domingo, março 13, 2016

PALCOS: Utopia, utopias e o choque com a realidade

Hoje à tarde, pelas 17 horas, repete-se a oportunidade de assistir à peça «E Agora?», que o Trigo Limpo já apresentou ontem à noite numa das salas de O Bando no Vale dos Barris.
Baseado em diversos textos de Gonçalo M. Tavares e depois objeto de um trabalho dramatúrgico do coletivo, que integra a companhia de Tondela, a peça dá um retrato fiel e sem concessões do estado a que chegámos, justificativo da pergunta final, que lhe serve de título.
Denuncia-se uma economia dissociada do material para se cingir a uma existência virtual. Perspetiva-se uma solução radical para a peste do desemprego, que evoca cenários de Auschwitz ou de refugiados no Mediterrâneo. Explicita-se a tendência para a criação de concorrência pela sobrevivência entre pais e filhos. Constata-se a incipiência das lengalengas ideológicas já despojadas dos seus sentidos iniciais. Mostra-se como as revoluções marcadas para as praças centrais podem gerar resultados mais do que equívocos.
Num total sucedem-se dez cenas suficientemente impressivas para causar no espectador o desconforto com que sai na sala perante a quase incontornável deriva suicidária da maioria dos desesperados. Mas esse é precisamente o objetivo de Pompeu José, encenador da peça, quando a esteve a congeminar.
Não admira que a conversa subsequente ao espetáculo, na presença do encenador, dos atores e de Gonçalo M. Tavares tenha versado um conjunto pertinente de questões: até que ponto não chegámos a uma fase em que importaria alimentar a esperança dos tempos novos com propostas menos deprimentes, donde emergissem fundamentos para crer na efetiva mudança? Ou seja se o «E Agora?» pensado na lógica do poema do Carlos Drummond de Andrade, não deveria ser adaptado da perspetiva de uma festa que já acabou, mas de outra que está prestes a começar? Fazem sentido as utopias nos dias de hoje? O verso da canção do José Mário Branco «eu vi este povo a lutar» não pode orientar-se para «eu vi este povo desejoso de lutar» à luz da recente experiência na campanha presidencial de Sampaio da Nóvoa? Qual a forma mais eficiente para transmitir teatralmente uma mensagem eficaz?
A discussão suscitou polémica acesa entre os proponentes da utopia e quem a vê com desconfiança como é o caso do autor de «Jerusalém». Para o escritor existem várias utopias com algumas delas a serem diametralmente opostas entre si. Por isso defende o primado estratégico de mudar as leis por serem as que tendem a vencer o desafio do tempo, algo difícil de suceder com acontecimentos esporádicos mesmo que muito exaltantes. E, numa exemplificação de como as pequenas utopias no quotidiano podem ser tão ou mais gratificantes do que as pensadas ao nível de uma nação, realçou a importância de chegarmos a uma sociedade suficientemente evoluída para que uma nonagenária ponha dinheiro num cesto, o desça com uma corda até à rua para que algum transeunte lhe adquira a lista de compras de que necessita, e isso aconteça sem possibilidade dela ver frustrado o seu intento.
Nestas discussões encontram-se sempre os pessimistas de serviço e um deles sugeriu que ter consciência implica dor, razão explicativa para que muitos se conformem e não ajam socialmente.  A noção das injustiças circundantes implicaria a nossa desativação militante e explicaria as aleatórias escolhas entre candidatos mais ou menos institucionalizados.
Uma vez mais a deslocação às instalações do Bando equivalem a experiências gratificantes, quer do ponto de vista cénico, quer quanto ao tipo de tertúlia partilhada com gente muito interessante...

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