domingo, agosto 29, 2010

Le Pillole di Salute di Tiziano Terzani

Livro: DISSE-ME UM ADIVINHO de Tiziano Terzani


Concluímos o longo testemunho de Tiziano Terzani sobre esse ano de 1993 em que se eximiu a andar de avião.
Se conclusões há a retirar desta experiência de leitura, e optando pela clássica distinção em três variantes,  podemos considerar que:
a) todos os asiáticos se andam a ocidentalizar a um ritmo acelerado deitando a perder tradições e saberes milenares, que passam a constituir a forma de resistência de uns raros seres de excepção ;
b) não existem diferenças nessa descaracterização pelos diversos tipos de regime, sejam eles democracias formais ou ditaduras, de ideologia aparentemente capitalista ou comunista.
c) Muito provavelmente nenhum dos adivinhos consultados nas diversas latitudes do mais vasto continente existente (da Birmânia a Hong Kong, da Mongólia à Tailândia, de Singapura à Indonésia) possuía poderes convincentes. As estratégias preditivas, bastante genéricas, apontavam sempre para as mesmas preocupações (riqueza, doenças, invejas) numa lógica de tiro ao alvo a ver se acertavam.
O futuro acaba por ser aquilo que tem de ser. E que nós possamos alterar.




Le Mepris - Jean Luc Godard

Filme: O DESPREZO de Jean Luc Godard

É um filme a que desejarei regressar: «O Desprezo» de Jean Luc Godard. Datado de 1963, constitui uma adaptação do romance homónimo de Moravia e é rodado na maravilhosa vivenda de Curzio Malaparte em Capri.
A história é simples: há um argumentista (Piccoli) contratado por um produtor norte-americano (Jack Palance) a alterar o argumento da «Odisseia» de Homero a ser rodado por Fritz Lang.
Mas, carecido de dinheiro, esse escritor irá suportar, senão mesmo  encorajar os avanços do produtor para com a mulher (Bardot). Que acaba por ceder como forma de vingança para com a cobardia do conjugue.
Mas, mais do que a intriga, esta obra-prima vale pela forma como Godard domina o movimento dos personagens e das câmaras numa sublime sequência de 25 minutos.
Escreve Jacques Doillon sobre ele, no «Nouvel Observateur» de 8 de Julho: Piccoli e Bardot vão de sala em sala, vestem-se, despem-se, tomam banho alternadamente, agridem-se, disparam frases de grande simbolismo como numa peça de Maeterlinck, e a câmara segue-os, precede-os, opõe-nos, separa-os, entrando e saindo dessas divisões. A sequência é prodigiosa . Godard usa o movimento como Schubert os acordes, Aragon a metáfora e George La Tour a luz: anda às voltas e regressa ao ponto de partida.
Virtuosidade inesquecível, técnica perfeita, mestria intelectual absoluta.
Só para rever esta seuência vale a pena regressar ao filme. Sempre com a noção de se não tratar de um projecto pretendido pelo realizador, mas o resultante do ponto de equilíbrio precário das suas violentas altercações com os produtores (Carlo Ponti e Joseph Levine)

"Le Mépris" de Jean-Luc Godard - bande-annonce originale

quarta-feira, agosto 25, 2010

Livro: DISSE-ME UM ADIVINHO de Tiziano Terzani

Em 1993, quando se trata de regressar à Ásia após umas férias na Ruropa, Tiziano Terzani aposta num navio como meio de transporte. O «Trieste» é um porta-contentores italiano, que não tardará a ser vendido a um armador da época global, ou seja dos que substituem as tripulações de origem do navio por outras mais baratas oriundas de países asiáticos.
Ele testemunha, assim, o fim de uma época, que também eu vi desaparecer. Enquanto marinheiro, que perdeu as graças do mar, sou um digno representante desse passado definitivamente empurrado para as brumas do olvidado. Quando os navios representavam a aventura, o exotismo dos pontos distantes, a garantia de titânicos combates com os elementos.

