domingo, novembro 26, 2006

MARIANNE KAPFER: «PAISAGENS INDUSTRIAIS» (2006)

Bernd Becher começou por pintar e desenhar edifícios e fábricas, que sabia estarem abandonados e em vias de destruição.
Em 1957 passa a recorrer à fotografia por ela implicar uma maior objectividade e precisão ao seu trabalho.
Frequenta a Academia das Belas Artes de Dusseldorf e encontra Hilla Wobeser.
Juntos, encetam um trabalho organizado em séries, recenseando sistematicamente os castelos de água, os silos, os altos fornos, os poços das minas, os gasómetros, etc.
Elaboram um protocolo quanto a captação rigorosa das imagens, que se manteve ao longo das décadas: a construção é colocada no centro da imagem de uma perspectiva ligeiramente elevada e banindo pessoas, nuvens, fumos e sombras. A luz deve ser mais difusa.
A maioria dos locais fotografados na Alemanha, em França, na Bélgica, no Luxemburgo e nos Estados Unidos transformaram-se completamente. Mas fica deles a memória, graças às imagens dos Becher.

ARNOLD FANCK: «A MONTANHA SAGRADA» (1926)

Diotima é bailarina. Apaixonada, ela dança por todo o lado, mormente junto ao mar aonde ela capta a energia da espuma das ondas.
Procurando novas sensações ela parte para a montanha. Numa estação de desportos de Inverno ela trava conhecimento com Karl e Vigo, dois amigos apostados em aproveitar o tempo para esquiar e subir às montanhas em redor.
Ambos apaixonam-se por ela, descobrindo essa coincidência numa escalada a dois, que acaba de forma trágica. Apesar dos esforços de Diotima para ir em seu socorro…
Lá no alto, na montanha, os céus enevoados, os glaciares ameaçadores, as fendas impressionantes e as silhuetas humanas perdidas na imensidão são as características do cinema de Arnold Fanck, já então um mestre do filme de montanha, género por ele criado desde o início da década de 20.
Os seus primeiros filmes atraíram muito rapidamente a atenção do público alemão, que busca no regresso à natureza uma forma de diversão para o clima político e económico da época.
Entre os seus admiradores está Leni Riefenstahl, uma jovem bailarina para quem ele concebe o papel de Diotima. A colaboração entre ambos prosseguirá durante mais cinco filmes, todos eles dedicados ao tema da montanha: «O Grande Salto» (1927), Prisioneiros da Montanha/ O Inferno Branco de Piz Palu» (1929), «Tempestade no Monte Branco» (1930), «Embriaguez Branca» (1931) e «S.O.S. Iceberg» (1933).
É durante a rodagem de «A Montanha Sagrada», que Leni Riefenstahl começa a interessar-se pela carreira de realizadora. Os filmes de Arnold Fanck, que mostram os poderes irracionais da natureza sobre o homem, foram classificados como precursores do nazismo.
Leni Rifenstahl será a sua representante oficial com «Os Deuses do Estádio».

O MARTÍRIO DE UMA AVÓ

O que terá levado Fátima Al Najar a oferecer-se para morrer enquanto mártir do seu povo?
Aos 64 anos esta avó de 43 netos já deverá ter sentido muita dor em si, nos seus e nos seus vizinhos.
Só assim se compreende que se tenha convertido num símbolo dos palestinianos em luta contra as agressões sionistas. Como se doravante, depois de mulheres e crianças terem chegado à primeira fila dos que enfrentam o exército israelita, também os mais velhos não fiquem isentos da suspeita de constituírem arma de destruição letal de todos os seus agressores.
Por muito que nos repugne o terrorismo cego, como não entender as razões dos que nele encontram única forma de expressão dos seu desalentado sofrimento?

OS PLANOS DE UM ARRIVISTA

No «Diário Económico» o comentador Raul Vaz diz que «sempre que surge uma oportunidade. Durão Barroso reaperece. Em Portugal, onde pensa continuar a sua carreira política. Uma conferência, uma exposição, a celebração do segundo aniversário da sua Comissão…»
Eu que conheci tal personagem no Liceu de Almada nos idos anos 70, quando no seio de uma geração de colegas fadados para virem a ser todos brilhantes e capazes de virarem o mundo do avesso, ele passava completamente despercebido na sua já então gritante falta de ideias próprias, criei a seu respeito uma antipatia corroborada nas décadas seguintes.
No MRPP ele era o exemplo típico do provocador infiltrado, que justificaria as dúvidas de quem via nesse maoísmo a presumível influência de serviços secretos estrangeiros.
Quando o seu carreirismo no PSD/PPD o levaria a primeiro-ministro nunca nele se veria qualquer capacidade para - apesar da maioria absoluta garantida na sua coligação com Paulo Portas - qualquer intenção nem capacidade para empreender as imprescindíveis reformas agora assumidas por José Sócrates.
A sua cinzenta mediania prossegue na Comissão Europeia para onde se candidatara - segundo o livro agora publicado pelo seu comparsa Santana Lopes - quando supostamente andava a defender uma candidatura alheia.
Tudo em Durão Barroso lembra a mediocridade dos arrivistas, que utilizam os menos escrupulosos meios para almejarem mordomias para as quais os seus talentos jamais chegariam em condições normais. Que ele se ande por aí a preparar para eventuais futuros políticos no país só nos deve deixar alerta. Para jamais deixarmos esquecer a quem nos possa ouvir que esse personagem político esteve um dia ao leme do país e, vendo-o em tormentosas dificuldades logo se apressou a saltar para fora dele…

