quinta-feira, setembro 29, 2011

Meia Noite em Paris (Midnight in Paris) trailer do filme em HD

Filme: MEIA NOITE EM PARIS de Woody Allen (2011)

O sortilégio das doze badaladas da meia-noite vem das histórias ancestrais e continua a servir os propósitos criativos de realizadores e escritores carecidos de uma pitada de magia para acrescentarem às suas histórias.
No caso deste filme de Woody Allen o resultado é excelente, enriquecendo-o com uma ambiência, que faz dele um dos grandes títulos da filmografia mais recente do autor.
As primeiras imagens fazem temer o que se lhes seguirá: durante largos minutos somos confrontados com planos curtos de várias zonas emblemáticas de Paris, de dia ou de noite, com sol ou à chuva. O carácter de encomenda pelos promotores da capital francesa parecia uma evidência. Mas surgem então os protagonistas: Gil e Inez, que vieram à boleia dos pais dela, ali vindos em negócios, e que aproveitam para uma derradeira viagem antes de formalizarem o planeado casamento.
Mas as diferenças que os separam são abissais logo de início: Gil quer abandonar a bem sucedida carreira de argumentista cinematográfico para se radicar em Paris a escrever o romance há muito idealizado, enquanto Inez pretende instalar-se em Malibu, numa mansão com piscina e com a qualidade de vida propiciada pelos estúdios de Hollywood aos seus mais conceituados colaboradores.
Os pais dela também não ajudam: John é um ardoroso defensor das posições mais extremadas da direita republicana enquanto Helen vive para a compra de jóias ou de antiguidades.
A complicar mais a situação surge outro casal: Paul vem dar uma conferência na Sorbonne e é um pedante por quem Inez se sente embeiçada desde o liceu enquanto Carol, a esposa, sai rapidamente de cena graças a uma gastroenterite.
Numa noite mais bebida, Gil deixa Inez entregue a Paul e a Carol e erra pelas ruas de Paris. À meia-noite surge uma limusine, com estranhos a convidá-lo para uma boleia, que o deposita nos (para ele…) fascinantes anos 20, com Scott Fitzgerald e Zelda a servirem-lhe de anfitriões para lhe darem a conhecer Cole Porter ou Ernest Hemingway.
Nos dias seguintes o comportamento de Gil vai-se tornar cada vez mais estranho para Inez, que não tarda a tomar Paul por amante. Indiferente a esse caso, Gil mergulha todas as noites no universo parisiense de oitenta anos atrás com Gertrude Stein a ler-lhe criticamente o romance e a bela Adriana, amante de Picasso, a surpreende-lo com a sua beleza.
Se o coração de Gil se alvoroça com essa criadora de moda, as noitadas vão-lhe servindo para conhecer outras personalidades não menos fascinantes: Matisse, Alice Toklas, Dali, Man Ray ou Bunuel.
Bem pode o desconfiado John contratar um detective para seguir o potencial genro nas suas surtidas, que nunca conseguirá resultados: o pobre investigador perder-se-á numa das fronteiras temporais, que se abrem à meia-noite. E Gil abdica de Adriana, quando a vê, frustrada com os anos 20 do século XX; optar por ficar na Belle Époque aonde Toulouse Lautrec, Gauguin ou Degas a poderão apoiar na carreira de criação de guarda-roupa para bailados.
O epílogo surge com toda a lógica: Gil fica em Paris, rompendo definitivamente com Inez e abrindo perspectivas de futuro com a doce Gabrielle com quem tem afinidades musicais. Talvez nunca chegue a ser o grande escritor, que desejaria vir a ser, mas também ganha a lucidez de quem enterra definitivamente as absurdas ilusões mistificadoras a respeito de um tempo, que como todos, terá os seus encantos e desencantos…

terça-feira, setembro 27, 2011

Trailer RESTLESS - Amos KOLLEK

Filme: RESTLESS de Amos Kollek (2007)

