sábado, janeiro 27, 2024

Histórias Exemplares (VI) - Comics e desesperada comicidade

 

1. Conta-se que Roy Lichtenstein terá dado o pontapé de saída para a pop art dos anos 60, quando um dos filhos questionou-o quanto à capacidade de fazer um quadro tão bonito quanto uma das vinhetas do Mickey Mouse, que estava a ler.

Desafiado pela criança, e ciente de não conseguir sucesso de monta num mercado saturado de reputados cultores do expressionismo abstrato, Lichtenstein decidiu replicar o já ensaiado por Marcel Duchamp com o ready made quatro décadas atrás, mas tomando por tema a sociedade de consumo, até então desprezada pelos intelectuais. E, se Duchamp limitara-se a pegar num urinol ou numa roda de bicicleta tal qual eram, transformando-as em objetos de arte, Lichtenstein operou mudanças nos que afixou nas telas de grandes dimensões de molde a dar-lhes maior significado. Particularmente as imagens dos comics, que tanto estavam a implantar-se no gosto da geração da sua progenitura.

Confesso nunca ter sido grande apreciador de obras, por muitos consideradas como olhares críticos sobre as promessas de um tipo de sistema económico incapaz de as distribuir com uma justa equidade. Pessoalmente, e no que concerne à arte dos States, ainda me quedo pelo que Pollock, De Kooning ou Rothko haviam proposto...

2. Ao ler as primeiras páginas de As Flores do Riso, livro do japonês Osamu Dazai, que a Presença acaba de editar, é inevitável pensar num comentário de Gonçalo M. Tavares numa conversa gravada durante um festival literário na Sertã: um espesso manto de silêncio envolve o sinistro número de suicídios, que vão ocorrendo à nossa volta. Tema tabu na sociedade lusa, ele é a porta de saída de gente desesperada sem expectante réstia de ver iluminar-se um quotidiano, que é de nuvens cor de chumbo.

Na sociedade japonesa o tema não merece tal censura social: muitos dos seus melhores escritores do século XX escolheram essa solução para o desalento, tendo sido Osamu Dazai um deles. E, no entanto, este romance até surge como contraponto irónico ao seu mais famoso Um Homem em Declínio: num quarto de sanatório onde convalesce de uma tentativa de suicídio, que vitimara a rapariga com ele empenhada em partilhar-lhe o definitivo fim, um jovem pintor vê desfilar vários amigos dispostos a alentarem-no com o melhor do seu bom humor.

Albert Memmi já, porém, nos alertara para as singulares confluências entre o riso e o desespero! 

sexta-feira, janeiro 26, 2024

Histórias Exemplares (V)

 

1. Se há filme de homenagem a uma personagem altruísta, sem direitos, mas capaz de um desvelo incondicional para com quantos estão aos seus cuidados, Roma é exemplo paradigmático, assinando-o Alfonso Cuaron em 2018 para o canal Netflix.

Constituindo a evocação da empregada doméstica da família do realizador nesses anos setenta do século passado em que a capital mexicana era percorrida por um exército invisível de mulheres índias para servirem  as famílias abastadas do regime.

Roma foi muito justamente premiado pela demonstração de uma iníqua disparidade de rendimentos entre quem tudo tinha e os que se deveriam afastar das suas terras e famílias para ganharem parco sustento na capital. Mas sem nunca indiciarem uma qualquer revolta contra a óbvia exploração de que eram vítimas. E esse é o grande problema que se me coloca: passar-se a mensagem de ser admirável quem come e cala sem chegar ao dia em que queira dizer não.

2. Apesar de ser um dos executados em Nuremberga, Alfred Rosenberg sempre foi um nazi sujeito à simpatia de uns quantos, que lhe realçavam a função de intelectual do regime. 

Um escritor americano, Irvin Yalom, até lhe dedicou um romance que o tornou protagonista de um suposto Problema Espinosa. Ele consistira em Rosenberg querer compreender porque Goethe tanto admirara o filósofo do século XVII no esforço de racionalizar a religião, justificando a decisão de se apossar da sua biblioteca.

Embora odiando-lhe a origem judaica, Rosenberg pretenderia encontrar nos livros em causa os fundamentos para as ideias, que pretenderia ele próprio subscrever a bem da ideologia nazi.

