quarta-feira, agosto 08, 2012

Documentário sobre a Atlântida: «Dernières nouvelles de l'Atlantide» de Jens Peter Behrend [1]


Numa altura em que a Europa parece avançar para a catástrofe, muito por insensatez da governação alemã, faz todo o sentido regressar á Atlântida enquanto símbolo de uma civilização avançada, que desapareceu de um momento para o outro.

Por uma catástrofe natural sabem-no os cientistas, que só procuram clarificar aonde ela se repercutiu, pendendo - segundo os estudos demonstrados neste documentário - para o Mediterrâneo Oriental. Mas também por miopia civilizacional merecedora da punição dos deuses, assim o descrevia Platão.
Foi o filósofo grego a primeiro falar dessa sociedade manietada pelo seu extremo orgulho e destruída numa só noite. Desde então não foram necessárias grandes erupções vulcânicas ou devastadores tsunamis para manter viva a lenda de um apocalipse fulminante.

Ventos Semeados

A partir desta data os textos que habitualmente iam sendo aqui publicados sê-lo-ão no blog «Ventos Semeados».


sábado, julho 28, 2012

«Envelhecer ao Sol», documentário de Kamil Taylan (2009)


São muitos os alemães, que apostaram viver os seus anos crepusculares em Alanya, uma cidade balnear turca situada nas margens do Mediterrâneo. Mas o documentário de Kamil Taylan mostra que o paraíso na Terra está longe de ser eterno.
Esse movimento migratório ocorreu, sobretudo, há cerca de vinte anos, quando um fluxo importante de reformados descobriram a possibilidade de, com o valor das suas pensões, usufruírem de condições de vida muito privilegiadas numa terra de clima ameno e de preços baixos. O projeto não podia parecer mais sedutor…
Mas, hoje, estes emigrantes de tipo novo envelheceram e muitos estão doentes. Ora, num país aonde as estruturas de acolhimento à terceira idade são quase inexistentes, muitos deles sentem-se profundamente sós e desintegrados. A situação revela-se tanto mais complicada quanto a maioria jamais se dignou a aprender a língua local nem em interessar-se pela cultura dos vizinhos.
O realizador, ele próprio nascido em Alanya, embora resida atualmente em Francfort, foi à procura desses reformados e encontrou um conjunto de personalidades muito diferentes, embora coincidentes nas inquietações.
No cemitério encontrou a forma derradeira da suprema solidão: covas anónimas desses reformados, que exalaram o último suspiro sem que ninguém - familiares ou amigos - lhes viessem dar a atenção de os identificar na morgue.
Para o evitar Edmund Kusch revelou-se prudente: já viúvo, comprou e mandou colocar uma  lápide na cova ao lado da da esposa, já com a designação do seu nome e o da data de nascimento, faltando pois, apenas, acrescentar-lhe a da morte. E, regularmente, ali vai ele encarregar-se da manutenção e limpeza das duas campas…
Mas houve também quem encontrasse forma de ocupar o tempo disponível em atividades voluntárias: Martina, por exemplo, recolhe, trata, esteriliza e mantém num canil particular, os cães abandonados nas ruas da cidade. Evitando-lhes o triste destino conferido a tais animais nos países muçulmanos, aonde é frequente apedrejá-los por serem, segundo o Corão, «impuros».
No caso de um casal, ele ocupa-se em prosseguir a atividade de construtor civil respondendo à moda turca de encomendar garagens para os seus carros, e ela liderando uma organização filantrópica - a Bombola - que recolhe donativos para fazer chegar cadeiras de rodas a crianças deficientes.
Há também as solitárias já maduras, que se tornam vítimas fáceis da versão local dos «Zézés Camarinhas», iludindo-se com a possibilidade de viverem fulminantes paixões, mesmo que tardias.
Mas esta realidade está a mudar drasticamente: o custo de vida deixou de ser apelativo para os novos reformados, que veem os preços locais a rivalizarem com os da sua terra de origem. E as consequências são devastadoras para a indústria imobiliária local: milhares de apartamentos, construídos à pressa para corresponderem a tal procura, sem interessados para os adquirirem.
Alanya vai regressando, assim, à secundariedade provinciana, que era a sua...

sábado, janeiro 07, 2012

Documentário: PALAWAN, O IMPÉRIO DAS PÉROLAS de Therese Engels (2010)

Filipinas: as pérolas douradas mais valiosas provém daqui. Em verdadeiras quintas aquáticas, as ostras perlíferas são alimentadas, limpas e viradas diariamente por mergulhadores, que passam o dia em apneia para conseguirem pérolas o mais perfeitas possível.
Trata-se de um trabalho árduo tanto mais que 20% das ostras rejeitam o corpo estranho nelas inserido para que reajam com a camada nacarada pretendida.
Esses mergulhadores são antigos pescadores e comerciantes, cujos rendimentos insuficientes os trouxe para esta actividade cujo custo começa por ser o de ficarem longe das famílias, já que ali por perto não existem escolas aonde as suas crianças possam estudar.
Mas a actividade está em perigo por outras razões: o aquecimento global é uma evidência nos corais moribundos em redor dos viveiros. E a subida do nível do mar constitui outro factor perturbador neste tipo de cultura muito delicada.
Mas a investigação biológica procura responder a tais desafios e foi por selecção artificial que, em poucos anos, se conseguiu evoluir de uma cor branca pouco apreciada para a cada vez mais rentável cultura de pérolas douradas.
Ainda assim, cerca de 30% das pérolas colhidas não chegam ao mercado por não possuírem o tamanho, a forma ou a cor aí procuradas.
Embora ainda florescente, os que vivem desta actividade em Palawan sabem que o risco dela deixar de existir é bastante elevado.

sexta-feira, janeiro 06, 2012

Documentário: Pescadores do Rio Negro de Carmen Butta (2001)

Rio Negro, no Noroeste da Amazónia: aqui existe o peixe cardinal tão apreciado nos aquários domésticos dos países europeus.
Porque a cidadezinha de Barcelos não tem indústrias e a terra só permite a plantação da mandioca, a solução para muitas famílias restringe-se à pesca. Mas os mil e cem pescadores vão iludindo a miséria nas vinte e três tabernas locais, já que os peixes cardinais estão cada vez mais desvalorizados no mercado.
Nómadas no rio, eles só aportam para comprarem o necessário, o que significa um volume cada vez menor de mercadorias.
Crispim e Silvana são o casal, que a realizadora acompanha e que nunca tiveram dinheiro para arranjarem casa em Barcelos. Por esse motivo têm de deixar os filhos a parentes enquanto dura a época escolar.
A casa é, pois, o pequeno barco, o «Rio Demeni». Mas o combustível está cada vez mais caro e as dívidas acumulam-se
Crispim confessa a saudade do tempo em que os seus rendimentos eram bem maiores, porque a procura dos peixes cardinais ainda não era sujeita aos efeitos da aquacultura norte-americana e em Singapura.
De origem índia Crispim já não seria capaz de imitar os antepassados e conseguir o sustento da floresta virgem. Por isso Manaus, aonde nunca foi, está povoada de muitos antigos pescadores nas suas favelas miseráveis.
Mas nem tudo é mau: uma vez por ano, durante a Festa do peixe Cardinal a família mascara-se para participar numa festa, que alegre as almas enquanto perdura. O pior é quando ela acaba e a realidade difícil se volta a impor...

48 (Portugal, 2009). Susana de Sousa Dias.


A notícia é de hoje e vem das lonjuras chilenas: o governo de direita de Piñera decidiu impor uma alteração aos manuais escolares, que deixarão de falar de «ditadura» a respeito dos anos de Pinochet em La Moneda, substituindo esse termo por «regime militar».

Tal eufemismo mostra como a luta antifascista não pode refrear o ânimo, porque os defensores de políticas autoritárias estão sempre prontos a avançarem para cobrir o espaço libertado pelos que se acomodem ao mero exercício das liberdades fundamentais.

Um filme como «48» de Susana Sousa Dias tem a importância de manter vivo o sinistro tempo de repressão sobre quem apostasse em pensar pela sua própria cabeça e não cedesse aos chavões salazarentos.

A realizadora foi aos arquivos da Pide buscar as imagens captadas pelos fotógrafos da organização no momento da detenção ou da libertação e colocou-as à apreciação dos respectivos ex-presos políticos, que as comentam em voz off e aproveitam para revelar as circunstâncias inerentes a essa experiência.

Trinta e cinco anos depois estes testemunhos ainda têm a relevância de constituírem um poderoso libelo contra um regime com ainda tantos saudosistas a ele conotados. E por isso vale sempre a pena neles nos determos…

quinta-feira, janeiro 05, 2012

Black Cat, White Cat (Crna macka, beli macor) (1998) - Trailer


O rio agita-se com a chegada dos russos, que vêm alimentar o mercado negro. Mas Matko, que passa o tempo a jogar poker consigo mesmo, é enganado na compra de um barril de combustível, afinal cheio de água. Para dar a volta à vida socorre-se do tio Grga, que o sabe trapaceiro, mas se sente em dívida para com o pai dele, que lhe terá salvo a vida por duas vezes, uma em Génova e outra em Nápoles. Consegue assim um oportuno empréstimo, para o objectivo de desviar um comboio de combustível entre a Jugoslávia e a Turquia com a ajuda de Dadan, um mafioso toxicodependente, que adora a música tecno. Mas este decide trapacear o cúmplice, ficando com o comboio e com o dinheiro de Matko, sem que este se aperceba do logro em que caiu. Para piorar as coisas ele acede ao pedido de Dadan, que pretende fazer desposar a filha mais nova, a anã Bubamara com o seu Zare também ele chegado a idade casadoira, invocando para tal a compensação por quanto perdera com o negócio.

O problema é a propensão de Zare por Ida, uma bela rapariga também a viver nas margens do Danúbio. Resta ao rapaz a ajuda do avô, que finge morrer para impedir a cerimónia.

Mas Dadan não se prende com tais escrúpulos e obriga Matko a esconder o corpo do pai no celeiro para que o casamento acabe por ser celebrado.

Mas, tão só o padre inicia a cerimónia, e já a noiva foge com a ajuda de Zare e de Ida. É na sua fuga que ela encontra o gigante Grga Veliki, neto do velho padrinho e imediatamente se enamora. É então a vez do velho Grga cobrar a Dadan uma antiga dívida, que ele pagará com Bubamara.

Tudo se normaliza com a comunidade a preparar-se para a celebração de dois casamentos - o de Zare com Ida e o de Veliki com Bubamara. Mas é então que o velho Grga é acometido de um ataque cardíaco. Para que as núpcias taõ esperadas não sejam anuladas, Dadan leva o corpo de Grga para o celeiro para junto do seu velho amigo Zarije.

Algumas horas depois dos dois velhos ressuscitam como que por magia e os casamentos são enfim consumados.

Em 1998, após a realização de Underground Emir Kusturica recebeu a encomenda de um canal alemão para rodar um documentário sobre a música cigana. Quando se prepara para ir ao local da rodagem ouviu a história da morte de um avô em vésperas de um casamento e que terá sido soterrado em gelo para que a cerimónia decorresse. Outra inspiração para este filme terá sido a leitura de «Os Contos de Odessa» do russo Isaac Babel.

O projecto transforma-se, então, numa longa-metragem de ficção, que será este «Gato Preto, Gato Branco» para cuja concepção recorrerá ao argumentista Gordan Mihic com quem já trabalhara em «O Tempo dos Ciganos».

quarta-feira, janeiro 04, 2012

A Viúva Montiel

CONTOS COMPLETOS (2) de Gabriel Garcia Marquez

A personagem de José Montiel surge em dois dos contos de «Os Funerais da Mamã Grande», o primeiro dos livros incluídos na colectânea de Gabriel Garcia Marquez.
No primeiro, «A Tarde Prodigiosa de  Baltasar», ele é o rico comerciante para cujo filho, o carpinteiro da aldeia cria a mais bela das gaiolas, sem que consiga por ela o devido pagamento. De facto, avarento por natureza, José Montiel culpa Paco por ter feito tal encomenda e ao artesão aponta a falta de sensatez pela aceitação da encomenda de um miúdo de dez anos.
Mas, incapaz de dar parte de fraco, Baltasar vai passar a tarde na taberna a viver as glórias de tão elogiada construção. Que merecera do próprio médico o elogio de ter sido feita pelo grande arquitecto, que ele poderia ter sido.
Nessa tarde Baltasar bebe vinho pela primeira vez e embriaga-se pagando rodadas a todos quanto o acompanham. Madrugada adentro, já sozinho e sem coragem para voltar para casa, fica prostrado numa valeta a querer perdurar o mais possível o melhor dos seus sonhos.
Montiel surge caracterizado como um pai autoritário e um rico sem escrúpulos, nunca satisfeito com os bens acumulados. Mas o conto seguinte, «A Viúva Montiel» ilustra a forma como ele enriquecera, valendo-se da sua condição de delator da ditadura, informando o sargento arvorado em alcaide de Macondo sobre quais os pobres a fuzilar na praça central da aldeia e quais os ricos condenados a abandonarem a povoação, não sem antes lhe entregarem a preços irrisórios as terras e gado.
Ao contrário do que todos teriam conjecturado, o velho Montiel é poupado a uma morte violenta, acabando serenamente na sua rede de dormir. A viúva descobre-se então sozinha, por todos abandonada, inclusivamente pelos filhos radicados na Europa e conscientes de como poderiam ter a vida em perigo se arriscassem voltar.
Resta à viúva a morte, quando a ruína já se apossara das paredes da sua outrora florescente mansão...