A vida não está fácil para Moshe: depois de ter saído de Israel, vinte anos atrás, para escapar à responsabilidade de um filho na barriga de uma mulher com quem não quer viver, continua a vegetar em Nova Iorque, sobrevivendo á custa de expedientes. Mas é agredido pelos capangas de quem por ele se sente enganado, não consegue que lhe confiem mercadoria para vender pelas ruas, vê-se importunado por um senhorio a quem deve meses de renda e nem o bar do costume lhe continua a fiar as bebidas.
A solidariedade entre judeus, eis uma impossibilidade, que ele comprova na prática.
A notícia da morte da ex-companheira não o impressiona, nem o faz sentir a necessidade de regressar, mesmo que episodicamente, a Israel. E isso, o filho não lho perdoa: Tzah vive amargurado pela sua permanente ausência, sobressaindo como atirador de elite do exército do seu país. Mas, nos intervalos, vai provocando esse progenitor, a quem vota um ódio mesclado de curiosidade, já que lhe vai telefonando ou enviando fotografias.
Moshe começa, então, a ser acometido de um sentimento de paternidade demasiado tardio: sabe que estragou a sua vida e que nada a poderá redimir. E, no entanto, surge-lhe uma oportunidade de ouro, quando consegue tornar-se, algo a contragosto, no animador do bar aonde se vira proscrito, declamando a sua poesia beat, feita de angústia, insegurança e muita raiva pelas ilusões desfeitas.
O seu sucesso, a par de algumas relações diferentes das que cultivava habitualmente com prostitutas de ocasião, irá conferir-lhe o aprofundamento desse sentimento de redenção. Apazigua assim os derradeiros dias da velha Sheila a quem ajuda a morrer serenamente enquanto lhe declama versos pornográficos ou restitui a esperança à solitária Yolanda, de cujo filho se propõe ser dedicado padrasto.
Mas Tzah é expulso do exército quando fere involuntariamente um miúdo palestiniano com quem acabara de jogar à bola. Será a oportunidade para ir até Nova Iorque e definir algo de concreto a respeito desse pai: ou assassiná-lo, como catarse do seu ódio, ou começando com ele o que for possível numa relação entre pai e filho.
O realizador escolhe o final feliz como opção de epílogo, muito embora ilustre até aí toda a inquietação de um povo dividido entre os aristocráticos askhenazes e os proletários sefarditas, enquanto não resolve o seu problema essencial, que é o de reencontrar o idealismo dos seus pais fundadores e fazer a paz com os seus vizinhos, vencendo a tendência para a mediocridade e a corrupção.
O que o filme de Kollek demonstra é que, embora sedentarizado no território do Médio Oriente confiscado aos palestinianos, o sentimento profundo de qualquer israelita é o de uma diáspora mental, em que a própria identidade encontra difícil abrigo nas confundidas mentes dos seus cidadãos.

domingo, setembro 25, 2011

O trailer do filme de iosseliani

Filme: CHANTRAPAS de Otar Iosseliani (2010)

Já perdi a conta a quantos filmes vi do georgiano Iosseliani, mas de todos me fica a ideia de desilusão face às expectativas suscitadas pela complacente crítica cinematográfica.


Este seu filme, muito recente, é uma espécie de autobiografia, já que se trata da história de um jovem realizador, Nikolas que, seriamente condicionado pela censura soviética, decide emigrar para França e acaba por ver reproduzida pelos produtores capitalistas a mesma preocupação em alterar-lhe todo o projecto cinematográfico, dando-o a montar por quem lhes merece outra confiança.

O desiludido Niko, que chega a trabalhar na construção civil ou no jardim zoológico para assegurar o seu sustento, acaba por compreender a impossibilidade de se afirmar como criador, quer a oriente, quer a ocidente.

Embora comece por se posicionar como panfleto anticomunista, «Chantrapas» revela um Iosseliani algo anarquista, demasiado cioso da sua liberdade individual para que se deixa tolher por quem lhe financia a criatividade.