Espinosa foi, de facto, um pensador notável, que um ateu só pode enaltecer por, há trezentos e cinquenta anos, ter colocado questões pertinentes, a que nenhum prosélito das religiões monoteístas consegue responder com o mínimo de coerência.

Sobre Rosenberg não sobram dúvidas quanto a ter sido um ignóbil assassino, que teve o merecido julgamento como um dos próceres do Holocausto. 

quinta-feira, janeiro 25, 2024

Histórias Exemplares (IV)

 

Sem sombra de dúvida se, enquanto melómano, pusesse a questão de saber em que data e local gostaria de ter estado no passado, diria Lucerna em 21 de agosto de 2003.

Correspondeu ao ressurgimento de uma orquestra moribunda, que Toscanini criara em 1938 e com a tradição de juntar dos melhores instrumentistas das várias orquestras mundiais, muitos deles solistas de renome, devolvidos à “modéstia” da sua inserção nos respetivos naipes. Mas foi, sobretudo, o reaparecimento artístico de Claudio Abbado, que um cancro no estômago quase levara dois anos antes, e agora surgia ainda mais mágico a criar música com as mãos. Fora ele quem se incumbira de lançar os convites àqueles que acorreram àquela cidade suíça à beira do lago Lucerna para partilharem a aventura de interpretarem o mais icónico desempenho da Segunda Sinfonia de Mahler, apropriadamente conhecida como Ressurreição,

Olhando para o registo da gravação no YouTube sugere-se a atenção ao suave movimento das mãos de Abbado, quase a flutuarem na marcação dos compassos, mas a constituírem uma performance por si mesmas.

Para a generalidade dos maestros a mão esquerda é um empecilho, que procuram omitir da condução das obras, mas Abbado deu-lhe função imprescindível, tão relevante quanto a outra.

No concerto desse dia de verão de 2003 Abbado veio confortar os admiradores quanto a estar ainda vivo e capaz de lhes prodigalizar memoráveis versões de alguns dos grandes momentos da História da Música. E ainda assim seria por quase dez anos mais até a recidiva da doença o ter levado de vez. Deixando justificada saudade...

terça-feira, janeiro 23, 2024

Histórias Exemplares (III)

 

1. Da imperatriz Sissi ficou na História a ideia de uma mulher profundamente infeliz com uma vida marcada pelas tragédias, mormente a das mortes trágicas do primo Luis da Baviera, ou do próprio filho, culminadas no seu próprio assassinato em 1898. Romy Schneider, que a interpretou em registos díspares, consoante dirigida por Ernst Marischka ou Visconti, muito contribuiu para a criação de uma mistificação glamourosa da vida da personagem.

A confirmar essa tristeza permanente estão os retratos em que os lábios se lhe crispam fechados, completamente avessos à tentação do mais leve sorriso.

António Victorino de Almeida dá, porém, uma explicação menos romântica para tão sorumbáticas poses: a imperatriz tinha uma dentição horrível, que procurava esconder com a ocultação de tão notórias cáries.

Assim se demonstra quão útil lhe foi este lado comprometedor da sua beleza para melhor compor uma imagem idealizada, que não correspondia à realidade.

2. Confesso ter apreciado a atribuição do Nobel a Annie Ernaux, apesar de melhor terem-se justificado os anteriormente atribuídos a Le Clézio ou a Modiano, e os que, em alternativa, tivessem premiado Quignard ou Échenoz. Mas a postura cívica da escritora, amiúde na vanguarda de grandes lutas pelos direitos das mulheres e dos explorados, justificou esse agrado.

Ao ler-lhe agora O Jovem tenho de reconhecer que, apesar do estilo feito de parágrafos curtos a apresentarem evolutivamente a história numa sequência cronológica, existem razões para dar alguma razão aos críticos pela natureza umbiguista de um tipo de enredo cingido a variações repetitivas dos criados em obras anteriores.

Temos de volta os breves amores com quem não se chega a ter uma relação mais profunda do que a suscitada pelos prazeres canais porque, como a generalidade dos homens dos pretéritos romances, existe uma superficialidade congénita a que a natureza ciumenta não acrescenta encanto.

Daí alguma insatisfação com uma leitura que, de positiva, teve a virtude de ser breve, porque a novela esgota-se em menos de uma trintena de páginas.

