezinho

 

O Principezinho é um dos livros da minha vida. Aos dezoito anos utilizei-o como fulgurante ferramenta de sedução junto da namorada, que o seria para o resto da vida. Com sucesso total, porque garantiu-me a imagem idílica que lhe queria transmitir, embora não tão verdadeira assim já que sempre fui mais dado às prosaicas realidades do que às poéticas mistificações. Mas não era Saint-Ex igualmente assim como o demonstra “Le Petit Prince”, Naissance d’une étoile, documentário de Vincent Nguyen sobre os seus últimos quatro anos de vida, os do torturado exílio nos Estados Unidos, onde criaria o notável personagem, antes de desaparecer algures no Mediterrâneo quando a Segunda Guerra ia-se definindo a favor dos Aliados?

Quando chegara a Nova Iorque, ao mesmo tempo que Jean Renoir, tornado seu amigo próximo na travessia atlântica logo após a débacle francesa perante as hordas nazis, a imprensa norte-americana celebrava-lhe a presença enquanto autor de Terra dos Homens, com que se vira recompensado pelo National Book Award. Mas estimulava-o a intenção de convencer os anfitriões a saírem da teimosa neutralidade e dessem uma mão à Europa aparentemente derrotada pelo império destinado a perdurar mil anos.

Uma mera ilusão, porque só a ameaça de ver o Exército Vermelho avançar dos Urais até ao Cabo da Roca, mostrar-se-ia capaz de justificar o apoio generalizado às intenções de Franklin Roosevelt, por isso voluntariamente apático perante os sinais do iminente ataque japonês a Pearl Harbor.

Nos dois primeiros anos de exílio, Saint-Ex tentara gerir a tumultuosa vida íntima, dividida entre Consuelo, a esposa legítima (e também não muito fiel!) e as diversas amantes, ao mesmo tempo que ia ensaiando os desenhos e a intriga para um conto para crianças encomendado por Eugene Reynal e Curtis Hitchcock, os seus editores apostados em repetirem a rentável publicação de Mary Poppins. O desafio constituíra a oportunidade de revisitar as memórias infantis (o encontro casual com uma raposa), metaforizar a realidade (os baobás como alusão ao nazismo) e imaginar o elogio do amor e da amizade nas aventuras de um principezinho quando o mundo parecia resvalar para o mais terrível dos desastres.

Em abril de 1943, quando o livro chegou às livrarias, já Saint-Ex partira para a África do Norte, consolado com a autorização de Eisenhower de aí integrar a esquadrilha aérea, que operaria no Mediterrâneo. No último dia de julho passarão  oitenta anos sobre o seu desaparecimento, quando cumpria uma missão de observação sobre os céus franceses.

O documentário, com amplo recurso à animação - que permite-nos recolher os testemunhos de quem o amou ou foi seu amigo - e imagens de arquivo, mostra as circunstâncias, que estiveram na génese do romance que tantos, a meu exemplo, consideram tão determinante no que fizeram ou vieram a ser. 

quinta-feira, março 14, 2024

Apontamentos Cinéfilos (IV): Feitios e méritos contraditórios

 

1. Realizador estimável, sem nunca nos conseguir verdadeiramente deslumbrar nessa atividade específica, António Pedro Vasconcelos foi notícia em 5 de março pela mais triste definitiva das razões. Mas, homem simpático, também mereceu lautos testemunhos de amizade, que não deixaram de evocar o seu envolvimento em batalhas cívicas  deveras importantes como as de contrariar a privatização da TAP.  Justifica-se, pois, que o lembre por muito que só alguns filmes continuemos a ver (Perdido por Cem, O Lugar do Morto ou Jaime), mais pelo que significaram na altura da estreia do que pela efetiva valia. Além disso, numa das pugnas cinéfilas em que se envolveu, e por muito que Truffaut me seja simpático, prefiro mil vezes os filmes de Jean Luc Godard, disso dele discordando!

