terça-feira, novembro 29, 2005

O DIREITO À INDIGNAÇÃO

Dizem-nos as notícias: um tal Conselho de Ética emitiu um parecer a contestar a utilização de células estaminais na investigação científica. Ora sabe-se que é dessa investigação, que se perspectivam as mais animadoras expectativas de solução para doenças como a de Alzheimer ou a de Parkinson. Inviabilizar esse tipo de investigação na linha do que a própria Administração Bush vem defendendo, assume foros de irracionalidade económica pelos custos inerentes à galopante despesa social com esse tipo de doentes - que o aumento incessante da esperança de vida tornará muito mais frequentes - e pela injustiça cometida com essas futuras vítimas (e seus familiares), que verão proteladas as possibilidades de contornarem esse drama.
Não podemos adivinhar o que levará alguém a arrogar-se do direito de considerar com legitimidade para se considerar a referência ética dos valores sociais. Numa sociedade eivada de diversidades morais, religiosas, sexuais e étnicas, o que é ético para uns pode não o ser para outros. A exemplo do que se passa por exemplo com o aborto: posso admitir que para um católico essa prática seja um pecado. Mas para um ateu ou um agnóstico esse conceito de pecado não faz qualquer sentido. Ora, numa sociedade democrática, em que se possa até admitir que os católicos sejam maioria, aonde existe em tal premissa o respeito pela minoria, que não se identifica com esses códigos éticos?
É o que se passa com este parecer sobre as células estaminais: uma vez mais confrontamo-nos com os preconceitos de um conjunto de pessoas, que à luz exclusivamente dos seus valores, decidiram condenar a investigação científica em causa. Como se o embrião fosse já uma pessoa, como se aquilo que aqui querem inviabilizar não venha a ser exequibilizado noutros países, que como tal ganharão primazia numa área científica ademais de boas perspectivas económicas para quem vier a registar as futuras patentes.
O direito à indignação tem a ver com a permanência na sociedade portuguesa desse tipo de novos inquisidores, que pretendem travar a evolução científica como se a História não tivesse já demonstrado a vacuidade dessas intenções.
É claro que a investigação sobre as células estaminais será uma realidade, aqui ou fora daqui! Por muito que estes epígonos do espírito neoconservador tão nefasto para a Humanidade nestes últimos anos, continue a dar sinais de teimosia sempre que a oportunidade lhes conceda tempo de antena...

sábado, novembro 19, 2005

Élisabeth CORONEL: «Saburo Teshigawara, danser l’invisible»

Saburo Teshigawara, homem secreto, aceitou trabalhar em frente da câmara de Elisabeth Coronel durante vários meses, em Tóquio, em Paris, em Lille e em Yokohama. Entra-se na dança com os ensaios de Kazahana (literalmente flor/vento), coreografia criada em 2004 na Ópera de Lille de que se descobrem alguns extractos no fim do documentário.
Começa-se com os primeiros passos de Prelude for dawn, para o qual o coreógrafo trabalha com crianças amblíopes da escola de Loos, espectáculo igualmente apresentado em Lille. É a entrada para o «rio subterrâneo», que anima a arte de Saburo Teshigawara, peça após peça.
Imersão no movimento e na respiração, a felicidade de partilhar um instante de beleza.
É-se tomado por um irresistível desejo de dançar por entre os corpos, que ele dirige com a voz ou com o gesto.
Apresentadas em voz off, as suas palavras, ora concretas, ora misteriosas, sempre evocadoras, guiam-nos para a contemplação do seu universo. Kazahana, tentativa para represnetar a «duração», corresponde assim para o coreografo à imagem de um céu sem nuvens, límpido, donde caem flocos leves de neve.
Entre os ensaios e as representações, a realizadora prolonga a dança com as imagens contemporâneas do Japão: barcos na baía de Tóquio, jogos de praia, chuva de flores de cerejeira nos jardins, lagos e montanhas.
Passo a passo, de encantamento em encantamento, as experiências e as descobertas de Teshigawara são-nos transmitidas, e permitem-nos uma abordagem desse lado inconsciente a que a sua dança dá acesso.

Saburo Teshigawara nasceu em Tóquio em 1953 e é o mais importante coreógrafo japonês contemporâneo. Igualmente bailarino, ele cria a sua própria linguagem, resolutamente inovador e baseado numa investigação permanente sobre a liberdade. Gozando de um prestígio significativo no mundo da dança, é convidado para os principais palcos mundiais com a sua companhia Karas (que significa «corvo», um pássaro benéfico na cultura japonesa)

sexta-feira, novembro 18, 2005

A PASSAGEM DO GRANDE NORTE


A passagem do Noroeste é a zona, a norte do Canadá, que fica mais próxima do Oceano Árctico. No Verão como no Inverno, ela está bloqueada pelos gelos.
Desde o século XVI constituiu uma terra de aventura para os exploradores à procura de uma via, que ligasse a Europa à Ásia.
Desde os finais dos anos 90, por acção do aquecimento climático, esses gelos estão a liquefazer-se com progressiva rapidez. Daqui a vinte anos, os gelos poderão já não servir de obstáculo para essa passagem do Noroeste.
Por trás das consequências económicas, que se adivinham imensas, dois parâmetros arriscam-se a ficar secundarizados: o equilíbrio ambiental e o modo de vida dos Inuits.
Jean Christophe Victor, investigador em geopolítica e autor da emissão «Les Dessous des cartes», faculta-nos aqui as suas reflexões sobre este paraíso branco ameaçado:
Daqui a dez ou vinte anos as consequências geopolíticas inerentes à libertação da pssagem do Noroeste serão diversas, a começar pelas relacionadas com os recursos minerais. A abertura dessa passagem facilitará o acesso às minas de níquel, de cádmio, talvez de urânio, e muito certamente de diamantes. E também ao petróleo.
A segunda consequência, de ordem jurídica, é o estatuto que será o das águas norte-canadianas.
Há um litígio: para o Canadá são águas territoriais, que lhe pertencem, enquanto para os EUA são águas internacionais.
A terceira consequência diz respeito ao transporte internacional: ter-se-á um novo estreito, mais curto que o do Panamá ou o do Suez, que implicará óbvias alterações à situação actual.
E o quarto desafio, que deveria ser o primeiro, é que constitui uma péssima notícia a nível ecológico.
Regularmente vamos tendo estatísticas sobre a modificação da calote glaciar da Groenlândia: os glaciares retraem-se a um ritmo facilmente detectável.
Os Inuits são duramente influenciados pelas poluições vindas do Sul. A passagem de cargueiros pelas suas costas apenas piorá o que se passa hoje. Será que se deve explorar o petróleo para que os habitantes da região tenham melhores proventos, mesmo sem se imaginar como eles poderão vir a ser distribuídos? Quando vejo o que se passou, a partir de 1953, com os Inuits da Groenlândia, já não sei que responder. A Dinamarca decidira que eles eram cidadãos com os mesmos direitos de quaisquer outros dinamarqueses. A priori trazia vantagens, a nível médico, escolar, etc… Mas quanto à economia local, constatou-se a destruição da sociedade tradicional. E depois, ao mesmo tempo que os medicamentos, chegou a cerveja e a destruição de aldeias inteiras. (…)
Interesso-me pelas expedições actuais ao Grande Norte, porque me atiça a curiosidade a evoução da sociedade Inuit. Por muito que os tempos tenham mudado. O meu pai fazia parte daquela geração, que conseguira aliar a exploração geográfica aos aspectos exclusivamente científicos.
Hoje, já não há mais exploração geográfica enquanto tal. Há sobretudo feitos individuais.

segunda-feira, novembro 14, 2005

IRMÃOS COEN: «O QUINTETO DA MORTE»

