terça-feira, março 08, 2016

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: "1421: o ano em que a China descobriu a América?"de David Wallace (2004)

Andava ainda nas graças dos oceanos - perdi-as em 1999! - quando tomei conhecimento da existência do almirante Zheng He!
Foi num memorável número da «National Geographic» onde se descreviam as sete viagens marítimas por ele empreendidas entre  1405 e 1433 pelas costas do mar da China e do oceano Índico, chegando a alcançar as costas africanas a norte das Maldivas.
Viviam-se então os tempos faustosos da dinastia Ming, com um imperador de vistas largas, Yongle, que olhava o mar como oportunidade para encontrar alternativa à Rota da Seda, que os mongóis tinham impossibilitado.
A tecnologia marítima fundamentada nos juncos chineses era bastante mais avançada do que as das naus, e até das futuras caravelas, utilizadas pelos portugueses no outro lado do Hemisfério Ocidental. Mais robustos e compridos conseguiam resistir melhor às tempestades.
Foi isso que levou um lunático inglês, Gavin Menzies a formular a hipótese de Zheng He ter sido bem mais ambicioso do que a História deixou pressupor: o arrojo levara-o a, na sua sétima viagem, ter percorrido todo o Índico até ao Cabo da Boa Esperança, antecipando-se pois aos portugueses, que ainda levariam décadas a chegar até aí. Mas a megalomania do inglês condu-lo mais longe: a frota de Zheng He teria percorrido toda a costa ocidental de África até os ventos a atirarem para o outro lado do oceano e feito chegar às Caraíbas aportando a Guadalupe.
Não contente ainda arriscou uma visita a Newport riscando definitivamente o nome de Colombo do registo dos descobridores. Mas faltava ainda a cereja em cima do bolo: antecipando-se ao próprio Magalhães o intrépido eunuco chinês teria passado o Cabo Horn e feito a primeira viagem de circum-navegação.
É certo que há sempre público para este tipo de lunáticos: eu próprio, quando adolescente, acreditei piamente  na origem extraterrestre das pirâmides do Egito e do México ou nos supostos mistérios de Stonehenge.  É que, embalada numa argumentação aparentemente convincente, a pseudociência torna-se mais excitante do que a tantas vezes entediante Ciência!
O documentário de David Wallace tem a honestidade de, na primeira hora, dar a versão conhecida e historicamente aceite do que foram as aventuras de Zheng He, e dá a meia hora seguinte a Gavin Menzies para ele esticar-se ao comprido com a explanação dos argumentos da sua teoria, que envolve até uma visita à Torre do Tombo.
Mas os últimos vinte e tal minutos são pungentes, porque o contraditório assume tal verosimilhança, que o bacoco personagem vai minguando na sustentabilidade cada vez mais difícil da sua alucinação. Uma vez mais vemos repetida na realidade aquilo que em Groucho Marx era uma pilhéria: “os meus argumentos são estes. Se não gostar deles, arranjo outros!”
Que o desatino ainda tem crédulos a sustentarem-no demonstra o relativo sucesso do livro na Amazon, apesar de se terem passado doze anos sobre este documentário. Mas isto é como na Igreja: água benta cada um toma a quer!
Fica, porém, o que de mais relevante deveria ter ressaltado do documentário: no início do século XV a China era das mais avançadas nações da época graças à sua abertura para o exterior. Com a decisão de se fechar em si própria nos séculos seguintes, chegaria ao final do século XX com um atraso, que ainda se esforça por recuperar.

Sem comentários: