sábado, janeiro 07, 2012

Documentário: PALAWAN, O IMPÉRIO DAS PÉROLAS de Therese Engels (2010)

Filipinas: as pérolas douradas mais valiosas provém daqui. Em verdadeiras quintas aquáticas, as ostras perlíferas são alimentadas, limpas e viradas diariamente por mergulhadores, que passam o dia em apneia para conseguirem pérolas o mais perfeitas possível.
Trata-se de um trabalho árduo tanto mais que 20% das ostras rejeitam o corpo estranho nelas inserido para que reajam com a camada nacarada pretendida.
Esses mergulhadores são antigos pescadores e comerciantes, cujos rendimentos insuficientes os trouxe para esta actividade cujo custo começa por ser o de ficarem longe das famílias, já que ali por perto não existem escolas aonde as suas crianças possam estudar.
Mas a actividade está em perigo por outras razões: o aquecimento global é uma evidência nos corais moribundos em redor dos viveiros. E a subida do nível do mar constitui outro factor perturbador neste tipo de cultura muito delicada.
Mas a investigação biológica procura responder a tais desafios e foi por selecção artificial que, em poucos anos, se conseguiu evoluir de uma cor branca pouco apreciada para a cada vez mais rentável cultura de pérolas douradas.
Ainda assim, cerca de 30% das pérolas colhidas não chegam ao mercado por não possuírem o tamanho, a forma ou a cor aí procuradas.
Embora ainda florescente, os que vivem desta actividade em Palawan sabem que o risco dela deixar de existir é bastante elevado.

sexta-feira, janeiro 06, 2012

Documentário: Pescadores do Rio Negro de Carmen Butta (2001)

Rio Negro, no Noroeste da Amazónia: aqui existe o peixe cardinal tão apreciado nos aquários domésticos dos países europeus.
Porque a cidadezinha de Barcelos não tem indústrias e a terra só permite a plantação da mandioca, a solução para muitas famílias restringe-se à pesca. Mas os mil e cem pescadores vão iludindo a miséria nas vinte e três tabernas locais, já que os peixes cardinais estão cada vez mais desvalorizados no mercado.
Nómadas no rio, eles só aportam para comprarem o necessário, o que significa um volume cada vez menor de mercadorias.
Crispim e Silvana são o casal, que a realizadora acompanha e que nunca tiveram dinheiro para arranjarem casa em Barcelos. Por esse motivo têm de deixar os filhos a parentes enquanto dura a época escolar.
A casa é, pois, o pequeno barco, o «Rio Demeni». Mas o combustível está cada vez mais caro e as dívidas acumulam-se
Crispim confessa a saudade do tempo em que os seus rendimentos eram bem maiores, porque a procura dos peixes cardinais ainda não era sujeita aos efeitos da aquacultura norte-americana e em Singapura.
De origem índia Crispim já não seria capaz de imitar os antepassados e conseguir o sustento da floresta virgem. Por isso Manaus, aonde nunca foi, está povoada de muitos antigos pescadores nas suas favelas miseráveis.
Mas nem tudo é mau: uma vez por ano, durante a Festa do peixe Cardinal a família mascara-se para participar numa festa, que alegre as almas enquanto perdura. O pior é quando ela acaba e a realidade difícil se volta a impor...

48 (Portugal, 2009). Susana de Sousa Dias.


A notícia é de hoje e vem das lonjuras chilenas: o governo de direita de Piñera decidiu impor uma alteração aos manuais escolares, que deixarão de falar de «ditadura» a respeito dos anos de Pinochet em La Moneda, substituindo esse termo por «regime militar».

Tal eufemismo mostra como a luta antifascista não pode refrear o ânimo, porque os defensores de políticas autoritárias estão sempre prontos a avançarem para cobrir o espaço libertado pelos que se acomodem ao mero exercício das liberdades fundamentais.

Um filme como «48» de Susana Sousa Dias tem a importância de manter vivo o sinistro tempo de repressão sobre quem apostasse em pensar pela sua própria cabeça e não cedesse aos chavões salazarentos.

A realizadora foi aos arquivos da Pide buscar as imagens captadas pelos fotógrafos da organização no momento da detenção ou da libertação e colocou-as à apreciação dos respectivos ex-presos políticos, que as comentam em voz off e aproveitam para revelar as circunstâncias inerentes a essa experiência.

Trinta e cinco anos depois estes testemunhos ainda têm a relevância de constituírem um poderoso libelo contra um regime com ainda tantos saudosistas a ele conotados. E por isso vale sempre a pena neles nos determos…

quinta-feira, janeiro 05, 2012

Black Cat, White Cat (Crna macka, beli macor) (1998) - Trailer


O rio agita-se com a chegada dos russos, que vêm alimentar o mercado negro. Mas Matko, que passa o tempo a jogar poker consigo mesmo, é enganado na compra de um barril de combustível, afinal cheio de água. Para dar a volta à vida socorre-se do tio Grga, que o sabe trapaceiro, mas se sente em dívida para com o pai dele, que lhe terá salvo a vida por duas vezes, uma em Génova e outra em Nápoles. Consegue assim um oportuno empréstimo, para o objectivo de desviar um comboio de combustível entre a Jugoslávia e a Turquia com a ajuda de Dadan, um mafioso toxicodependente, que adora a música tecno. Mas este decide trapacear o cúmplice, ficando com o comboio e com o dinheiro de Matko, sem que este se aperceba do logro em que caiu. Para piorar as coisas ele acede ao pedido de Dadan, que pretende fazer desposar a filha mais nova, a anã Bubamara com o seu Zare também ele chegado a idade casadoira, invocando para tal a compensação por quanto perdera com o negócio.

O problema é a propensão de Zare por Ida, uma bela rapariga também a viver nas margens do Danúbio. Resta ao rapaz a ajuda do avô, que finge morrer para impedir a cerimónia.

Mas Dadan não se prende com tais escrúpulos e obriga Matko a esconder o corpo do pai no celeiro para que o casamento acabe por ser celebrado.

Mas, tão só o padre inicia a cerimónia, e já a noiva foge com a ajuda de Zare e de Ida. É na sua fuga que ela encontra o gigante Grga Veliki, neto do velho padrinho e imediatamente se enamora. É então a vez do velho Grga cobrar a Dadan uma antiga dívida, que ele pagará com Bubamara.

Tudo se normaliza com a comunidade a preparar-se para a celebração de dois casamentos - o de Zare com Ida e o de Veliki com Bubamara. Mas é então que o velho Grga é acometido de um ataque cardíaco. Para que as núpcias taõ esperadas não sejam anuladas, Dadan leva o corpo de Grga para o celeiro para junto do seu velho amigo Zarije.

Algumas horas depois dos dois velhos ressuscitam como que por magia e os casamentos são enfim consumados.

Em 1998, após a realização de Underground Emir Kusturica recebeu a encomenda de um canal alemão para rodar um documentário sobre a música cigana. Quando se prepara para ir ao local da rodagem ouviu a história da morte de um avô em vésperas de um casamento e que terá sido soterrado em gelo para que a cerimónia decorresse. Outra inspiração para este filme terá sido a leitura de «Os Contos de Odessa» do russo Isaac Babel.

O projecto transforma-se, então, numa longa-metragem de ficção, que será este «Gato Preto, Gato Branco» para cuja concepção recorrerá ao argumentista Gordan Mihic com quem já trabalhara em «O Tempo dos Ciganos».

quarta-feira, janeiro 04, 2012

A Viúva Montiel

CONTOS COMPLETOS (2) de Gabriel Garcia Marquez

A personagem de José Montiel surge em dois dos contos de «Os Funerais da Mamã Grande», o primeiro dos livros incluídos na colectânea de Gabriel Garcia Marquez.
No primeiro, «A Tarde Prodigiosa de  Baltasar», ele é o rico comerciante para cujo filho, o carpinteiro da aldeia cria a mais bela das gaiolas, sem que consiga por ela o devido pagamento. De facto, avarento por natureza, José Montiel culpa Paco por ter feito tal encomenda e ao artesão aponta a falta de sensatez pela aceitação da encomenda de um miúdo de dez anos.
Mas, incapaz de dar parte de fraco, Baltasar vai passar a tarde na taberna a viver as glórias de tão elogiada construção. Que merecera do próprio médico o elogio de ter sido feita pelo grande arquitecto, que ele poderia ter sido.
Nessa tarde Baltasar bebe vinho pela primeira vez e embriaga-se pagando rodadas a todos quanto o acompanham. Madrugada adentro, já sozinho e sem coragem para voltar para casa, fica prostrado numa valeta a querer perdurar o mais possível o melhor dos seus sonhos.
Montiel surge caracterizado como um pai autoritário e um rico sem escrúpulos, nunca satisfeito com os bens acumulados. Mas o conto seguinte, «A Viúva Montiel» ilustra a forma como ele enriquecera, valendo-se da sua condição de delator da ditadura, informando o sargento arvorado em alcaide de Macondo sobre quais os pobres a fuzilar na praça central da aldeia e quais os ricos condenados a abandonarem a povoação, não sem antes lhe entregarem a preços irrisórios as terras e gado.
Ao contrário do que todos teriam conjecturado, o velho Montiel é poupado a uma morte violenta, acabando serenamente na sua rede de dormir. A viúva descobre-se então sozinha, por todos abandonada, inclusivamente pelos filhos radicados na Europa e conscientes de como poderiam ter a vida em perigo se arriscassem voltar.
Resta à viúva a morte, quando a ruína já se apossara das paredes da sua outrora florescente mansão...