A maior desilusão do filme reside, porém, na artificialidade da representação de muitas daquelas cenas, que denotam uma deficiente direcção de actores. O que, associada à incapacidade para tornar eficientes as tentativas de inserir alguns pormenores de comédia no argumento, transforma este «Chantrapas» num projecto completamente falhado.

sábado, setembro 24, 2011

Livro: «Nada a teme» de Julian Barnes (4)

Uma das histórias mais curiosas narradas por Julian Barnes no seu livro tem a  ver com o filósofo Bertrand Russell, que sempre se manifestou ateu.
Um dia ter-lhe-ão perguntado o que sentiria ele se, depois de morto, comparecesse perante deus e este lhe perguntasse do porquê dessa sua convicta descrença na sua existência.
- O que lhe dirias então?
- Responderia: nunca me deste provas suficientes da tua existência!
Como me reconheço por inteiro em tal frase: escamoteiem-me as provas tangíveis, que a observação valida, que nada nem ninguém me obrigará a acreditar no intangível. E assim digo e redigo...

domingo, setembro 18, 2011

Dante 01 Teaser

Filme: DANTE 01 ESTAÇÃO ESPACIAL de Marc Caro

«Dante 01» é um projecto europeu ambicioso ao criar uma atmosfera de ficção científica coerente ao nível do que o cinema de Hollywood nos habituou. Mas os personagens pecam por ser demasiado estereotipados, mesmo vivendo numa estação espacial para onde são enviados criminosos particularmente perigosos. O planeta, em cuja órbita circundam, é o que mais se aproxima da ideia de Inferno, um imenso magma aonde a morte será certa se nele se precipitarem. A referência ao escritor italiano faz todo o sentido por muito, que aqui nos alheamos da correlação directa entre o crime e o castigo...
O equilíbrio do início do filme vai ser perturbado por dois novos hóspedes da estação: a cientista Elise, que está encarregada de aplicar novos tratamentos aos prisioneiros transformados em cobaias, incluindo o seu parceiro de viagem, o misterioso Saint Georges dotado de poderes insuspeitáveis, que começam a revelar-se quando cura os seus novos companheiros de cárcere, quando pareciam irremediavelmente mortos.
Quem detesta esse Saint Georges é César, o psicopata manipulador, que liderava até então os demais prisioneiros. E que conta com a cumplicidade do gigantesco Moloch e do sinsitro Lazare para se livrar so seu inimigo de estimação. Num e noutro campo surgem assim divisões em dois campos: de um lado, os que se ajustam ao nosso sentido ético dos valores, e do outro, os que não olham a meios para cumprirem os seus objectivos pouco escrupulosos. Que têm necessariamente a ver com o exercício do poder, seja ele político, seja científico, seja comercial.
Marc Caro escolhe as cores sombrias para ilustrar o sentimento de abandono vivido por esses personagens, sejam eles carcereiros ou encarcerados. E se a primeira metade do filme é desenvolvida para demonstrar o carácter opressivo desse espaço e os inexplicáveis dotes de Saint Georges, o problema é quando o realizador tenta, depois, conferir um sentido pseudo-místico a uma história sobre o eterno conflito entre a tecnologia e a condição humana. E são essas pretensões filosóficas, que prejudicam a credibilidade de uma história, que poderia aguentar-se mais facilmente numa lógica de mero entretenimento.

BEDWAYS official trailer

Filme: BEDWAYS de RP Kahl (2010)

Nina quer fazer um filme com Hans, de quem foi namorada, e com Marie. No filme a rodar, eles serão, respectivamente, Alexandre e Jeanne e viverão uma relação amorosa no apartamento quase vazio.
Mas, aquilo que seria um projecto sobre o amor transforma-se em algo bem mais complexo pelas relações equívocas estabelecidas entre os três.
O filme torna-se, assim, num exercício estéril sobre a realização de um filme para o qual não existe qualquer ideia prévia de um argumento. Como se a dinâmica de relacionamento entre os dois actores e a realizadora conduzisse a algo de minimamente interessante. O que não é o caso: eles surgem-nos tão perdidos quanto os atónitos espectadores, que buscam em vão as referências conducentes a uma história consistente.
Quando o filme se conclui estamos exactamente na mesma em que estávamos no seu início… e com menos uma hora e um quarto de vida para usufruir...