Hoje a marinha mercante é um negócio intensivo e as estadias em porto reduzidas a quase nada.
Nesse sentido terei igualmente presenciado o fim de uma forma de encarar a vida. Não no que ela pode ser rica em experiências, mas no quantos euros ou dólares poderão embolsar quem com tal actividade lucra.

domingo, agosto 22, 2010

Filme: LUST FOR LIFE de Vincente Minelli (EUA, 1956, 117 m)


Antes de Scorcese e de Pialat, Minelli foi o primeiro realizador a filmar a vida torturada de Vincent Van Gogh, desde as minas de Borinage, na Bélgica, aonde tenta encontrar a sua vocação em 1878 até ao seu obscuro suicídio em 1890 em Auvers-sur-Oise.
Fascinado pelo destino de um pintor ignorado enquanto viveu e se tornou depois tão celebrado depois da morte, Minelli procura criar um filme-quadro, que tanto recria a vida como a obra do artista.
Voltando aos próprios lugares aonde o pintor vivera, Minelli procurou associar o seu sentido da cor ao mandar pintar a superfície de um campo para que se ajustasse o melhor possível ao quadro original.
Mesmo a opção pela película correspondeu à que melhor se ajustasse à paleta de cores do artista.
Kirk Douglas e Anthony Quinn são irrepreensíveis nas suas interpretações, que dão o sentido alucinado ao carácter do pintor maldito.


Livro: CADERNOS AFEGÃOS (3) de Alexandra Lucas Coelho

Em 1842, perto de Jalalabad, dezasseis mil ingleses encabeçados por um general, foram massacrados por tribos afegãs, que combatiam os avanços colonialistas na região.
Nesse massacre nem mulheres grávidas, nem crianças foram poupadas, no que perdurou como a criação do mito ocidental sobre a crueldade bárbara e indomável dos habitantes destes contrafortes dos Himalaias.
Posteriormente os soviéticos deram razão a tal concepção incontornável da História e os norte-americanos arriscam-se a corroborá-la.
E, no entanto, seria bom que o mito ruísse e as tradições pashtuns fossem devidamente erradicadas como desumanas e incivilizadas na forma como reduzem as mulheres á dimensão de mercadorias.
Alexandra Lucas Coelho testemunha no livro, de forma eloquente, a forma como é olhada pelos homens de Cabul ou de Kandahar: com desprezo como se os seus olhares a violassem. E os talibãs já então apareciam em controles à beira das estradas como se isso fosse um acontecimento normal na vida local.

Filmes: L’ÉNIGME DIESEL e LA ROCKET DU RAIL de Christian Heynen

Datam deste ano dois documentários assinados por Christian Heynen e dedicados à evolução tecnológica responsável pela transformação radical dos nossos estilos de vida.
Em «O Enigma Diesel» questiona-se a razão do esquecimento da personalidade de Rudolf Diesel, quando a ele se deve a revolução suscitada pelo motor de combustão no transporte terrestre e marítimo.
O enigma em si tem a ver com as estranhas circunstâncias em que ocorreu a sua morte em 29 de Setembro de 1913.
Ele deslocava-se, então, a Inglaterra para inaugurar uma nova fábrica, quando desapareceu na travessia marítima do canal da Mancha.
A versão oficial defende ter-se tratado de suicídio perante a iminente declaração de falência. Mas, em vésperas da Primeira Guerra Mundial, as suspeitas também recaem nos serviços secretos alemães, que temiam a inscrição de novas patentes do inventor fora da Alemanha.

O documentário aprofunda, pois, o conhecimento sobre esse inventor progressista, que teve tantas dificuldades para impor as suas ideias revolucionárias e tantas invejas suscitou...
Protagonista do segundo documentário, «O Foguete dos Carris», George Stephenson consegue avançar com uma outra revolução, quando se lembra de acrescentar rodas às máquinas a vapor. Estava-se, também, em Setembro, mas de 1825, e as mercadorias entre Liverpool e Manchester ainda se faziam por barcaças em canais fluviais.
A locomotiva de Stephenson irá se muito mais rápida do que tais barcaças contribuindo para acabar com o monopólio imoral exercido pelos aristocratas em tais canais sobre cuja navegação cobravam taxas.