terça-feira, janeiro 03, 2012

En este pueblo no hay ladrones (Alberto Isaac, 1965)

Livro: CONTOS COMPLETOS (1) de Gabriel Garcia Marquez

A D. Quixote  publicou, agora, num só volume, quatro colectâneas de contos de Gabriel Garcia Marquez escritos entre 1947 e 1992.
Embora se trate, em muitos casos, de uma revisão da matéria dada, regresso a eles com o fascínio de sempre pelo estilo inconfundível do escritor colombiano, feito de frases curtas e palavras definitivas quanto à caracterização das feições, expressões ou sentimentos dos seus personagens.
O que surpreende em Gabriel Garcia Marquez é a depuração absoluta do texto, aonde não se vislumbra qualquer redundância, que retire eficácia ao sortilégio criado em torno de quem se vê condenado a situações dramáticas incontornáveis.
Nas semanas vindouras, andarei a abordar aqui as quarenta e uma histórias, que integram esta volumosa colectânea.
Os primeiros três contos foram escritos em 1962 e integravam «Os Funerais da Mamã Grande».
O primeiro chama-se «A Sesta de Terça-feira» e passa-se num modesto povoado adormecido, quando se digere o almoço sob uma temperatura asfixiante. É em tal ocasião que uma velha e uma miúda vão bater à porta do padre para pedir-lhe a chave do portão do cemitério.
Acabadas de chegar no comboio, que ali acabara de parar, têm um par de horas para visitar a campa de Carlos Centeno. Tratava-se de um jovem morto na semana anterior, quando procurava assaltar uma casa cuja velha locatária dera uso a um revólver há muito arrumado, desde a época do coronel Aureliano Buendia.
As oito páginas são suficientes para Gabo revelar a falsa aparência inicial: em vez de adormecido, o povoado está vigilante e prepara-se para acompanhar com um olhar censório essa caminhada entre a igreja e o cemitério.
Bem o padre procura evitar às forasteiras tal provação, que a velha revela um orgulho de quem nada deve, nem teme. Razão porque o conto acaba com a frase: Pegou na mão da menina e saiu para a rua.
A segunda história ainda é mais curta. «Um Dia Destes» apanha um alcaide acometido de uma insuportável dor de dentes e obrigado a recorrer ao único dentista do povoado.
Decerto comprometido com a oprimida resistência à ditadura militar, o homem bem procura esquivar-se ao serviço, mas a ameaça é taxativa: ou tira o dente ou leva um tiro.
Resta-lhe como alternativa a extracção sem anestesiante, forçando o representante da repressão a sofrer uma pequena vingança pelo sofrimento que encarna.
«Neste Povoado Não Há Ladrôes» tem mais de vinte páginas o protagonista é um rapaz pouco esperto chamado Dâmaso, que procura iludir a pobreza com a aposta na actividade de ladrão. Mas é tão pouco inteligente e o povoado tão miserável, que volta do salão de bilhar com as três bolas com que os aldeões iam aí entretendo o seu tédio. Dinheiro, quase não havia, nem qualquer outro bem que pudesse transaccionar por dinheiro vivo.
Bem Ana, a jovem mulher, de ventre inchado pela avançada gravidez, o vitupera, que ele só aumenta a dimensão do seu desastre. E, quando perdido de bêbedo, vai tentar devolver as bolas ao sítio donde as surripiara, é apanhado pelo gerente, que espalhara a notícia do desaparecimento de duzentos pesos e agora o entrega à polícia para os poder «reaver».