Documentário: OS REVOLTADOS DO MEERMIN de Nic Young e Joe Kennedy (2010)

Há duzentos e cinquenta anos os escravos malgaxes do navio negreiro Meermin revoltaram-se, apossando-se do seu comando. Hoje há investigadores à procura dos seus destroços numa das muitas praias do Cabo das Agulhas.
Essa carga deveria chegar à Cidade do Cabo, entreposto comercial fundado quatro anos antes pela VOC, companhia que tinha direito de vida ou de morte sobre todos quantos aí viviam.
Nesse ano de 1766, Capetown já é uma colónia importante, quando o Meermin, comandado pelo inexperiente Gerrit Muller inicia a sua viagem com centena e meia de escravos não só declarados no manifesto da companhia, mas também com uns quantos mais, que quer ele, quer o responsável pela carga contam vender separadamente ao chegarem ao seu destino.
O que irá precipitar o inesperado desenlace será a luta pela autoridade entre esse Muller e esse Klaus.
Senão esses escravos seriam uma gota de água nos doze milhões, que transitaram no século XVIII entre esses entrepostos negreiros e as herdades e quintas aonde seriam obrigados a trabalhar até à morte.
O motim de Fevereiro de 1766 será liderado por um chefe tribal, Massavana, que caíra numa emboscada organizada por um rei rival, que o venderia aos holandeses. Ele aproveita a oportunidade dada de, face à epidemia de tifo e disenteria a bordo,  Muller libertar os escravos das suas grilhetas e deixá-los movimentarem-se livremente a bordo.
Quando a relação de forças se inflecte, Klaus é morto de imediato conjuntamente com outros trinta tripulantes. Os sobreviventes, entre os quais o comandante, refugiam-se na popa, na espingardaria.
Os acontecimentos jogam em desfavor dos amotinados, quando, incapaz de direccionar o navio de volta a Madagáscar, Massavana acede a que o adjunto de Klaus, Olof Leij, se encarregue da navegação. O que ele faz levando o Meermin até ao sul do continente.
Aí os primeiros escravos, que vão a terra numa lancha, são massacrados ou aprisionados pelos colonos. Que organizam uma expedição punitiva, que toma de assalto o navio.
No julgamento que se segue muitos dos sediciosos são condenados à morte, Muller e Leij são despromovidos, reenviados para a Holanda e proibidos de voltarem a trabalhar com a VOC e Massavana irá morrer três anos depois na ilha de Robben…
Mas, por uns dias, ele acreditara na possibilidade de recuperar a liberdade perdida...

sábado, setembro 17, 2011

Livro: «Nada a temer» de Julian Barnes (3)