3. Com inteira razão queixa-se Carmo Afonso da mistificação em curso por quem tenta dar do governo da Geringonça uma leitura deturpada, como se a generalidade dos portugueses o não tivesse apreciado e os resultados económico-sociais não tivessem desmentido todos os augúrios diabólicos, que lhe prenunciavam.

Eis mais um bom exemplo de como as direitas procuram subscrever a máxima goebbelsiana sobre as virtualidades de se repetir mil vezes a mesma mentira.

Embora com custos terríveis as falsidades nazis acabaram derrotadas. Assim o merecem ser as recorrentemente enunciadas pelos dos parlapatões das várias direitas  mais ou menos extremadas.

segunda-feira, janeiro 22, 2024

Histórias Exemplares (II)

 

1. Contou-o Fernando Rosas num dos seus programas sobre a História da África: as credenciais progressistas do general Norton de Matos, candidato da Oposição democrática em 1949 e, anteriormente, braço-direito de Afonso Costa durante a Primeira República, deixaram muito a desejar, mormente nas políticas coloniais da 1ª República. Se nos dedicarmos à leitura dos seus livros sobre Angola, onde foi governador-geral, é evidente a crença na congénita inferioridade dos “indígenas” a quem não reconhecia outro préstimo que não o de se deixarem civilizar pelos brancos através dos trabalhos forçados.

Muita fome terá decorrido da convocação desses escravos por colonos, que os impediam de cultivar as próprias terras, lhes não davam alimentação bastante e até não se privavam de lhes violar as mulheres.

Embora ainda subsistam muitos defensores dos mitos da «África Portuguesa» é evidente que a História colonial está pejada de sinistros crimes, que não se esgotam na ignomínia do tráfico de escravos...

2. Chandigarh é uma das cidades indianas de que nunca nos lembramos, quando queremos invocar as que são mais relevantes. E, no entanto, é a capital do Pendjab e, construída, depois da independência, teve origem num plano de Albert Mayer depois preparado por Le Corbusier. O que justifica a merecida reputação junto dos que se interessam por urbanismo.

A cidade estava dividida em setores retangulares com 800 e 1200 metros como medidas dos respetivos lados, ficando ao centro aquele onde se concentrava o comércio, a restauração, os hotéis e os bares. Os demais contam com zonas de habitação (burguesa e social), um centro comercial, zonas de trabalho, equipamentos desportivos, templos e espaços verdes.

Le Corbusier também renovou na criação de um sistema de circulação hierarquizado em sete vias, que garantiu a fluidez do tráfico, de tal forma que, ainda hoje, apesar de contar mais de um milhão de habitantes - ou seja o dobro dos previstos nos planos do arquiteto franco-suíço! - demonstra a sua eficácia.

E ainda é possível atravessar a cidade de norte para sul, apenas atravessando os jardins do Leisure Valley.

3. Sociedad Española de Automóviles de Turismo foi o nome escolhido pela ditadura de Franco para lançar uma marca de automóveis, que adotaria a letra inicial de cada uma das palavras, que crismavam a fábrica de Martorell e contava com o beneplácito tecnológico da Fiat.

Em 1950 deu substância à estratégia do regime em sacudir o isolacionismo em que se sentia condicionado depois de derrotado nazi-fascismo com que se identificara de forma tão óbvia. 

Aproveitando o anticomunismo da Guerra Fria, e sempre mantendo a beata ideologia nacionalista, lançava-se uma estratégia de desenvolvimento económico que, aqui ao lado, Salazar só pretenderia replicar mais tarde, mas sempre duvidando dos benefícios de uma modernização capaz de pôr em causa os fundamentos da sua embotada crença num Portugal rural e de “bons costumes”...

domingo, janeiro 21, 2024

Histórias Exemplares (I)

 

1. O primeiro dos filósofos, Tales de Mileto, era um homem tão distraído, que passeava-se pelos campos sem atender ao sítio onde punha os pés. Foi assim que, num nesses dias de íntimas elucubrações, caiu num poço de onde não se salvaria não fosse a providência de uma escrava, que lhe acompanhava os movimentos, porventura já imaginando os riscos em que incorria.