«The Ladykillers», o filme que os irmãos Coen realizaram no ano transacto, tendo Tom Hanks como protagonista, é um divertimento inteligente, embora se cinja a esse mero objectivo de provocar uma noite bem passada a quem o vê.
Tudo começa quando uma velha senhora Marva Munson, aluga um quarto ao erudito Professor G.H. Dorr (Tom Hanks) para ele aproveitar o seu ano sabático a dedicar-se ao seu grupo de música renascentista. Estamos no Estado do Mississipi, aonde a questão racial está omnipresente e as igrejas negras vivem a alegria dos seus «gospels».
O que Marva desconhece é que Dorr lidera um quinteto de ladrões apostados em escavar um túnel até ao cofre forte do casino mais próximo para dele extorquir 1,6 milhões de dólares.
Num filme destes autores cada um desses assaltantes teria de constituir por si mesmo um estereotipo tratado de uma forma quase caricatural. Pelo menos assim vem sucedendo nos filmes mais recentes destes autores. Existe, assim, um General, que não é mais do que um vietnamita especialista em escavação de túneis desde o tempo em que a Indochina ainda era uma colónia francesa. Há um brutamontes, que fracassara como jogador de futebol americano. Acrescenta-se-lhes o assistente de realização de filmes publicitários, autêntico pinga-amor por uma cinquentenária ainda penteada com tranças e sobrevivente dos Freedom Riders, que nos anos 60, haviam vindo da Pensilvânia enquanto promotores dos direitos cívicos das pessoas de cor. E, sobra, enfim, o negro Gawain, representante da geração do he-hop e capaz de arriscar o sucesso colectivo pelas curvas concupiscentes de uma qualquer cliente do Casino aonde se conseguira infiltrar como empregado da limpeza.
Se o roubo em si não tem história - salvo o dedo perdido por um deles numa explosão acidental - já o que vem a seguir é muito complicado: Marva descobre o que eles fizeram e ameaça-os com a polícia se eles não derem provas de arrependimento, devolvendo o dinheiro e acompanhando-a no domingo seguinte à Igreja.
As tentativas de matarem a senhoria não resultam: Gawain recusa-se porque ela lhe lembra a própria mãe e morre no disparo ocasional da sua própria pistola durante uma disputa com Garth. Este procura ficar com o pecúlio só para si e para a sua amada Mountain Girl e são os outros que os eliminam.
Segue-se o General: um susto, quando se preparava para estrangular a adormecida Marva, redunda numa queda precipitada - e fatal … - pelas escadas abaixo.
O brutamontes Lump e o Professor Dorr morrem acidentalmente em cima da ponte donde costumavam lançar o entulho, e mais recentemente os cadáveres, para as barcaças destinadas à ilha, que servia de aterro sanitário, na embocadura do rio. O primeiro é vitimado por uma inesperada repetição da cena de «O Caçador» referente à roleta russa. E a Dorr, como bom apreciador de Edgar Allan Poe, é sob a égide de «O Corvo», que tem encontro com as águas do rio.
Acaba, pois, por constituir uma história moralmente inatacável: o crime não compensa, acabando premiada a virtude. Mesmo que vestida de ironia…

sábado, novembro 05, 2005

CARROS, FADOS E ESTADOS DE ALMA

Já foi publicado há uma semana, mas mantém toda a actualidade: num artigo do «Expresso», o seu colunista Jorge Fiel recordava como, há uns anos atrás, com os filhos ainda crianças, ia para o Algarve na saga de todos os Verões, quando fazia o jogo das cores dos carros vindos em sentido contrário.
Era um tempo em que a auto-estrada entre Lisboa e aquela província meridional ainda era uma miragem e em que as crianças punham os pais à beiram de um ataque de nervos com as repetitivas perguntas: «Nunca mais chegamos?», «Ainda falta muito?»
Mas também era um tempo em que esse jogo de recurso era imprevisível nos seus resultados. Porque o parque automóvel nacional era multicolorido…
Hoje, lamenta-se o cronista, não acontece assim: a maioria dos automóveis são cinzentos, nos seus diversos matizes (claro, escuro, mais claro que escuro, mais escuro que claro, etc…). E as alternativas imediatas são as que se podem esperar de tal contexto: brancos e pretos…
Eu que disso não me havia dado conta, fiz a experiência ontem, enquanto atravessava a ponte 25 de Abril no sentido Sul-Norte. E corroborei tal constatação sem margem para qualquer dúvida…
Ora, Jorge Fiel, parte de tal conclusão para outra, que a ela surge associada: nas cores dos seus automóveis, os portugueses reflectem os seus próprios estados de alma. Que estão cinzentos, acabrunhados, desesperançados em relação ao futuro imediato...
Os carros coloridos de outrora corresponderiam a um outro tempo, quando a Revolução dava azo a todas as Utopias, e o risco era encarado como algo natural…
Talvez por este desânimo presente aconteça o ressurgimento do fado: através dos discos de Marisa, de Mísia ou de Mafalda Arnauth. E que reflectem sentimentos de nostalgia, de saudade de algo que se perdeu ou que nunca se encontrou…
Deseja-se um outro tempo mais colorido e de sons bem mais animadores…