segunda-feira, novembro 13, 2006

SÃO, DE FACTO, TEMPOS INTERESSANTES

Se é certo que a governação de Sócrates não entusiasma - ainda não consegue transmitir a iminência de tempos melhores em que se fundamente as esperanças individuais - há uma credibilidade do que propõe como via de acesso a menores dificuldades. Mas, qual Nanni Moretti, também gostaria de ouvir dos lábios do primeiro-ministro algumas ideias de esquerda com maior frequência. Vale, por agora, uma completa crise de imaginação de uma direita espoliada de muitas das suas estratégias. E quando as críticas vêm enunciadas por Miguel Frasquilho fica-se com a noção de uma completa impreparação do PSD para sugerir alternativas mais consistentes. No jornal citado algumas linhas acima, a Helena Garrido comentava alguns dias atrás:
«A ideia de avaliar a evolução da despesa com valores absolutos, como ontem vimos por parte de um responsável do PSD, com formação no domínio da economia, é lamentável. Não é possível acreditar que alguém considere viável reduzir o peso do Estado na economia com diminuições efectivas nos gastos do Estado. Se aquilo a que vamos assistindo nas ruas com o que está a ser feito é o que é, com manifestações e greves, como seria se um qualquer Governo decidisse reduzir mesmo os gastos?»
Outra demonstração de falta de credibilidade do PSD tem a ver com o comportamento do seu líder, Marques Mendes a respeito da Madeira: esquecendo-se de quando foi desprezado e até mesmo insultado por Alberto João Jardim apressou-se a ir ao arquipélago apoiar o despesismo do Governo Regional, desculpabilizando ao correligionário o que ao Governo critica. Um comportamento de troca tintas, que pressagia um funeral político num futuro próximo.
Mas se a política de José Sócrates não evita a tremenda crise de emprego, que afecta não só os trabalhadores com menores qualificações académicas, mas também licenciados e bacharéis, não existem grandes alternativas de esquerda para ela. Vivemos tempos interessantes, na acepção de Hobsbawn, em que se podem prever graves crises políticas e sociais, mas ainda se não encontraram condições para lhes dar a resposta mais eficaz.
Não é com esta comunicação totalmente controlada pelos grandes grupos financeiros, que os cidadãos eleitores irão ganhar a consciência ideológica necessária para se furtarem às armadilhas semeadas na informação disponível. Que os leva a assumir como bons certos estereótipos no mínimo polémicos, como o do completo apagamento de conceitos marxistas…
Ora, eu defendo claramente a exequibilidade de surgir um marxismo reformulado e actualizado, que abra caminhos para sociedades mais justas. Falta só pensá-lo, reenquadrá-lo nos dias de hoje e implementá-lo de uma forma mais bem sucedida que nos diversos países ex-comunistas.
Vem a propósito retomar uma velha, mas actualíssima, citação de Abraham Lincoln:
«É possível enganar toda a gente durante algum tempo, e mesmo alguma gente durante todo o tempo, mas não é possível enganar toda a gente durante todo o tempo.»
Lá virá o tempo em que esta aparente aceitação passiva perante os axiomas capitalistas - e das suas cruéis consequências - conhecerá uma inflexão determinante sobre o que será o conceito de Democracia na segunda metade do Século XXI.
A citação de Abraham Lincoln aplica-se, igualmente, ao sucedido nas eleições norte-americanas: provando como as opiniões públicas são muito voláteis a aceitação quase total das políticas de George W. Bush à época da invasão do Iraque deu lugar à sua maioritária rejeição. Dizia António José Teixeira a este propósito no editorial do «Diário de Notícias»:
«Censurar um presidente em tempo de guerra não está na tradição americana. Se aconteceu agora é porque os americanos estão fartos de guerra e não acreditam na sua justificação. O descrédito da Administração Bush é evidente.»
Para a derrota total de tão sinistra personagem só falta impor às novas autoridades iraquianas a não aplicação da pena de morte sobre Saddam Hussein, já que os factos estão a demonstrar à saciedade o erro em que lavrou todo o Ocidente ao removê-lo do poder em Bagdad. Não teria morrido tanta gente, nem tanta miséria teria acontecido, se tivesse havido quem demonstrasse a Bush, Blair, Aznar e Barroso, que os interesses das Enrons, Halliburtons ou Bechtels não justificavam uma agressão de que só aproveitariam os terroristas.
E, como escreveu Jorge Coelho:
«Faz todo o sentido que países e movimentos ocidentais se mobilizem para que a sentença não seja executada. Os valores da nossa civilização não se coadunam com a pena de morte. Apesar de alguns silêncios, esta tese começa a ganhar força e temos de a fazer valer junto das autoridades iraquianas. Não é para isto que soldados europeus andam a morrer em solo iraquiano»

