quarta-feira, março 09, 2016

LEITURAS AVULSAS: «As Suplicantes» de Ésquilo

Durante muito tempo esta foi considerada a mais antiga obra do autor de tragédias do séc. V a.C., embora hoje se saiba que «Os Persas» e «Sete contra Tebas» a antecederam.
O personagem principal é o coro das Suplicantes, constituído pelas cinquenta filhas de Danaos, fugidas do Egito para escaparem ao casamento forçado com os seus cinquenta primos.
A peça não explica propriamente a razão do seu comportamento, mas tece-se em torno da violência inaceitável que elas associam ao casamento. Por isso a perseguição de que se sentem alvo corresponde a uma autêntica guerra civil.
Argos é o sítio onde esperam colher refugio já que dali saíra o seu antepassado Io. Mas o rei duvida se tem competências para as proteger ou se essa decisão caberá à Assembleia do Povo. Até porque equaciona o equilíbrio entre dois males: ou expõe Argos à guerra ou enfrenta a cólera dos deuses protetores dos que a eles suplicam.
Pelasgos enuncia as suas dúvidas mas a todas elas as Danaides respondem com a insistência do seu estatuto de Suplicantes, beneficiando por isso da proteção de Zeus.
Quando ele parece não se decidir elas usam um último recurso: o da chantagem. Ou são socorridas ou sacrificam-se aos deuses, enforcando-se nas respetivas estátuas. É o que basta para Pelasgos assumir-se como seu defensor junto da Assembleia de cidadãos.
Conquistado o direito de asilo logo ele fica em causa, quando se vislumbram no horizonte os barcos egípcios. A guerra torna-se inevitável!
A peça conclui-se com a fuga das Danaides para a cidade invocando a ajuda, quer de Artemísia, quer de Afrodite.
Nas três peças desta Tetralogia, que já não chegaram aos nossos dias, assistir-se-ia à guerra, à derrota e morte de Pelasgo, ao triunfo dos filhos de Egyptos, ao casamento forçado das Suplicantes com os aprazados maridos, a quem porém matariam na noite de núpcias. Só uma delas, Hipermnestra pouparia Linceu por ele ter respeitado a sua virgindade…
Ajuizar a peça, sem o conhecimento integral das outras três, contém o risco de errar na formulação das intenções presididas na sua criação.
Aparentemente o tema estaria relacionado com o contexto político então vivido em Atenas onde se discutiam as instâncias de decisão na cidade. Caberia a atribuição do direito de asilo das Danaides ao rei ou à Assembleia do Povo? Ésquilo parece reservar ao soberano o papel de orador da perspetiva das Suplicantes junto do coletivo responsável pela decisão.
O “homem político” mais não seria, pois, do que o executor da vontade maioritária do conjunto dos cidadãos recenseados. Mas não deixa de ser curiosa a semelhança do comportamento do coro das Danaides com um influente grupo de pressão dos nossos dias, capaz de influenciar o curso dos acontecimentos com a veemência dos seus argumentos.
Mas as Danaides não compreendem que os seus argumentos podem virar-se contra elas: antes de se assumir como um deus que salva, Zeus começa por ostentar um aberrante comportamento calculista. A fuga do coro ao casamento mais não refletiria do que uma forma de delírio semelhante à dos seu venerado antepassado Io.
Estamos, em todo o caso, perante uma construção ideológica semelhante à da «Oresteia» e concomitante com a crise de crescimento da democracia ateniense. 


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