quinta-feira, junho 30, 2016

(A) A arte de um contador de histórias

A emigração tem causado grandes sobressaltos numa Europa, que assiste ao fortalecimento de movimentos xenófobos, sem se conseguir informar os seus apoiantes quanto aos contributos desses recém-chegados para manter em funcionamento uma economia trôpega, cada vez mais pressionada pelos custos inerentes a uma população envelhecida.
Muito embora os promotores do Brexit tenham iludido os eleitores a respeito do maior controle sobre quem fica, ou quem parte, da Inglaterra e do País de Gales, a estrutura económica, que sustenta as pensões e os subsídios dos defensores do «Leave» rapidamente claudicaria se, por absurdo, todas as populações nascidas fora do reino de Sua Majestade decidissem sair de uma assentada.
Nas artes, os olhares dos que vêm de fora também significam enriquecimento para as novas propostas exibidas em museus e galerias de exposições. Um bom exemplo é o curdo Hiwa K., nascido em 1975 em Sulaymaniyah e fugido do Iraque em 1988, e que encontrou refúgio em Berlim.
Durante a juventude andou um bocado perdido quanto ao que pretenderia fazer. Estudou música, mas foi na arte, que encontrou espaço para fazer a catarse da sua experiência com a guerra, a morte e a fuga. Por isso as suas instalações remetem para as recordações do passado e para o pessimismo apocalítico com que olha para o futuro.
Mais do que artista comprometido, Hiwa K. considera-se um contador de histórias e está a conhecer atualmente tal consagração que, depois da participação na Bienal de Veneza do ano transato, está convidado para a próxima Dokumenta de Kassel.
A peça que apresentou na cidade dos Doges no ano passado foi muito referenciada pelas suas características. Tratava-se de um sino feito de ferro-velho recolhido em campos de batalha, ou seja peças metálicas, que tinham integrado bombas, granadas, espingardas e outros utensílios belicistas.
O sino assim resultante - que teria todo o cabimento num qualquer campanário de igreja! - pesava 600 quilos e estava decorado com motivos mesopotâmicos e babilónicos como forma de denúncia para os perigos em que incorrem os monumentos milenares do Médio Oriente face ao vandalismo dos seus ocupantes.
Essa proposta artística coincidiu no tempo com as notícias de graves danos à cidade de Palmira então na posse do Daesh.
Nesta altura Hiwa K. está a trabalhar numa instalação em vídeo, intitulada «My Father’s Color Period» sobre a época em que, no seu Curdistão natal, ainda não existia a televisão a cores e havia quem pusesse telas coloridas no ecrã para iludir as limitações do preto-e-branco nos filmes românticos egípcios então muito em voga. Trata-se, pois, de uma proposta com vários sentidos: o da nostalgia por um tempo de inocência, mas também de criação de cenários desconformes com a sua verdadeira natureza.
Convenhamos que as obras de Hiwa K. só poderiam ser imaginadas por quem viveu as experiências concretas, que ele carrega na sua biografia.

quarta-feira, junho 29, 2016

(DL) «Uma Menina Está Perdida no seu século à Procura do Pai» de Gonçalo M. Tavares