Um dia também as actuais religiões dominantes serão abandonadas, completamente reduzidas à dimensão de pequenas seitas resistentes.
Se o Homem necessita de acreditar em seres omnipotentes, omniscientes e omnipresentes, já sepultou e inventou todo o tipo de deuses. E muitos outros acabarão por surgir em função das mudanças verificadas nas sociedades futuras.
Se hoje qualquer crença animista parece ser apanágio de seres primitivos, tempos houve em que os homens acreditavam sinceramente nessas cosmogonias.
E, como prosélitos de tais religiões, praticaram milhentas modalidades diferentes de rituais, incluindo os muitos crimes executados em seu nome. Porque, lembrava-o o José Saramago, tantos foram as torturas e assassinatos levados a eito por gente tida por muito piedosa. Que continuam a andar por aí como demonstraram nesse 11 de Setembro ainda agora relembrado...
E, no entanto, a vida pode ser tão simples se nos cingirmos à interpretação científica de todas as nossas dúvidas. Se Schopenhauer considerava a inteligência inversamente proporcional à simplificação do mistério da vida, tenho de reconhecer a preferência por um estado inferior de conceptualização das coisas. Porque nem o pessimista militante, que ele foi, me seduz enquanto mestre de pensamento, nem a vida pode ser encarada de uma forma torturada, que nos predisponha à infelicidade.
Dentro das circunstâncias em que nos movimentamos, temos a obrigação para connosco de nos fazermos tão felizes quanto possível.
Sejamos, pois, racionais e adoptemos as perspectivas de explicação das grandes questões, que tenham alguma coerência e não adiem para futuros improváveis o dever de agir inerente ao nosso presente.
Na sua fugacidade, o presente é a nossa única realidade. As memórias são incertas: muito mais aquilo que dela mistificamos, do que a consonância com uma verdade absoluta quanto à natureza dos actos e pensamentos vividos. Por isso, no livro de Julian Barnes, ele e o irmão recordam de forma diferente os acontecimentos por ambos partilhados.
É que se as mesmas pessoas conservam lembranças completamente distintas do vivenciado, elas próprias vão mudando e alterando completamente a selecção do que consideram importante. É assim que o sentimento muito profundo de um determinado acontecimento acaba por ser completamente esquecido em relação a algo, que na época em questão não pareceria ter assim tanta importância, e depois é relembrado em todas as circunstâncias físicas supostamente então presentes. É como se sentíssemos o sabor, o odor, os sons envolventes desse algo subitamente revalorizado.
Sem enveredar por essa linha interpretativa, Barnes permite a implícita conclusão de pouco importar essa morte, que não devermos temer, já que, ao longo das nossas vidas, morremos e renascemos continuamente. Tornando-nos outros, mesmo sentindo-nos formalmente os mesmos...

quinta-feira, setembro 15, 2011

Filme: LIFE SHOW de Huo Juanqi (2002)

Se procurarmos na net são raríssimas as referências a este filme de Huo Juanqi, que quase se assemelha a um objecto marginal, conhecido de um punhado muito reduzido de espectadores ocidentais.
E, no entanto, ele até se revela bastante interessante na forma como desvenda muitas das mudanças em curso no enorme país oriental de onde é oriundo.
Passado em grande parte no mercado da rua Jiqing, tem por protagonista a voluntariosa Shuang-yang, que aí gere um restaurante próprio há cerca de dez anos.
Já a caminho da maturidade ela encarregara-se da educação do irmão mais novo depois da morte da mãe durante o parto e casara depois com um estudante de quem não tardaria a divorciar-se. Sem chegar à realização da maternidade…
Duo-er, o sobrinho deixado em sua casa, enquanto os pais andam de candeias às avessas, poderia ser um substituto eficiente, mas não só se lhe escapa ao controle, como têm horários completamente incompatíveis: ela trabalha noite adentro no restaurante enquanto o miúdo só tem o dia para brincar ruidosamente, quando ela procura dormir…
Mei, a empregada, que mandara vir da província, desperta-lhe, igualmente, sentimentos maternais, mas está demasiado afeiçoada a Jiu-Jiu, esse irmão a quem a patroa educara, mas entretanto aprisionado pela sua excessiva ligação às drogas. Não admira, que Shuang-yang não descanse enquanto a não casa com o filho atrasado de um dirigente do regime, o que se revela um desastre devido ao carácter violento do noivo.
À falta dessa satisfação na maternidade, Shuang-yang deixa-se iludir pelo interesse despertado num homem rico e mais velho, Zhuo, com quem pondera vir a casar. Mas, não só ele está pouco disposto à formalização de um compromisso, bastando-lhe uma relação meramente sexual, como é ademais o anónimo promotor imobiliário, apostado em deitar abaixo o bairro aonde ela ganha a vida.
 Shuang-yang viverá uma grande desilusão, mas a esperança nunca a abandonará. Quiçá através do pintor que, no final, aparece a pretende pintá-la?
O filme aborda, pois, uma realidade chinesa já muito distante da do período maoísta: estão aqui a cupidez dos ricos, a corrupção de quem tem algum poder e o total abandono de qualquer forma de participação colectiva na política.
Nesta China é cada um por si e todos contra todos...