Se ponderarmos na metáfora do poço, enquanto portal para uma realidade mais profunda, não há, porém, que estranhar essa singular atração do pensador pelas profundas variantes da realidade.

2. Grande foi a deceção de Pablo Picasso, quando conheceu enfim a casa, absolutamente convencional, de Nathalie Sarraute que, em palavras ditas, mas sobretudo escritas sob a égide do nouveau roman, ela descrevia como se de castelo ou palácio se tratasse.

Estranho foi que o pintor de Guernica acreditasse no estrito significado da descrição, esquecendo o quanto a realidade que, para uns, é prosaica, consegue ser idealizada por quem a vê enriquecida pela magia dos sentimentos...

3. Pode-se fazer o belo com o que feio é? Eis uma questão pertinente, quando se olha para a fotografia tirada por Tom Hegen oitocentos metros acima do lago Searles na Califórnia. Desse leito seco extraem-se minerais para as indústrias, uma atividade poluente, porém traduzida num quadro em tons magenta com contornos indefinidos num fundo bege-esbranquiçado.

Se se ampliar a imagem começam a ver-se estradas, canalizações, hangares, que permitem uma melhor compreensão do que vemos. As zonas brancas são depósitos de sal, que rodeiam as bacias de extração donde potentes bombas retiram o fluxo de minerais com a ajuda da injeção de uma bactéria responsável pela tal cor magenta. Esse fluxo é depois encaminhado para refinação numa fábrica química ali adjacente. Vidro, detergentes ou componentes eletrónicos são as linhas de produção para onde são enviados esses minerais.

Captada na perpendicular a imagem não tem relevo, nem perspetiva, lembrando  obras de Nicolas de Stäel, Mark Rothko ou mesmo Piet Mondrian. Se o lago Searles lhe pareceu o mais triste, que alguma vez vira, Tom Hegen tornou-o belo sem o motivar um propósito político, porque assume interessar-lhe o que possa ser comercializado sem estados de alma complementares.

As imagens ampliadas a partir do céu tornaram-se comuns desde o início deste milénio, quando a tecnologia as facilitou, logo ganhando popularidade junto de quem as considerou esteticamente interessantes.

O que justifica outra questão não menos paradoxal: até que ponto o estético pode ignorar o significado político do que toma por tema, sobretudo se - como é este o caso! - está em causa um crime ecológico. Fará sentido falar de um “tóxico sublime”?

domingo, janeiro 14, 2024

Águas Passadas, João Tordo, 2021

 

Este é o típico romance, que reconheço bem escrito, com uma trama consistente e alguma complexidade na gestão no recurso aos diversos narradores, mas tende-me a suscitar algumas objeções, que relativizam o agrado com que o li.

Perspetivado na lógica de entretenimento inteligente o romance segue os cânones do género com uma subcomissária, Pilar Benamor, a ser peça esdrúxula de uma engrenagem preconceituosa, irreverente perante a generalizada ambição quanto a medianos resultados, e insatisfeita por a ver sem escrúpulos em dar alimento aos títulos sensacionalistas dos tabloides.

A morte horrível de dois adolescentes - Charlie devolvida sem olhos pelo mar para onde fora lançada, Adriano a quem fora removido o coração antes de amarrado a uma árvore - associa banqueiros cúpidos, pedófilos e psicopatas, que usam e abusam de cúmplices amorais para executarem os seus crimes. E neles se conta um motorista, que execra quem abusa de crianças, mas “por lealdade” lhes serve de carrasco, uma professora tão desejosa em ser mãe, que predispõe-se a usar os alunos para filmagens sinistras, ou até uma criada capaz de ministrar drogas na água da subcomissária como forma de corresponder às ordens do patrão.

As objeções prendem-se com a exploração da adição masoquista da protagonista, que se dá a improvável amante por quem é abusada numa mescla de amor-ódio, que só parece servir para lhe acentuar a personalidade fora da caixa.

Talvez sejam os meus próprios preconceitos a falar, mas desagradaram-me essas partes em que Pilar parece sentir inexplicável gáudio em ser violada. E elas condicionaram-me até a leitura até à derradeira página...

sábado, janeiro 13, 2024

A busca dos sonhos perdidos

The Virgin Suicides (1999), Lost in Translation (2003), Marie Antoinette (2005), Somewhere (2010), The Bling Ring (2013), The beguiled (2017), On The Rocks (2020), Priscilla (2023).