sábado, agosto 21, 2010

Livro: CADERNOS AFEGÃOS (2) de Alexandra Lucas Coelho

A notícia do Diário de Notícias de dia 17 de Agosto é terrível, embora não surpreendente:
a execução a tiro de uma viúva grávida, há poucos dias, e agora a morte por apedrejamento dos supostos adúlteros, demonstram bem que há zonas do Afeganistão onde os insurgentes extremistas impõem os seus códigos de conduta e fazem valer a sua lei. À margem das instituições nominais do país, da justiça oficial e da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Ao prosseguir pelas páginas do livro de reportagens assinado por Alexandra Lucas Coelho no Afeganistão, o que podemos à partida admirar é a coragem da jornalista ao cirandar por um território aonde muitos querem adoptar princípios civilizacionais de acordo com os parâmetros hoje vigentes nas sociedades ocidentais, mas muitos teimam em manter costumes bárbaros em nome de uma ideia fanatizada do transcendente.
Visitando Jalalabad ou Kandahar, Helmand ou Cabul, a autora dá conta de um espaço em transição: ou evolui no sentido da História ou regride para um estado de imprevisível enclausuramento numa explosiva campânula de ódios e de crueldades.
O que nunca se deverá deixar de recordar é que, há trinta e cinco anos, o país teria podido evoluir para uma sociedade baseada em princípios progressistas, mesmo que condicionados pelos limites impostos pela influência soviética. Pena que o regime criminoso de Ronald Reagan tenha apostado nos talibãs como forma de contrariar essa possibilidade. As opções então assumidas pelo Pentágono e pela CIA redundaram inevitavelmente no tiro de ricochete, que o 11 de Setembro representou...

Filme: CONFIDÊNCIAS DEMASIADO ÍNTIMAS de Patrice Leconte

A ideia de base é bastante interessante: Anna (Sandrine Bonnaire) engana-se na porta de um prédio aonde se dirige pela primeira vez e, em vez de confessar os seus problemas pessoais ao psicanalista, que julga ter à sua frente, fá-lo a um atónito conselheiro fiscal (Fabrice Lucchini), que nada faz para desfazer o equívoco. Pelo contrário: Faber é um homem com os seus próprios problemas, porquanto a mulher deixou-o há seis meses e invade os seus dias e espaços com o seu novo companheiro - um musculado professor de ginástica - confrontando-o com um carácter abúlico de quem sempre viveu no apartamento aonde nasceu e aonde sucedeu ao pai no seu mediano negócio. Um negócio, que afinal de contas até tem semelhanças com a psicanálise como o refere o Dr. Monnet: os clientes de um e de outro têm muito a evidenciar, mas também muito a esconder.
A ideia de partida é, pois, excelente e conta com dois excelentes actores para a desenvolver. Porém é aí que o filme começa a claudicar e a entediar: os argumentistas não encontraram soluções à medida do potencial prometido nesse surpreendente início. E, quando o marido de Anna entra em cena a história perde fulgor e arrasta-se até um happy end final, que sabe a pouco.
Leconte que, em 1999, encabeçou um movimento contestatário sobre a crítica francesa em prol de um suposto cinema popular de qualidade, acaba por fazer jus às reservas merecidas pelo filme, que é o paradigma do princípio em como não basta ter boas ideias: é preciso sabê-las levar por diante…

terça-feira, agosto 10, 2010

Livro: HENNING MANKELL, «OS CÃES DE RIGA» (3)

Henning Mankell escreveu este romance em 1992, ainda a queda do Muro de Berlim estava próxima e os efeitos na independência se faziam incertos. Por isso a história congeminada pelo escritor sueco para o seu inspector Walander corre o risco de parecer algo datada. Seja pelo anti sovietismo, que era então uma imagem de marca quase obrigatória nos intelectuais iludidos com a possibilidade do fim da História da luta de classes e a vitória definitiva do capitalismo, seja pela descrição de um ambiente báltico muito condicionado pela herança recente e pela aparente abertura das possibilidades trazidas pela sociedade do consumo.
Esta última questão é, aliás, bem aflorada por um dos responsáveis policiais contactados por Walander nas suas reuniões de trabalho em Riga: a explicação do crescimento da insegurança na Europa de Leste (quer na versão de crime organizado, quer na de corrupção de políticos e policias) decorre do sentimento de frustração inerente a  haver bens para consumir e falta de dinheiro para os comprar.
A opção pelo vale tudo para ceder à tentação do que é «oferecido» pelo mercado torna-se, então, no motor de uma transformação radical de valores e de costumes, que ainda hoje tarda em ganhar alguma estabilização…