2. Num programa já com alguns meses ouço o Mário Augusto multiplicar adjetivos para relevar Michael Cimino como realizador importante da cinematografia norte-americana, mesmo tendo o cuidado de reconhecer o quanto o filme dedicado ao Vietname foi qualificado como claramente reacionário.

O Caçador até consegue ver-se com algum interesse, dele sobrando cenas memoráveis, que não desmentem os equívocos ideológicos a elas subjacentes, mas Cimino poderá equiparar-se a uma Leni Riefenstahl, que nunca conseguiu desmentir a costela nazi por muito que lhe admiremos o filme sobre os Jogos Olímpicos de Berlim ou o que celebrou o Congresso de Nuremberga. Até porque, no feitio, um e outro, conseguiam ser insuportáveis...

3. John Ford atribuía às origens irlandesas o sentido estético. Não admira que, aos 57 anos -  em 1951 - tenha decidido voltar a Connemara, donde proviera a família - para rodar o encantatório O Homem Tranquilo, com John Wayne e Maureen O’Hara, sobre o regresso de um emigrado à terra natal. Forma de Ford homenagear uma terra de que ouvira tantas maravilhas durante a infância.

Ford demorou quase vinte anos a planear a concretização deste título que, de alguma forma, tanto tinha a ver consigo, porque nela sentia ressoar as memórias da própria mãe. Por isso, em vez de uma Irlanda real, é a mítica, a de conto de fadas, conservada nas memórias, que ele nos ofertou. 

quarta-feira, março 06, 2024

Histórias Exemplares (XVI) - Desobediências

 

1. Por estes dias surgirá a biografia que Patrícia Reis escreveu sobre Maria Teresa Horta. E foi esse um dos fundamentos para dar a esta a direção do «Público» por um dia para um número dedicado à condição feminina em Portugal que, no seu dizer, continua muito aquém nos direitos, daquilo que  Revolução de Abril chegou a prenunciar.

Embora nem a biógrafa, nem a biografada, me mereçam rendida simpatia - a segunda pelo que de Saramago exprimiu em tempos a propósito da ligação a Pilar del Rio! - devo reconhecer a enorme coragem de quem andou a subverter as emperradas consciências do Estado Novo, por isso sofrendo agressões e prisões de machos latinos e pides, e culminando na coautoria das Novas Cartas Portuguesas, que lhe valeu amplo reconhecimento além-fronteiras.

A exemplo de alguns dos confrades masculinos da mesma época - gente da têmpera de um Urbano ou um Baptista Bastos! - Maria Teresa Horta vem de um tempo em que a bravura conseguia vencer o medo e se dizia Não a uma odiosa realidade.

2. As Galápagos permitiram a Charles Darwin concretizar muitas das ideias, que o levariam a criar as teorias sobre a origem e a evolução das espécies. E, quase pela mesma altura, ali aportou o jovem Herman Melville para também viver uma peculiar forma de revelação desencantada quanto à natureza humana. O que ali viu deu-lhe o ensejo de publicar um livro de viagens - As Ilhas Encantadas  - mas, sobretudo, o de configurar personagens futuros para os  quais teve presente a figura de um eremita de mau carácter na ilha de Floriana, cuja misantropia ainda ecoava na memória das poucas gentes, que ali habitavam nesse ano de 1841.

segunda-feira, março 04, 2024

Apontamentos Cinéfilos (III): Despedidas

1. Marion Hänsel desapareceu em junho de 2020, mas cuidou de deixar um filme-testamento intitulado Era uma vez um naviozinho (2019), comovente na delicadeza como retrata as penas e alegrias passadas.

Na cama do hospital fecha os olhos e recorda as idas à praia com as irmãs na sua Marselha natal, a infância em  Antuérpia, a escola do Devonshire onde estudou artes, o teatro em Nova Iorque, antes de se fixar no cinema como vocação definitiva. E a consagração conseguida com o Leão de Ouro em Veneza em 1985 com Dust.

Sabendo-se condenada ela leva esta sua décima terceira longa-metragem até quase ao final, quando dá a mão ao seu bem amado filho Jan.