A partir de cenas destes oito filmes Johanna Vaude recorda em nove impressivos minutos as características das personagens de Sofia Coppola: esforçadas na libertação das grilhetas dos seus quotidianos cinzentos, acabam por concluir existirem tantas mudanças de pormenor sem nada alterarem no essencial. Elas bem cuidam da aparência, que as torna sedutoras a quem as admira, mas não lhes consegue aceder, porque não faltam adeuses sem promessas de futuro.

Todas esgotam-se na mal sucedida busca dos sonhos perdidos.

quarta-feira, janeiro 10, 2024

Das vantagens de não ir à escola

 

Poucos devem ter sido os que não leram pelo menos um dos muitos romances de Agatha Christie, ou não viram uma das adaptações deles produzidos para o pequeno ou o grande ecrã. Com tantos títulos disponíveis, pode-se dizer fácil dar com um deles nas mais improváveis ocasiões. Só a Bíblia ou as peças de Shakespeare (pelo menos no Reino Unido!) parecem rivalizar com o sucesso comercial das suas díspares edições.

O meu encontro com os seus livros deu-se na adolescência, quando as férias de verão pareciam não ter fim e as horas soalheiras aconselhavam o recato caseiro antes das grandes “futeboladas” do fim da tarde.

Sentado na marquise, diante de um campo com árvores e relva, avançava nos pequenos volumes da coleção Vampiro, alternando-os com os de ficção científica da que integravam a Argonauta. Mais tarde, nas errâncias oceânicas, também levava um dos volumes das Obras Completas para os ir digerindo a par de títulos de outra ambição literária.

A fórmula utilizada pela autora para consubstanciar as suas intrigas continuam a ser muito eficazes nos dias de hoje. O sentido de observação de Hercule Poirot ou de Miss Marple continuam a estimular-nos porque, ao mesmo tempo, são acompanhadas de um refinado tipo de elegância e sólida inteligência. Por muito que seja paradoxal que um belga baixote e bigodud, ou uma velha senhora tenham integrado o reduzido círculo de detetives famosos deste género literário.

Razão, que justifica o interesse por conhecer o método criativo de Agatha Christie para alcançar um tal sucesso. Porque foi manifesta a sua capacidade para enfiar o leitor num labirinto, dando-lhe aí a mão para o levar de regresso até à saída numa surpreendente cena final em que todas as peças do puzzle intelectual, entretanto criado, se juntam e ganham sentido. Atónito, ele mal dá pelo percurso que faz, mas saboreia com gosto a viagem, que o fez distrair-se com pistas falsa num cenário o mais das vezes tranquilo.

Numa entrevista ouvimo-la explicar a principal razão de tal sucesso: o nunca ter frequentado a escola. E eis uma boa explicação para ter explorado a imaginação, que a disciplina das salas de aula coarta. Porque foi com ela que criou um universo próprio que ganha a atratividade de um bem sucedido buraco negro...

segunda-feira, janeiro 08, 2024

Os Quatro Filhos de Katie Elder, Henry Hathaway, 1965

 

Algo de semelhante acontece-me com John Wayne e Clint Eastwood: antipatizo com a atitude de canastrões que não têm dúvidas e raramente se enganam, situando-os no espectro político mais reacionário de Hollywood, mas tenho de reconhecer quão bons atores foram.  Por isso não os estigmatizo, continuando a ver muitos dos filmes em que entraram.

No caso do que fora batizado com um nome algo equivoco, prefiro os que interpretou sob as ordens do mestre Ford, mas Hathaway foi tarimbeiro suficientemente competente para justificar a atenção ao que assinou.

Neste caso temos a ação a passar-se em Clearwater, no Texas, com quatro irmãos - todos com feitios diferentes! -  a unirem forças para vingarem a miséria em que morrera a mãe, recentemente sepultada, muito por culpa de um cacique local, que ludibriara-lhe o marido ganhando às cartas o rancho familiar recorrendo a óbvia trapaça.

O desenvolvimento da história é convencional dentro do género, mas uma boa coboiada pode ser distração adequada, quando as meninges merecem descanso com as atribulações quotidianas. Até porque dele ressoa uma melancolia, que condiz com um estado de alma assim predisposto...