quarta-feira, setembro 07, 2011

Modigliani (videoclipe)

Filme: MODIGLIANI de Mick Davis (2004)

A lógica dos filmes biográficos, sobretudo se tratados como produtos de consumo concebidos a partir de uma estratégia hollywoodesca, manda subestimar a verdade dos factos em relação aos efeitos dramáticos, que alguma liberdade criativa poderá suscitar.
A vida de Modigliani sujeita-se a essa deriva inventiva, tanto mais que a vida curta e monótona do pintor - marcada pelo alcoolismo e pela toxicodependência - tenderia a fornecer matéria insuficiente para o argumento. Então empola-se uma suposta rivalidade com Picasso, que a realidade parece desmentir. Mas, como diria John Ford, entre a realidade e a lenda opta-se por esta última, nem que seja inventada às três pancadas por um argumentista e realizador conhecido por ser um artesão mais ou menos habilidoso na arte cinematográfica.
O filme começa com o rosto sofrido de Jeanne, por quem iremos ser guiados na história do seu companheiro, acabado de sucumbir à tuberculose.
Estamos em 1919 e ela reivindica tratar-se de uma história de «amor verdadeiro», tanto mais que já conta com uma filha ilegítima dessa ligação tão odiada pelo seu progenitor. Que nunca a poderá aceitar ou não se tratasse Amedeo de um reconhecido judeu e boémio, pródigo em noites passadas em bares e restaurantes, na companhia de outros artistas contestatários aos valores dominantes: Picasso, Rivera, Cocteau, Utrillo, Soutine, Kiesling, etc.
Jeanne fora sua aluna em desenho e a paixão por ele fora tão avassaladora, que se dispusera a abandonar o lar de católicos devotos, para partilhar as condições miseráveis do seu atelier.
Mas Amedeo é demasiado egoísta para pensar no seu bem-estar. Entre o seu modo de vida e o apelo às virtudes familiares, que ela implicitamente sugeriria, a opção é sempre pela primeira hipótese.
Em desespero de causa, e perante o risco de lhe ser retirada a custódia da filha, Jeanne vai procurar Picasso para que ajude Modigliani a tornar-se mais conhecido e a conseguir, portanto, viver mais folgadamente da sua arte. Mesmo sabendo quanto o companheiro detesta o catalão, já apostado numa sobranceria, de quem sabe estar a construir uma obra para perdurar no futuro.
No entanto, quando um desacato o leva à prisão, é esse mesmo Picasso quem lhe paga a fiança para ser libertado. E até o leva até à casa aonde o velho Renoir passa os seus últimos dias…
A possibilidade de uma exposição individual de nus femininos apresentada pela corajosa Berthe Weill seria o passaporte para a desejada aclamação da sua obra, mas a polícia encerra-a em nome dos bons costumes. Grávida do segundo filho do pintor, Jeanne sofre o desgosto de ver o próprio pai a entregar a filha à assistência social.
Nas semanas seguintes a rivalidade com Picasso só se intensifica e ambos acabam por concorrer ao novo concurso do Salon des Artistes. Mas, no dia da inauguração, Modigliani sente uma súbita propensão para o desastre: depois de ir buscar a licença de casamento com que pretende surpreender Jeanne, vai para um bar e bebe repetidamente até mais não poder, saindo sem pagar a conta. O resultado é uma violentíssima agressão, que só lhe apressará o fim. Levado para o hospital é aí que morre, acompanhado de Jeanne e dos amigos mais fiéis.
Desesperada pelo vazio, que se instala em si, Jeanne precipita-se do alto de um edifício, matando-se juntamente com o filho quase em vias de nascer. E prevendo a Picasso, que ele jamais deixará de ter presente aquele rival tão precocemente desaparecido...
A consagração do pintor só viria a registar-se nos anos seguintes, ganhando relevância enquanto um dos projectos artísticos mais inovadores desse primeiro quartel do século XX.