2. O Grande Combate (1964) não foi o último filme de John Ford mas, ao contrário dos seguintes, foi aquele em que ainda se aproximava razoavelmente dos que assinara nas décadas anteriores. E, sobretudo, aquele em que procurava redimir-se de ter apresentado os índios num registo maniqueísta, que justificara o quase extermínio.

Aproximando-se tempos em que eles seriam apresentados como vítimas de um genocídio, que denunciava uma América assente nesse crime e no da escravatura, Ford mostrou como, cingidos à sua reserva onde as doenças e, sobretudo, a fome os tendia a matar, os cheyennes decidiam voltar às terras de origem no Dakota em 1878.

Milhares de soldados foram enviados na sua peugada comandados por quem os compreendia (Archer, interpretado por Richard Widmark) ou não hesitava em recorrer à força bruta para os submeter (Wessels personificado por Karl Malden).

Muito embora os protagonistas continuem a ser os de pele branca, Ford deu aos índios a possibilidade de não se limitarem à figuração.

Como quase sempre sucedeu com os filmes de Ford a fotografia - assinada por William Clothier - é excelente com paisagens soberbas realçadas pelo Technicolor. E até temos James Stewart no papel de um irónico Wyatt Earp.

3. No seu curto mandato o presidente Salvador Allende também procurou resgatar os ameríndios da triste sina a que os condenaram os colonos europeus. Em Ahora te vamos a llamar Hermano (1971), inteiramente falado no dialeto Mapudungun, Raul Ruiz filmou o encontro do mártir do Palácio de la Moneda com os índios Mapuche a quem anunciou a nova lei que lhes dava o direito de existirem.

sexta-feira, março 01, 2024

Histórias Exemplares XV - Pecados vários

 

1. Delicioso o incipit do conto de José Eduardo Agualusa na Visão desta semana: “Lázaro Staub adormeceu ao volante do seu carro, numa autoestrada, e quando voltou a abrir os olhos estava no Inferno”.

O que se segue é uma história irónica em que, do encontro com Mefistófeles, o traficante de armas descobre que o castigo dos seus pecados ainda pode ser pior do que poderia imaginar.

2. Entrevistado nas páginas seguintes da mesma revista, a pretexto da publicação de Pretextos, coletânea de crónicas publicadas ao longo de vários anos, o escritor Hélder Macedo vale-se de estar radicado há sessenta anos na Inglaterra para olhar a lusa realidade com alguma distância e concluir sobre qual o mais grave pecado da nossa economia:  a dependência da riqueza vinda de fora em vez de cuidar da sua criação interna. Foram primeiro as especiarias da Índia, depois o ouro (e os escravos) do Brasil, e, mais recentemente, os fundos da União Europeia.

E, sobre o crescimento da extrema-direita, ligada ao ressentimento de quem viu negadas tantas ilusórias aspirações, ele considera-o como a pior emoção a alimentar em tal circunstância. Por ser “uma espécie de cancro mental. No campo sociológico e político, vejo esse ressentimento na frustração, na sensação de possibilidades não preenchidas. São carências que deixaram de ser transformadas em vontade de mudança.” Se esta prometia algo de construtivo na esperada transformação da sociedade num sentido progressista, a opção xenófoba e racista só promete o destrutivo retorno ao que o passado demonstrou não ser efetiva solução. 

quinta-feira, fevereiro 29, 2024

Histórias Exemplares (XIV) - Crimes sob cobertura mais ou menos legal

 

1. Quarenta dos cinquenta Estados norte-americanos permitem o casamento com crianças, incluindo a “progressista” Califórnia. Quase sempre num contexto religioso - nas igrejas evangélicas e outras seitas de crenças esdrúxulas - esses matrimónios oficiais  obrigam rapariguinhas a fazerem-se violar legalmente por homens adultos numa demonstração de como a pedofilia pode mascarar-se de muitas formas, que branqueiam os criminosos e vitimam as suas presas.

