segunda-feira, março 14, 2016

PALCOS: As Sinfonias de Mozart com sangue na guelra

Mozart nunca foi muito dado a Sinfonias: na sua longa produção musical só compôs seis peças nesse formato, nenhuma delas por encomenda ou por inspiração genuína. Os estudiosos mozartianos aventam duas hipóteses não muito diferentes uma da outra: ou surgiram por influência do seu mestre Haydn, que se especializara nelas, ou para mostrar que a ele nada devia em talento ou inspiração.
Na sua programação para este  ano, a Orquestra de Câmara Portuguesa, dirigida por Pedro Carneiro, incluiu as três últimas Sinfonias do compositor - a nº 39 em Mi bemol Maior, KV. 543, a nº 40 em Sol menor, KV. 550 e a nº 41 em Dó Maior, KV. 551.
Não se tratando do que Mozart melhor compôs, apesar de quase todos os melómanos saberem de cor o primeiro andamento da nº 40 e toda a nº 41, conhecida como a «Júpiter», o concerto de ontem no CCB constituiu uma boa experiência para quem a ele assistiu.
Podemos sorrir com a prosápia dos que dirigem a Orquestra, quando perspetivam a intenção de a transformar numa das melhores a nível mundial, mas a execução foi competente e contou com a condução sóbria do maestro, decerto o que mais aprecio ver de entre os portugueses. Mas a extrema juventude dos instrumentistas dá-lhes uma fogosidade, que é difícil de conter. As cordas apresentam demasiado vibrato como se, sobretudo, os violinistas vissem nessa opção a confirmação do seu talento. E aparenta-se uma pressa desnecessária em despachar cada andamento não permitindo que os silêncios consigam exponenciar certas notas que poderiam ver-se realçadas.
Convenhamos, porém, que o público do CCB dificilmente apreciaria essa opção mais solene e intimista da interpretação: basta a orquestra calar-se um mero segundo e lá aparecem uns quantos a bater palmas a destempo como se ali estivesse um amigo meu cuja presença nas salas de concerto ou de teatro quase parecia resumir-se ao momento em que deveria mostrar o reconhecimento pelo trabalho dos concertistas ou dos atores. Mas compreende-se: ele nunca se refez do trauma de, há muitos anos atrás, uma peça da Comuna ter-se concluído sem que de tal o público se desse conta. Como resultado os atores e atrizes não vieram à boca de cena agradecer os aplausos e retiraram-se para os bastidores deixando os acabrunhados espetadores saírem pelas portas para a rua. Com um tal trauma esse amigo nunca mais ouviu decentemente uma peça musical ou teatral, decidido a estar atento pelo momento em que não pretenderia voltar a falhar.
Mas a sofreguidão dos jovens da Orquestra de Câmara Portuguesa poderia ser corrigida se pusessem a ver algumas masterclasses ou outro tipo de gravações facilmente identificáveis no youtube e onde grandes chefes de orquestra explicam a elegância com que se deve interpretar o reportório clássico, e muito particularmente o mozartiano. Vide aquele onde Nikolaus Harnoncourt e Lang Lang trabalham juntos durante quatro dias para editarem um disco sobre a obra do compositor de Salzburgo. Ou qual o som da Orquestra de Câmara da Europa na mesma Sinfonia Júpiter, quando o mesmo maestro a dirigiu.
Isto tudo não impede que o regresso ao CCB para dois bons concertos no mesmo fim-de-semana tenha sido uma boa escolha para revogar o meu boicote aos espetáculos do CCB desde o saneamento a Mega Ferreira imposto pelo governo anterior a fim de aí colocar Vasco Graça Moura. Como só prometi ali voltar quando um governo socialista substituísse os comissários para ali nomeados a mando do PSD, está aberto o horizonte para ali regressar nos próximos tempos para assistir a muitos e bons concertos.

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