domingo, setembro 04, 2011

Brothers - Jim Sheridan - Trailer (HD/VOSTFR)

Filme: ENTRE IRMÃOS/ BROTHERS de Jim Sheridan


Estamos em 2007 numa região rural dos EUA. Tommy é liberto da prisão, aonde esteve a cumprir a condenação pelo assalto a um banco, quando Sam, seu irmão, está prestes a partir para uma nova uma missão militar no Afeganistão.
Grace, a mulher deste, com quem se relacionou desde que ambos andavam no liceu e ela chefiava a claque da equipa de futebol, tinha uma enorme antipatia por aquela ovelha ronhosa da família. No entanto, quando lhe aparecem dois militares à portas a anunciar-lhe a condição de viúva, é nesse cunhado que ela irá encontrar o maior apoio nas semanas seguintes. Como sucede, igualmente, com as duas filhas, que têm no tio o companheiro ideal de brincadeiras.
Pelo meio surge o pai de Sam e de Tommy, antigo militar com experiência do Vietname e que tem tanta simpatia pelo primeiro como assumida rejeição pelo segundo.
Se o espectador não fosse dotado do conhecimento, que aos outros personagens é omitido, sobre o realmente sucedido com Sam, o filme poderia orientar-se facilmente para o melodrama em que uma viúva reaferisse os seus afectos, mesmo com a oposição familiar num ambiente asfixiante a nível de valores e de costumes. Mas Sam está vivo e é mantido preso com outro soldado norte-americano sob a alçada dos impiedosos talibãs. E, além de outras torturas dolorosas, todo o seu esquema mental resvala para a loucura, quando é obrigado a matar o subordinado a mando dos seus carcereiros.
Liberto do seu cativeiro, Sam regressa a casa, mas é um homem diferente, como Grace e as filhas não tardam a compreender. E Tommy surge como o pólo de maior distanciamento entre ele e a família, já que adivinha a empatia surgida entre a mulher e o irmão e a clara preferência das filhas pelo tio.
Para escapar aos seus demónios anteriores, ele bem pede para voltar às montanhas asiáticas, mas o Exército está consciente do carácter explosivo daquela mente perturbada e recusa-lhe essa possibilidade.
No dia em que a filha mais velha decide puni-lo pela sua atitude para com ela, mentindo sobre a relação entre a mãe e o tio, Sam tem uma explosão violenta partindo toda a cozinha, que Tommy remodelara com uns amigos e dispondo-se a matar quem lhe surgisse à frente. Acaba por ser manietado pela polícia e internado num hospital psiquiátrico, mas o fim do filme conclui-se sem se poder adivinhar se ele terá ou não alguma possibilidade de recuperação.
O filme enquadra-se, assim, na abordagem algo cautelosa que o cinema norte-americano tem efectuado às opções belicistas de George W. Bush.
Experiências anteriores, mais críticas para com essas opções, acabaram penalizadas pelo público, que as votou a flops comerciais. Por isso há muita ambiguidade neste filme em que os talibãs são ruins como as cobras e o militarismo não é propriamente beliscado. Pelo contrário, uma visão algo primária da história aponta os fundamentalistas islâmicos como responsáveis pela transformação mental de Sam em vez de se equacionarem as políticas norte-americanas como estando na origem deste tipo de consequências.
O filme acaba por ter interesse, fundamentalmente, pela qualidade das interpretações de todos os principais actores, incluindo as miúdas, que fazem de filhas do militar. Mas nada que no-lo faça recordar daqui a umas semanas...