quinta-feira, novembro 03, 2005

AS VIAGENS DA COLECÇÃO DO MUSEU DO PRADO

Uma das mais curiosas histórias relacionadas com o Museu do Prado diz respeito às reviravoltas por que passou a sua colecção durante o segundo quartel do século XX: durante a Guerra Civil de Espanha, a Sociedade das Nações convenceu as partes beligerantes a porem o fabuloso espólio aí guardado a recato de eventuais bombardeamentos. Depois de diversas vicissitudes, a cidade escolhida foi Genebra.
É imaginável o que terá sido essa sucessiva viagem de milhares de obras-primas, primeiro de Madrid para Valença, daí para Girona, e enfim para a cidade Suiça.
Mas, idêntica aventura terão vivido essas mesmas obras quando, em plena Segunda Guerra Mundial, elas tomam a direcção contrária, viajando de comboio por território francês até se verem, uma vez mais salvaguardadas no Museu madrileno.
Uma aventura, que só por si merecia um tratamento cinematográfico com a ensanguentada Espanha por fundo…

quarta-feira, novembro 02, 2005

SIGNORET E ARENDT: DUAS TESTEMUNHAS DO SEU SÉCULO

Huguette Bouchardeau era-nos conhecida de outras actividades. A de ministra, por exemplo, em governos socialistas… Mas, retirada da política activa, ela dedicou-se à biografia de Simone Signoret a quem muito admirou. Não apenas pelo seu talento enquanto actriz, mas também pelo seu papel activo nos grandes combates do seu tempo.
Ainda hoje ela continua a ser a única actriz francesa a alguma vez ser galardoada com um Óscar. Apesar do sucesso, acompanhá-la-á uma contínua culpabilização: primeiro, pelas suas origens burguesas; depois, por ter trabalhado, aos 18 anos, num jornal colaboracionista, cujos colegas eram-lhe muito simpáticos, apesar de ignóbeis. Enfim, por ter acreditado nas virtudes de uma União Soviética, cuja deriva totalitária não deixaria, depois, de condenar…
Numa época de maior militância, ela era capaz de chatear todos quantos a rodeavam para garantir mais um assinatura numa qualquer petição. Nesse sentido manterá, até ao fim, uma espécie de genuína ingenuidade…
Outra biografia, agora publicada em França, é a de Hanna Arendt («Dans les pás d’Hannah Arendt», Gallimard). Da autoria de Laure Adler, que reivindica a capacidade de associar as ideias da filósofa alemã à interpretação do caos actual do mundo, localize-se ele no Médio Oriente, na crise dos sem papéis ouda globalização. A sua vida, que percorre grande parte do século XX (de 1906 a 1975), será consagrada a todas as questões morais, sociais e políticas com que se depara. A filosofia será a sua resposta para os tormentos existenciais por que passa. Tanto mais que, adolescente, ela vive o drama de não se conseguir aceitar no seu corpo. Mesmo que a orgulhem as suas raízes judaicas, que a levam a perfilhar o sionismo, antes de inflectir para um convicto anti-sionismo. E será ela, um dos primeiros intelectuais de esquerda a pressentir o perigo, que Hitler viria a constituir…
Laure Adler enfatiza, igualmente, a desadequação de Arendt em relação às convenções, reivindicando uma permanente independência ideológica. Que a levará a entrar em polémica durante o julgamento de Eichmann com quem dele adoptava uma perspectiva meramente maniqueísta. Nesse torcionário nazi ela via explicitada a banalidade do mal, por não só ele se mostrar incapaz de entender o monstro em que o tornara a opção por cumprir as ordens recebidas, como sobretudo por nunca ter sentido a volúpia da transgressão.
Mas, numa figura tão complexa ficará por perceber como Hanna Arendt nunca se libertará da sua paixão por Heidegger, de cujo passado nazi depressa se deixou de poder duvidar...