Uma das maiores novidades, que terá sucedido a um dos colegas de escola da minha filha, quando andava no ensino secundário, foi descobrir que os livros e os filmes possibilitavam diversos níveis de leitura, não podendo ser apernas considerados no que mais facilmente aparentavam. O desafio estava em conseguir lê-los ou vê-los para além do seu nível de apreciação mais básico.
Se nos quiséssemos cingir a essa abordagem mais superficial, este livro de Gonçalo M. Tavares resumir-se-ia facilmente ao encontro de um foragido, Marius, com Hanna, uma miúda com trissomia 21, que anda à procura do pai. Inicia-se assim uma viagem pela Alemanha ao encontro de pessoas com estranhos hábitos: o que colava cartazes políticos em ruas pouco frequentadas, o que acumulava os mais anódinos objetos a pretexto de ter uma loja de antiguidades, os estalajadeiros que puseram nomes de campos de concentração aos quartos do seu estabelecimento, aquele que escondia textos impressivos  sob uma linha igual a tantas outras, ou quem anda a tirar fotografias a pessoas com os problemas de Hanna. No final, Marius separa-se involuntariamente da miúda, quando uma manifestação política os submerge e permite a ele vir à sua superfície como se doravante tudo pudesse iniciar-se a partir daquele momento de rearranque em que voltava a sentir-se livre de qualquer compromisso.
Se têm existido tentativas de vários escritores lusos em ganharem balanço para a internacionalização, mediante o recurso a ambientes e personagens sem nada a ver com a nossa lusitanidade, Gonçalo M. Tavares é o que alcança mais facilmente a dimensão universalista, que explica a sua progressiva divulgação noutros países. Depois de Saramago, nenhum outro escritor consegue tão facilmente colar as suas histórias a um questionamento moral, que aproxima o romance do discurso filosófico. Em cada um dos personagens, que se cruzam com Marius e com Hanna, há todo um conjunto de metáforas, que ficam sugeridas, levando o leitor a concluir tratar-se de bem mais do que um simples romance.
Conseguimos ver então nos coladores de cartazes os que fazem o trabalho de formiga para acelerar os processos de transformação das sociedades. Ou os que se sentem prisioneiros da História em nome do dever da memória aos que já não estão ou de tudo quanto deles se acumulou sem juízo crítico. No mistificador, que lê os verdadeiros sentidos dos textos pela lupa de um microscópio, há todo um jornalismo orientado para reduzir a realidade à monotonia das linhas retas, quando afinal nelas se escondem as complexidades do que a enriquecem.
Podemo-nos até interrogar quanto à existência ou não de Hanna: não seria ela a metáfora de tudo quanto mantém cada um de nós presos aos compromissos pessoais, mesmo quando crescem os movimentos de revolta e a eles nos conformamos com a adesão passiva, em vez de assumirmos o papel ativo de os tornar mais forte?
O tal colega da minha filha encontraria neste romance um campo muito fértil de interpretações, das quais muitas escapariam decerto à intenção inicial do autor. Mas é isso mesmo que torna fascinante a Literatura: o desapossamento que fazemos dos textos criados por outrem e que, filtrados pelos seus leitores, deixam definitivamente de pertencer a quem os criou, passando a ser de todos quantos com eles se enriquecem...

(DIM) A primeira temporada de «Versailles»

Ou tenho andado muito distraído ou a série televisiva dedicada à época de Luís XIV, que passou há já algumas semanas na RTP1 não teve a atenção merecida dos media.
De início ainda li qualquer coisa sobre a má recetividade do público francês a uma série, que pôs a corte de Versalhes a falar inglês e, sobretudo, a dar ao sexo a importância efetivamente a ele conferida na época, se tivermos presentes alguns relatos de então. Mas, pelos vistos, ainda causa muito incómodo a alguns gauleses, que o irmão do rei surgisse como pederasta, efetivamente condizente com o que dele se sabe.
Mas reconheçamos que se trata de problema não exclusivo dos mais preconceituosos habitantes do Hexágono, porque , entre nós, um dos livros mais saborosos de Aquilino sobre as Misérias e Grandezas dos Príncipes de Portugal também era fértil em histórias de alcova não propriamente conformes com os padrões vigentes. Pelo menos no meu caso, nunca mais voltei a olhar para Pedro I, o Justiceiro, como o vira a propósito dos seus amores românticos com Inês de Castro, porque o Mestre Aquilino descreve-o como um libidinoso incontrolável, decidido a enfiar o seu membro viril em tudo quanto ele coubesse, tratasse-se de dama da corte ou de algum bem apessoado cortesão.
O argumento de Simon Mirren e David Wolstencrof  até se revela bastante fiel ao que os historiadores já há muito concluíram sobre a mudança de paradigma da realeza francesa, decidida a libertar-se da forte pressão da nobreza para, a partir de Versalhes, criar a génese do Estado Absoluto. Aquele em que o rei era o Estado, espécie de sol à volta do qual todos eram obrigados a rodar segundo rígidas regras de etiqueta. Se até o Rei «dançava»!
A reconstituição da época tem a irrepreensibilidade das séries anglo-saxónicas e as interpretações seguem os padrões correspondentes. Mas o maior elogio, que faço a «Versailles» tem a ver com a capacidade dos seus criadores em conceberem uma intriga bastante consistente em que estão em causa os conflitos religiosos ainda mal resolvidos apesar dos anos entretanto decorridos desde o massacre da noite de São Bartolomeu.
Teria preferido uma construção de enredo, que não nos levasse tão cedo a identificar em Rohan, suposto amigo fiel do soberano, o líder dos conspiradores mas, em compensação, ficaram em aberto fios de intriga por resolver, que abrem o apetite para a segunda temporada, já em rodagem desde janeiro, e cuja estreia mundial está marcada para outubro.
Outra limitação tem a ver com a informação insuficiente sobre os conflitos da época em que espanhóis, holandeses e ingleses competiam com os franceses pelo domínio europeu e africano. Quem não percebe as razões para o envio de uma embaixada à corte inglesa, ou porque surgem amiúde enviados dos reis suecos ou espanhóis, só tem de se apressar a consultar os sites onde esse tipo de informação está disponível.
O que podemos concluir é que, na época em que Luís XIV impõe Versalhes como a sua corte, Portugal nada conta para o xadrez político, ainda demasiado fragilizado pelas Guerras da Restauração em que se via ainda implicado.



