segunda-feira, março 07, 2016

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: «Nos Jardins do Rei» de Alan Rickman

A primeira sensação de estranheza do filme de Alan Rickman reside na pronúncia irrepreensivelmente inglesa no ambiente da corte de Luís XIV.
Se nunca gostei de ver filmes dobrados, que sempre qualifiquei de traição aos originais (como é possível encontrar duplo para as vozes inigualáveis de Humphrey Bogart ou de Marlene Dietrich?), «A Little Chaos» começa por me parecer isso mesmo. Quem, senão Rickman, poderia imaginar-se credível na pele do Rei Sol, apesar do sotaque oxfordiano?
Mas, armado de paciência, deixei-me levar pela história singular segundo a qual Le Notre teria contado com a ajuda de uma arquiteta paisagista singular, Sabine de Barra, no seu esforço para transformar os jardins de Versalhes numa obra-prima da land art digna do seu absoluto soberano.
Inventada, a personagem interpretada pela roliça Kate Winslet, teria a função de corresponder à imposição da estética do caos na geometria rigorosa da obra do seu mestre. E é aí que as coisas se complicam, porque os argumentistas não encontraram melhor forma de darem alguma tessitura a tal figura do que torna-la num ser frágil, ainda marcada pelo trauma de se ter sentido causadora da norte da única filha. Ademais somam-lhe a inveja sabotadora da rival, a legítima Srª Le Notre, que se revela mais ruim do que as cobras o que nos leva a alguma simpatia pela pobre da Helen McCrory, que só parece talhada para papéis deste tipo!.
A inverosimilhança de uma jardineira conseguir chegar à fala com Luís XIV é outro artifício do argumento, que não lembra ao mais imaginativo, quando a História nos revela como ele cuidou de sacralizar o papel real impondo um distanciamento intransponível para os seus cortesãos, quanto mais  para os demais súbditos.
Se considerado na perspetiva de um divertimento sem pretensões, «A Little Chaos» vê-se sem grande enfado até pelo cuidado investido no guarda-roupa e nos cenários, ou não se tratasse de uma produção britânica. Mas, ajuizado quanto ao respeito pela História, o filme não tem ponta por onde se lhe pegue.
Podemos ser complacentes tendo em conta que constitui o testamento de um ator estimável, que apenas teve ensejo de realizar os seus projetos em duas ocasiões. Mas as limitações aqui detetadas até podem servir de explicação para o facto de Rickman ter passado a vida a interpretar papéis de qualidade irregular para garantir a sobrevivência sem que lhe fossem facultados os meios de produção para concretizar os filmes, que teria gostado de assinar.

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