terça-feira, novembro 01, 2005

LISE SARFATI

Em 2003, Lise Sarfati esteve duas vezes nos EUA durante dois meses. De carro percorreria vários Estados (Texas, Geórgia, Carolina do Norte, Oregon, Califórnia…), com a ideia de fotografar seres humanos nas paisagens, e não separados como nos seus trabalhos precedentes na Rússia. Mas, ao fim de uma semana de viagem, ela constatou não ter conseguido até então um único encontro: «A única altura em que vi pessoas foi quando meti gasolina. Aquilo é um cenário de ficção científica: não está lá ninguém. A geografia dos EUA é muito simples. Os Americanos contentam-se em sairem de casa para o local do trabalho ou ao supermercado. Então perguntei-me: como poderei ver pessoas. E a única maneira era ir-lhes bater à porta».
A fotógrafa francesa, que em tempos de fobia anti-francesa, se dizia belga, abordou os seus futuros personagens em motéis baratos, à saída das escolas, nos supermercados, raramente na rua. Depois negociou com os pais (todos viviam com os pais) para os fotografar em casa, em interiores, ora de caravanas, ora de casas hollywoodescas.
Mas, em Lise Sarfati, não se encontra um trabalho sociológico sobre a juventude norte-americana. As suas imagens são ficções, que se credibilizam na forma como os «teenagers» solitários, cientes da fotogenia da sua idade, se expuseram perante a câmara, tornando-se dela cúmplices.
Há perucas, acessórios, roupa vestida à pressa.
A maioria não olha para a câmara , como se fixassem um lugar imaginário apenas deles conhecido.
Pelas páginas do portfolio passam três dezenas de raparigas e de rapazes em supermercados, em parques de estacionamento..
Explica Lise: «Eu queria que os personagens olhassem com aquela expressão carregada de emoções, que viremos a questionar o resto da vida».
Numa enorme cama de madeira, um rapaz prepara mentalmente o seu dia, como um Oblomov (do escritor russo Gontcharov) a arranjar argumentos em favor da inacção.
Numa cozinha uma rapariga está com um ar perdido, como se fosse uma poetisa reclusa vestida de longos panos brancos. Uma outra está deitada no sofá, com uma expressão derrotada. Como se sentisse a decepção de se ver no seu próprio corpo dentro daquele salão vazio.
«Quando os visitava, eles perguntavam: “O que é que fazemos?”. Eu respondia: “Não sei”. Deixava as coisas evoluírem, decomporem-se.
Lise Sarfati, assumida fã de Robert Bresson, cita de memória o cineasta a respeito dos seus actores não profissionais: «É preciso deixá-los agirem por si, para seres então tu a agires neles».
«Com tais personagens conseguia chegar aos meus objectivos. A jovem e a morte, a jovem em fuga… Quando fiz este trabalho oscilava entre personagens um pouco perversas e as do tipo das de Emily Dickinson».
Janelas, enquadramentos de portas, espelhos, um frigorífico aberto, a barreira de uma varanda… Lise Sarfati adora os cenários fechados, que se interligam com o enclausuramento dos corpos. Sem céu, mesmo nos jardins. Mas uma densidade de cores, detalhes que enriquecem cada micro-história, enunciada antes da fotografia e que prossegue para além dela...