Livro: ERRI DI LUCA, «GRÃO DE AZEITONA»

O autor italiano, que exerceu múltiplas profissões operárias e militâncias, é um cultor das escrituras sagradas. A gestação do monoteísmo é para ele um mistério, que carece ser esclarecido. Daí que, para o conseguir com outra profundidade, ele tenha optado por aprender o hebraico antigo, que lhe permite, hoje, ir lendo com delongas esses textos no seu original.
Textos, que ele compara ao caroço de uma azeitona, porque merecem ser saboreados com lentidão depois de lidos. Tal como as azeitonas, que se comem, mas cujo sabor perdurará mais algum tempo na boca ao chupar-se o que delas resta…

Livro: «ERNESTINA», JOSÉ RENTES DE CARVALHO



José Rentes de Carvalho é um escritor singular, porque viveu quase toda a sua vida fora do país, e naquele aonde se radicou desde os anos 50 do século passado, a Holanda, ganharia um reconhecimento como nunca conseguiu no seu país natal.
Agora, aos oitenta anos, ele vê publicados alguns dos seus romances na Quetzal como forma de reconhecimento tardio de um valor, que tem passado quase anónimo por, na sua personalidade, nunca se encontrarem aquelas características de sociabilidade necessárias para se contar com o apoio de um qualquer lobby.
«Ernestina» é, por ele assumido, como um romance destinado a dar voz a quem normalmente não é ouvido e constitui uma forma de regresso à sua origem transmontana, numa história com muito de autobiográfico…

domingo, agosto 08, 2010

Livro: OS CÃES DE RIGA (2) de Henning Mankell

Ao fim de uma centena de páginas  já o romance parece estar no seu epílogo. Os dois corpos encontrados numa balsa salva-vidas encalhada numa praia sueca, já foram reexpedidos para Riga, acompanhados pelo major Liepa, enviado pelas autoridades letãs para acompanhar as investigações sobre o sucedido com os seus cidadãos.
Ao despedir-se dele, o inspector Walander sentira uma certa simpatia pelo colega, que partilhara com ele uma noite de copos e uma curiosa discussão sobre a riqueza material dos suecos e a correspondente pobreza moral, ao invés do verificável com os letões.
Mas, como de costume em Mankell, é quando pressentimos o final, que compreendemos estar na iminência de ver o romance arrancar para um desenvolvimento muito mais complexo. E, assim, não só a balsa é roubada das instalações da polícia de Ystad, como, á chegada a Riga, o major Liepa é assassinado.
E assim fica o leitor agarrado com a vontade de ver respondidas perguntas para as quais demorará a encontrar respostas...

terça-feira, agosto 03, 2010

Filme: ORENOCO, O RIO CONQUISTA de Jean Yves Cauchard (2010, 43 min)

Foi Colombo quem, na sua terceira viagem ao continente americano, descobriu o Rio Orenoco, ali encontrando índios adornados com jóias, que logo fizeram nascer a lenda do riquíssimo El Dorado.
Quem lhe seguiu as pisadas em busca de tal quimera não se coibiu de massacrar as tribos indígenas com que se deparou no seu percurso para montante. O rio foi, pois, a via mais fácil para a conquista de territórios desconhecidos de extraordinária biodiversidade. E por abundar tanta água, o país aí tornado independente pela acção de Simão Bolívar chamar-se-ia Venezuela, ou seja «pequena Veneza».
Embora se desloquem agora em pirogas movidas a motor ou usem relógios de pulso os índios remanescentes continuam a prezar os seus rituais: se têm de atravessar o rio pedem a protecção dos seus espíritos através do som das suas flautas. Ou, se cortam uma árvore na floresta, pedem previamente desculpa aos espíritos por lhe amputarem uma das suas servas.
Porque é rio caudaloso a serpentear entre florestas quase intransponíveis, o Orenoco suscitou a atracção de toda a casta de aventureiros até por sobre ele terem fantasiado Júlio Verne ou Arthur Conan Doyle.
Que a presença humana se assinala aí desde há milhares de anos, confirmam-no os misteriosos hieróglifos descobertos na fronteira com a Colômbia e que só contribuem para aumentar o leque de lendas aqui localizadas...