domingo, novembro 05, 2006

DANIEL BARENBOIM EM LISBOA

Assumo uma simpatia justificada pelo maestro e pianista Daniel Barenboim. Recordo-o há muitos anos, quando ele era ainda uma jovem promessa e vivia com a violoncelista Jacqueline du Pré, com quem está a actuar na imagem da página anterior. Sobre o drama, que ambos partilhariam até à morte dela, de nada sabia, sendo-me necessário o filme com a notável Emily Watson para perceber quanto sofrimento ele conhecera naquela que foi uma relação demasiado breve e complexa.
Talvez porque contactou de muito perto com o martírio, Daniel Barenboim tem revelado uma grande generosidade ao longo da sua carreira. Os esforços para um diálogo israelo-palestiniano atestam-no e os seus espectáculos com a Orquestra Divan têm um carácter simbólico, que poderá vir a frutificar na criação de uma cultura mútua de aceitação das semelhanças e das diferenças. Para além da irrepreensível qualidade artística, que Barenboim impõe ao projecto.
Mas a sua carreira não se esgota nessa iniciativa partilhada com Edward Said e é tão normal vê-lo a dirigir as mais prestigiadas Orquestras como a limitar-se ao papel de solista em Orquestras por outrem dirigidas.
foi assim na Gulbenkian na semana passada, quando Barenboim presenteou os portugueses com mais um excelente espectáculo a acompanhar a Orquestra Gulbenkian dirigida por Lawrence Foster.

sábado, novembro 04, 2006

FÓSSEIS E MORAIS DE MOCRÁTICAS

Um estudo de Augusto Santos Silva, actual ministro dos Assuntos Parlamentares, a respeito da composição sociológica dos militantes socialistas, deu para concluir três aspectos principais:
· O grupo etário com maior dimensão é o dos homens de meia-idade, não sindicalizados e com formação académica limitada;
· As mulheres estão a surgir com maior frequência, já que, desde 2000, um terço dos novos militantes é do género feminino;
· Comparando as formações académicas de homens e mulheres socialistas, estas últimas possuem mais anos de escolaridade, que aqueles.
Conclui-se, pois, que estão a surgir condições para um partido mais culto e com uma sensibilidade mais apurada, que estigmatize muitos dos vícios aí criados por toda uma geração de militantes, cujo principal estímulo para a cidadania resultou de um anticomunismo primário, que ainda se revela de forma alarve em muitos dos que tomam a palavra em assembleias e reuniões internas do Partido.
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Esta semana enquanto António Lobo Antunes proferia uma atoarda do mais primário anticomunismo («Não entendo como é que se pode ser um comunista. Racionalmente, não entendo como é que se pode pertencer àquele fóssil, que ainda continua a respirar de vez em quando»), o objecto dos seus inconfessados ódios, José Saramago, manifestava ao «Nouvel Observateur» o orgulho em continuar a acreditar no futuro das suas ideias políticas: «O comunismo? Nunca existiu. Não se sabe bem o que é. Há ideais e princípios. Mas estes princípios foram desnaturados logo que começaram a ser aplicados. Não se pode, pois, dizer que o comunismo é isto ou aquilo porque, na realidade, nada se sabe dele. Na União Soviética, o comunismo era um simples capitalismo de Estado. E a China vai no mesmo caminho com a cumplicidade das potências ocidentais, tão democráticas, que aplaudem e dizem bravo, bravo. É tenebroso.»
Mas a alternativa não é melhor, se verificarmos o que constitui a «moral democrática» dos Estados Unidos. Jacques Julliard comenta a seu respeito, que «durante dois séculos , os Estados Unidos permitiram-se dar lições de moral e de democracia ao resto do mundo. O seu território estava ao abrigo da violência exterior e não havia que pagar os custos da sua suposta virtude. Desde o 11 de Setembro, acabou o excepcionalismo americano. Os Estados Unidos normalizam-se. E é triste que seja pela porta pior».
Uma porta que, aprovada pelo Senado e pelo Congresso, legitima o uso da tortura e da prisão preventiva ilimitada sob o falacioso argumento da ameaça terrorista.