Apenas mais uma evidência sobre as contradições de um país de muitas disfuncionalidades perpetradas à sombra dessa ofuscante (in)cultura de que se faz apanágio o trumpismo.

2. Numa (des)informação generalizada, que está a normalizar o Holocausto imposto às populações palestinianas de Gaza e da Cisjordânia desde que o Hamas deu o pretexto com os crimes de 7 de outubro, fazem falta as muitas reportagens sobre outros crimes quotidianos praticados por milícias das colónias ilegais armadas pelo exército israelita.

Acabo de ver uma dessas raras peças jornalísticas, apresentadas no canal franco-alemão Arte, e é fácil compreender como as crianças, que se veem com a arma de um colono encostada à têmpora, perante os progenitores a serem agredidos e humilhados, alimentarão para sempre um ódio capaz de explicar os seus futuros gestos vingativos.

Claro que os dirão “terroristas”, mas quem os terá levado a tal condição? 

sábado, fevereiro 24, 2024

Histórias Exemplares (XIII) - memória das Índias Galantes

 

Foi dos melhores concertos a que eu e a Elza assistimos: em 2006 Mega Ferreira estava à frente do CCB e, havendo ainda dinheiro para replicar em Lisboa parte do que sucedia nas Folles Journées de Nantes, contava com a colaboração de René Martin para a organização de mais uma festa da música que, nesse ano, teria como tema o Barroco.

Num desses concertos pudemos ver François-Xavier Roth a dirigir a suite das Indes Galantes de Jean Phillipe Rameau, que serviu aliás de tema musical anunciador do festival.

Desconhecia estarmos então perante aquele que já era, mas mais se tornou, num dos mais interessantes maestros da atualidade. Aquele que Barenboim exalta pela versatilidade com que aborda diversas épocas, ou Simon Rattle considera um verdadeiro mágico ao arriscar-se em aventuras, que quase mais ninguém ousa experimentar.

E, de facto, o antigo flautista que, desde muito cedo, soube não lhe bastar a interpretação do seu instrumento, porque pretendia estudar e dar a conhecer as grandes obras de que descobre as mais subtis nuances, só merece elogios dos que com ele trabalham, sejam os solistas que são cúmplices das suas propostas, quer os que são por ele dirigidos, quer nas mais importantes orquestras europeias, quer nos amadores com quem tanto gosta de trabalhar.

Lembro que, depois de me ter entusiasmado com a música de Rameau, vi-o a comer uma sande na cafetaria do CCB e fiquei na dúvida se o deveria ter ido cumprimentar em agradecimento por quanto prazer sentira durante o espetáculo mas, ao contrário, do que costumo fazer nessas ocasiões, retive a intenção. Afinal ele parecia estar a refletir tão profundamente  enquanto degustava o lanche, que pareceria sacrilégio interrompe-lo. Mas, tantos anos passados, ainda sinto alguma contradição entre o saber ter agido corretamente e a pena de não ter-lhe manifestado a admiração, que me continua a suscitar... 

Apontamentos Cinéfilos (II): Soares deveria ter sido fixe

 

Se tivesse uns quantos milhões de euros, e fosse produtor de cinema, a personalidade de Mário Soares seria uma das mais estimulantes para dar a conhecer em forma de filme. Ou de filmes, porque teria de abordá-la em diversas variações: na deportação em São Tomé, quando o fascismo ainda parecia tão fortalecido depois de assassinar Humberto Delgado; no exílio francês, quando soube do derrube da ditadura; na relação com Maria Barroso que, com ele teve mutuamente respeitadas divergências; na irreversível zanga com Salgado Zenha de quem fora grande amigo; na equívoca relação com Carlucci, espião da CIA, que tanto contribuiu para o promover na época do PREC; ou, ainda mais interessante, como para tudo isso olhava no fim da vida quando mostrou estar muito mais à esquerda do que aparentara em grande parte da vida política ativa no contexto democrático.