terça-feira, janeiro 03, 2012

En este pueblo no hay ladrones (Alberto Isaac, 1965)

Livro: CONTOS COMPLETOS (1) de Gabriel Garcia Marquez

A D. Quixote  publicou, agora, num só volume, quatro colectâneas de contos de Gabriel Garcia Marquez escritos entre 1947 e 1992.
Embora se trate, em muitos casos, de uma revisão da matéria dada, regresso a eles com o fascínio de sempre pelo estilo inconfundível do escritor colombiano, feito de frases curtas e palavras definitivas quanto à caracterização das feições, expressões ou sentimentos dos seus personagens.
O que surpreende em Gabriel Garcia Marquez é a depuração absoluta do texto, aonde não se vislumbra qualquer redundância, que retire eficácia ao sortilégio criado em torno de quem se vê condenado a situações dramáticas incontornáveis.
Nas semanas vindouras, andarei a abordar aqui as quarenta e uma histórias, que integram esta volumosa colectânea.
Os primeiros três contos foram escritos em 1962 e integravam «Os Funerais da Mamã Grande».
O primeiro chama-se «A Sesta de Terça-feira» e passa-se num modesto povoado adormecido, quando se digere o almoço sob uma temperatura asfixiante. É em tal ocasião que uma velha e uma miúda vão bater à porta do padre para pedir-lhe a chave do portão do cemitério.
Acabadas de chegar no comboio, que ali acabara de parar, têm um par de horas para visitar a campa de Carlos Centeno. Tratava-se de um jovem morto na semana anterior, quando procurava assaltar uma casa cuja velha locatária dera uso a um revólver há muito arrumado, desde a época do coronel Aureliano Buendia.
As oito páginas são suficientes para Gabo revelar a falsa aparência inicial: em vez de adormecido, o povoado está vigilante e prepara-se para acompanhar com um olhar censório essa caminhada entre a igreja e o cemitério.
Bem o padre procura evitar às forasteiras tal provação, que a velha revela um orgulho de quem nada deve, nem teme. Razão porque o conto acaba com a frase: Pegou na mão da menina e saiu para a rua.
A segunda história ainda é mais curta. «Um Dia Destes» apanha um alcaide acometido de uma insuportável dor de dentes e obrigado a recorrer ao único dentista do povoado.
Decerto comprometido com a oprimida resistência à ditadura militar, o homem bem procura esquivar-se ao serviço, mas a ameaça é taxativa: ou tira o dente ou leva um tiro.
Resta-lhe como alternativa a extracção sem anestesiante, forçando o representante da repressão a sofrer uma pequena vingança pelo sofrimento que encarna.
«Neste Povoado Não Há Ladrôes» tem mais de vinte páginas o protagonista é um rapaz pouco esperto chamado Dâmaso, que procura iludir a pobreza com a aposta na actividade de ladrão. Mas é tão pouco inteligente e o povoado tão miserável, que volta do salão de bilhar com as três bolas com que os aldeões iam aí entretendo o seu tédio. Dinheiro, quase não havia, nem qualquer outro bem que pudesse transaccionar por dinheiro vivo.
Bem Ana, a jovem mulher, de ventre inchado pela avançada gravidez, o vitupera, que ele só aumenta a dimensão do seu desastre. E, quando perdido de bêbedo, vai tentar devolver as bolas ao sítio donde as surripiara, é apanhado pelo gerente, que espalhara a notícia do desaparecimento de duzentos pesos e agora o entrega à polícia para os poder «reaver».