terça-feira, junho 28, 2016

(DIM) «Zenneke» de Rémi Allier

«Zenneke» uma curta-metragem belga de 2013 sobre um miúdo de 9 anos, que passa o tempo a observar os adultos num mercado ao ar livre e que irá viver uma aventura singular durante uma noite.

(DIM) «Drama Consult - uma experiência nigeriana» de Dorothee Wenner (2012)

O petróleo ainda não tinha descido tanto nos mercados internacionais, quando, em 2012, a Nigéria ainda era considerada um mercado emergente. Foi nessa altura que três empreendedores de Lagos foram à Alemanha para estabelecerem novas parcerias comerciais. O que o documentário de Dotothee Wenner faz é mostrar o quão desconcertantes são essas duas formas de fazer negócios, de acordo com as perspetivas africanas ou europeias, que estão em causa.
Os três protagonistas são um promotor imobiliário (Dolapo Ajaiyi), um fabricante de sapatos (Femi Oladipo) e um vendedor de automóveis e respetivas peças (Sam Aniama). Todos eles entusiasmados com a possibilidade de fazerem bons negócios face a potenciais parceiros e, quiçá, investidores.
Para potenciarem o sucesso fazem-se acompanhar de dois consultores apostados em decifrarem para eles os códigos de conduta na Alemanha, universo para lhes era completamente desconhecido. É que, enquanto os europeus são sóbrios, os africanos tendem para o lado histriónico dos seus costumes.
O filme acompanha tais personagens nas suas sucessivas reuniões entre Berlim, Frankfurt e Hamburgo, que, na realidade mais parecem autênticas peças de teatro...

(DL) «Comédie Française» de Fabrice Luchini

Em 2015, quando estava a rodar o mais recente filme de Bruno Dumont, o ator Fabrice Luchini decidiu ocupar os tempos de espera na sua roulotte com a evocação de todos os acontecimentos, que fizeram dele quem é hoje: mais do que alguém que ganha a vida a interpretar personagens em filmes, reconhecem-no como um dos melhores declamadores franceses dos nossos dias. Os seus espetáculos a dizer a poesia de Rimbaud ou de Céline, quando não mesmo a narrar as Fábulas de La Fontaine, têm assistências inesperadas, chegando a encher salas com lotações acima de mil espectadores.
E, no entanto, ao princípio nada o predispunha para esse percurso: aluno cábula, saiu da escola para ser cabeleireiro ou estafeta pelas ruas parisienses. Um dia, quase por acaso, foi parar ao casting que Eric Rohmer estava a fazer para aquele que viria a ser um dos seus mais mal amados filmes - «Perceval, le Gaullois» - conseguindo o papel principal.
A generalidade da crítica prodigalizou-lhe “mimos” difíceis de digerir, mas Roland Barthes achou o contrário e, como por essa altura, ele era um dos Papas da cultura parisiense, Luchini ganhou um certo estatuto intelectual apesar de continuar a gastar os dias a lavar e a cortar cabelos.
Uma namorada pô-lo a ler Nietzsche e Céline e ele adorou, mesmo pouco percebendo do que diziam. Mas a musicalidade das frases fazia-lhe sentido e foi assim, que começou a dar pequenos saraus de poesia no Thêatre du Rond Point.
A sua seleção de autores sempre me pareceu mais do que ambígua: como tenho reafirmado noutros textos, Céline poderá ter sido um escritor brilhante (e há quem o afiance com muita propriedade!), mas não deixa de ser aquele que, em textos abjetos, apelou aos nazis para que acelerassem o massacre dos judeus na França ocupada. Por isso mesmo, se tenho apreciado - e bastante! - o desempenho de Luchini em filmes, não me passaria pela cabeça gastar tempo e dinheiro para lhe ouvir as palavras de tal biltre.
A autobiografia revela isso mesmo: depois de uma breve  ligação à extrema-esquerda, que o levou a inclusivamente vender o «Rouge» nos mercados, Luchini decidiu alhear-se da política, o que sabemos bem o que verdadeiramente significa. Por isso conta entre os seus amigos o atual ministro da Economia, esse Macron que deu a Valls a oportunidade para fazer o que ele pretendia - implementar uma política assumidamente a contracorrente da matriz histórica do Partido de Mitterrand - ou Finkielkraut, esse ex-maoísta, que se converteu num dos mais queridos gurus da direita francesa.
Quer isto dizer que coloco Luchini num índex? Claro que não, porque têm sido muitos os filmes em que me tem impressionado muito favoravelmente com o seu desempenho. Vê-lo adotado pelas porteiras espanholas de um prédio parisiense, que lhe dão a conhecer a sua cultura, a discutir com Lambert Wilson quem desempenhará os papéis de Alceste ou de Philinte no cenário da ilha de Ré, ou ainda a apaixonar-se por uma émula de Mme Bovary, que se torna sua vizinha, constituíram momentos cinematográficos memoráveis, que justificam a gratidão, que lhe voto como ator,
Mas a autobiografia dá razão à esposa de um atual ministro francês, que, como pessoa, o terá classificado de «snob et méchant”.