A noite eleitoral em que desfeiteou Freitas do Amaral também seria variação interessante, e Sérgio Graciano tentou agora concretizá-la. Mas, como comparativamente com  Mário Soares, o seu maior rival na direita - Sá Carneiro - só deveria merecer uma curta-metragem por tão pouco haver sobre ele ilustrar para além da história de alcova! - também essa falta de substância pareceu acudir ao tosco realizador a propósito dessa figura maior da nossa História.

Não chegarei à (justa) maledicência de Luís Miguel Oliveira, quando diz péssimo o filme de Graciano, mas dá, efetivamente, pena que Mário Soares não tenha merecido realizador que melhor lhe cuidasse da contraditória natureza, aquela que, por outro lado, lhe garantiu a indesmentível grandeza... 

domingo, fevereiro 18, 2024

Apontamentos Cinéfilos (I): Fabio e Damiano D'Innocenzo, Carolina Hellsgård e Michelangelo Antonioni

 

1. O cinema tem imensas propostas sobre realidades aparentemente tranquilas à beira da explosão - incontrolável! - de quem se sente sufocar perante a frustração de não ser reconhecido. Esse é também o tema de Storia di vacanze, segunda longa-metragem de Fabio e Damiano D'Innocenzo que, em 2020, nos deu a conhecer um bairro de classe média baixa dos arredores de Roma em que o verão parece agradavelmente passado nas piscinas insufláveis e nos jantares ao ar livre.

Os vizinhos convivem na maior das cordialidades, mas desprezam-se, se não mesmo invejando-se no seu íntimo. As mulheres são passivas, os maridos agressivos, restando as crianças para, com um projeto mirabolante, virarem do avesso a vida dos adultos. Desmascarando-lhes as verdadeiras faces.

 

2. Endzeit de Carolina Hellsgård projeta-nos para o apocalipse, quando apenas duas cidades resistem às sucessivas hordas de zombies.

Produção alemã de 2018 reflete o medo pelas pandemias, que viriam a tornar-se particularmente relevantes com o ainda então desconhecido covid.

Insatisfeitas com as regras, que regem a sua comunidade, duas raparigas, Vivi e Eva, arriscam sair da sua proteção para buscarem asilo na que mitificam como diferente para melhor.

Baseado em bandas desenhadas de Olivia Vieweg o filme mostra-nos as duas protagonistas a confessaarem os seus fantasmas obsessivos ao mesmo tempo que confirmam a incompatibilidade da liberdade com uma sociedade apenas apostada na sobrevivência, percorrendo territórios indiferentes aos desvarios humanos, renaturalizando-se, quais fénixes a renascerem.

3. Dos filmes de Michelangelo Antonioni o meu preferido é A Aventura que, em 1960, marcava uma clara rutura com um conjunto de valores maioritariamente glosados no cinema da década anterior.

Em primeiro lugar os homens - personificados no arquiteto Sandro - surgem no esplendor da sua mediocridade, quer prestando-se a mudarem de afetos tão só a oportunidade se proporcione, quer tomando consciência das limitações dos seus talentos profissionais. É assim que Sandro logo pensa em atirar-se para os braços de Claudia tão-só vê desaparecer a companheira, Anna, na escala do iate na ilha em que ficamos sem saber se ela se suicidou ou se limitou a fugir.

Mais adiante, quando Sandro e Claudia procuram Anna na cidade antiga de Noto, ele questiona-se sobre os limites da arquitetura, sendo raras as construções a perdurarem nos séculos seguintes. E sabendo que as suas obras, no âmbito desse saber, não durarão, porque apenas orientadas para a especulação imobiliária então em curso nas principais cidades italianas.

Há também a cena do assédio de uma mulher por dezenas de homens numa rua de Messina, que critica a coisificação do corpo feminino, tão em voga no cinema dessa época, e responsável pelo indecoroso espetáculo da sua exposição na televisão berlusconiana das décadas seguintes.

E não é de descurar a forma como Antonioni explicita a evolução do sentimento amoroso entre a lúcida Claudia e o volúvel Sandro conduzindo à cena final em que este se prostra aos pés dela desejoso de se fazer perdoar...