(DIM) E o macaco inventou a cultura

O episódio ainda hoje é comentado cá em casa apesar de se ter passado há muitos anos: uma pessoa próxima concorreu a um concurso televisivo chamado «Arca de Noé» e viu-se eliminada na pré-seleção por discutir com a produtora do programa, e júri do mesmo, em como os animais tinham inteligência, coisa descabida para tal interlocutora, que só a aceitava como existente nos seres humanos.
Durante séculos foi assim: o que supostamente distinguiria o homem dos outros animais era ter cultura. Mas já nos anos 60 essas convicções viam-se abaladas pelos estudos de diversos primatólogos, nomeadamente de Jane Goodall, a primeira a defender, após laborioso estudo dos chimpanzés no seu habitat natural, que eles tinham a capacidade para utilizar, e até fabricar, uma ferramenta.
Cinquenta anos depois esses estudos prosseguem, sendo um deles liderado por Thibaud Gruber, um investigador da universidade de Neuchatel, que anda nas florestas ugandesas a pesquisar se o comportamento dos macacos decorre dos seus genes se de uma aprendizagem gradual.
Os resultados são surpreendentes: em duas regiões distintas , outros tantos grupos de macacos da mesma espécie utilizam soluções radicalmente diferentes para resolver o mesmo problema.  Tudo aponta para a transmissão, de geração em geração, de uma cultura própria, mormente através de uma linguagem específica para cada uma delas. Ainda que subsistam alguns detratores destas estudos, que insistem na impossibilidade de existir essa cultura transmissível noutros primatas, que não no homem, cada nova descoberta aproxima-nos cada vez mais dos nossos parentes símios. Há já quem se apresse a negar a evidência de uma peculiaridade humana.
O documentário de Eva Demmler e Axel Friedrich, datado de 2013, acompanha as pesquisas científicas em curso sobre esta matéria.

segunda-feira, junho 27, 2016

(DL) «O Domador de Leões» de Camilla Lackberg

Há cerca de um ano não manifestei grande entusiasmo com a leitura do romance «Ave de Mau Agoiro», um livro de 2006 da autoria de Camilla Lackberg.
Dava no entanto para perceber os aspetos essenciais da sua série de romances policiais passados cidade costeira de Fjällbacka, região donde a autora é natural: à partida a descrição de um crime horrendo a ser investigado pela polícia local, comandada por Patrick Hedstrom, cuja movimentada vida familiar com a mulher, uma escritora reconhecida e os seus três filhos, condiciona muitas vezes a disponibilidade para concretizar o melhor possível a investigação. Sobretudo, porque sendo ainda muito pequenas, essas crianças põem-lhes a casa em polvorosa...
Este romance de 2014 começa com uma rapariga, desaparecida há várias semanas, a surgir desnorteada numa estrada deserta e batida pela neve de janeiro e a ser involuntariamente atropelada por um carro. Mas o que os médicos do hospital para onde ela foi levada mais estranharam não foram as hemorragias internas causadas pelo acidente em si, mas as lesões por ela já trazidas no momento fatídico: os olhos esvaziados, os tímpanos furados e a língua cortada, indiciando torturas inomináveis.
Ninguém sabia de Victoria Hallberg desde que saíra de uma aula de equitação e se dirigira para casa.
Enquanto Patrick toma conta dessa investigação, a mulher, Erica Falk anda a visitar um centro de detenção onde está presa uma mulher há mais de vinte anos por ter assassinado o marido, um domador de leões, que lhe dera dois filhos.
O casal de protagonistas ainda está longe de imaginar como essas histórias se vão entrelaçar, remetendo-os para décadas atrás e para o confronto de um psicopata com o instinto materno de que se opera uma reflexão, quer em Erica (a contas com os gémeos na fase do “não”) , quer nessa Laila, objeto da pesquisa para o novo romance.
À partida Patrick tenta compreender a razão do desaparecimento de várias raparigas, de uma forma ou de outra relacionadas com o estranho clube hípico onde Victoria costumava andar a cavalo.
A chave para esclarecer o mistério residirá na localização dos dois filhos de Laila e do domador de leões, porque os horrores do passado parecem interligar-se com as monstruosidades do presente.
O que mais suscita interesse nos policiais escandinavos é não se dar tanta importância ao crime em si, mas aos porquês que lhe terão estado na origem. Porque refletem o estado das coisas numa sociedade que, desde os assassinatos de Olaf Palme ou Anna Lindh, sabemos bem mais perturbada do que suporíamos à partida.
Confesso que, um ano passado sobre a leitura do citado romance de Camilla Lackberg olho para este com bastante mais interesse, mesmo com a desconfiança inerente ao facto de se tratar daquele tipo de livros, que se vendem como pãezinhos.

domingo, junho 26, 2016

(EdH) Naachtun, uma cidade maia (4ª parte)

Durante dois mil anos os Maias construíram reinos e desenvolveram uma civilização de incomparável riqueza. Depois desapareceram misteriosamente. A sua História perdeu-se, escondida por um intrincado manto vegetal.
Encontrada na zona mais profunda da floresta virgem situada no norte do Gautemala, Naachtun foi descoberta em 1922, mas não tinha sido investigada desde então.
Nos últimos cinco anos uma equipa científica internacional composta por arqueólogos, geógrafos, botânicos, epigrafistas, ceramólogos, zoólogos e etnólogos, liderados por Philippe Nondédéo e Dominique Michelet tenta explicar a razão da longevidade dessa cidade, que sobreviveu quase dois séculos a outros reinos mais.
Até agora já se concluíram alguns factos verosímeis: no final da era clássica, que durou entre 250 e 900 d.C., o esvaziamento das cidades não aconteceu de forma sincronizada nem planeada, o que torna mais complexa a interpretação das causas que o terão motivado.
Se Naachtun durou mais algum tempo terá sido por possuir uma organização social e económica mais avançada do que a realeza sagrada existente anteriormente. Perante a derrota de um rei omnipotente, é crível que os seus súbditos, completamente desamparados, se tenham dispersado pelos campos, abandonando a cidade onde já não acreditavam na garantia da sua normal subsistência. Ora, em Naachtun, o desaparecimento da realeza por volta de 750 d.C., deu origem a uma outra forma de se estruturar a sociedade e até recuperar um certo fulgor.
Se ainda não se conhecem as razões precisas para o fim da instituição real em Naachtun, elas não terão sido muito diferentes das que causaram o mesmo resultado em toda a atual América Central: guerras intermináveis, que exauriram completamente as populações e puseram em causa a prosperidade anterior, sobretudo se aceleradas por fenómenos climáticos como foi o caso da seca prolongada, ocorrida por volta de 760.
É certo que conheceu o mesmo destino das suas vizinhas entre 950 e 1000 d.C., mas não deixa de se reconhecer a sua sobrevivência provisória em relação á exuberante Tikal. O que fez toda a diferença para as gerações nela ocupadas em sobreviverem o melhor que podiam.