segunda-feira, junho 30, 2008

Nneka: The Uncomfortable Truth

Nneka Egbuna nasceu em Warri, no coração do delta do rio Niger, aonde se situam os campos petrolíferos da Nigéria. A mãe era alemã, o pai nigeriano. Depois de se licenciar em antropologia cultural em Hamburgo começou a dedicar-se à música.
Já vai no segundo album: «No Longer at Ease».
Numa entrevista, e falando dos seus problemas de identidade, diz: «Às vezes penso que sou um pouco esquizofrénica, sempre à procura de qualquer coisa. Talvez me venha a encontrar um dia, mas para já só encontro equilíbrio na música».

sábado, junho 28, 2008

Claudio Abbado : Hearing the Silence (1/7)

No dia 26 Claudio Abbado fez 75 anos. Foi-me impossível vir aqui registar a efeméride enquanto forma de homenagem. Mas, com dois dias de atraso, aqui fica registada o meu reconhecimento daquele que considero ser o maior maestro vivo dos nossos tempos.

LUA NAVEGANTE - PASSEIO DO SAL (2)

Cai a noite sobre a falésia e o grupo inicia o movimento. O plano é descer por um trilho há muito percorrido por quem ali procurou modo de vida e afastarmo-nos completamente dos sinais da civilização para usufruirmos da sensação única de nos encontrarmos com o nascimento da Lua em noite de solstício.
O farol depressa se oculta por trás das colinas e apenas as luzes de pescadores se agitam no negrume do mar.
À frente das lanternas agitam-se as esferas do minúsculo pólen, que as câmaras fotográficas e as lanternas denunciam.
Pessoas que não se conhecem falam com a naturalidade dos que há muito se encontram. Empatia imediata de quem partilha a novidade da experiência. Que é a de quase se dispensar um dos nossos mais valorizados sentidos: a visão.
A quatro ou cinco metros de distância nada se vislumbra. Se calhar ainda bem: soubéssemos o que nos circunda e seríamos, porventura, tomados de receios, que acabam por se revelar infundados na inocência do nosso desconhecimento.
De quando em quando arrisco uma espreitadela para trás: continuando na cabeça do grupo o que nos segue é uma sucessão de pirilampos a avançar lentamente na nossa direcção.
Outros nos imitam e por isso, de vez em quando, paramos: é a oportunidade de melhor apreciarmos a vegetação silvestre, que nos pica as pernas ou nos obriga a afastar com as mãos, hélas, desprotegidas.
Cedo somos forçados a concluir que por bem equipados, que nos sintamos, faltou-nos essas luvas de protecção. Até porque, lá mais adiante, quando já ultrapassámos o momento mágico do surgimento da Lua, somos obrigados a subir uma rampa muito inclinada e a posição de gatas quase se torna obrigatória.
A escuridão envolvente cria também outra ilusão: a de mergulharmos numa letargia entre sonho e realidade. Como se estivéssemos no conforto dos nossos lençóis e o onírico fosse feito da substância daqueles cheiros, daqueles sons e daqueles tacteares incertos.
O frio, que chegara a intimidar lá em cima, junto ao farol, já está esquecido. A caminhada aqueceu os corpos e começa-os a fazer suar. Passada a ventania do pôr-do-sol é a calidez da noite o que se cola às nossas peles.
E aproximamo-nos da plataforma aonde nos iremos sentar para a merenda, enquanto a Lua não chega. Há um forte ruído das vozes a sobrepor-se à vontade de ali nos abandonarmos ao silêncio no meio da escuridão.
Será que o grupo impedirá o desejo da iminente magia?



***



É pedido silêncio e uma voz sobrepõe-se a todos os sons remanescentes da noite. Soam palavras de Fernando Pessoa, de Branquinho da Fonseca e de Sophia de Mello Breyner.
São onze e quinze. Faltam quatro minutos para o anunciado nascimento da Lua.
O grupo de seis dezenas de almas em êxtase abandona-se à escuridão reinante. Não há luz alguma a não ser a das milhentas estrelas, que povoam os céus.
E, de repente, ao minuto anunciado, começa a surgir um ligeiro risco alaranjado no limite do horizonte.
Mera sugestão ou realidade?
A resposta não tarda: esse risco converte-se numa pequena mancha, que parece saltitar por cima das águas paradas.
E a magia permanece: ninguém emite uma palavra, as respirações parecem conter-se na atenção exclusiva a esse combate entre o negrume absoluto e a mancha de luz, que vai ganhando forma até se converter numa bola ainda esmaecida na palidez do seu tom de alvorada.
É quando a cor se aclara que o silêncio se rompe, e as luzes se acendem nas cabeças devolvidas ao movimento.
Felizmente o luar ainda não está a prevalecer sobre toda a penumbra envolvente. Porque o terreno inclina-se junto à falésia no fundo da qual se ouve o ribombar das ondas. Fosse dia e a sugestão do perigo tolheria a vontade de seguir os que caminham à frente. Assim, recorrendo às mãos e aos pés em posição quase quadrúpede, vence-se o obstáculo e chega-se ao forte arruinado, donde os homens setecentistas espreitavam as movimentações das escunas dos corsários.
João, o guia, evoca o que seria viver nesse tempo, ali no meio de nenhures, quase sem mantimentos e tendo para beber a água da chuva recolhida no poço imundo.
A Lua já está branca a resplandecer no horizonte. Toda a superfície líquida, lá em baixo, espelha a vastidão de águas, que medeia entre a península de Tróia e as profundezas atlânticas a norte do Cabo da Roca.
O percurso torna-se bem mais fácil. A inclinação diminui, o trilho alarga-se entre a vegetação rasteira.
O grupo faz-se mais ruidoso.
Vencida a magia é tempo de regressar. Tanto mais que está prometido um moscatel na concentração final.
Já mudámos de dia e os corpos estão suados, extenuados do esforço de três horas de inauditas vivências.
A civilização titubeia nas moradias abortadas muito antes de se tornarem habitáveis, por que passamos. A luz do farol, à distância de um par de quilómetros já anuncia a chegada.
É a realidade a sobrepor-se à sensação de ter mergulhado em sonho profundo. Cresce a sensação de se retomar nela o concerto de rotinas de que são feitos os dias de trabalho da semana que se segue...

segunda-feira, junho 23, 2008

LUA NAVEGANTE - um passeio do SAL em 21 de Junho

O santuário está ancorado solidamente nas memórias de infância.
Todos os anos repetia-se a deslocação das gentes da Trafaria e da Caparica para saudar a santa.
Pudera! Ano após ano, ela dava provas da sua influência miraculosa nas histórias de pescadores resgatados à morte quase certa nos bravios mares daquela vasta baía. A que começava precisamente ali o seu longo semicírculo e o concluía no estuário traiçoeiro do rio com o farol do Bugio a marcar essa fronteira.
Era um tempo em que a condição de pescador ainda marcava seriamente a identidade daqueles ocasionais peregrinos. E em que o santuário não se tinha ainda convertido naquelas ruínas esquecidas, que nenhuma promessa de restauração acaba por cumprir.
Nesse longínquo passado, a zona circundante ao rectângulo fechado num lado pela igreja, enchia-se de gente, que atirava moedas para a imagem gradeada na pequena capela vizinha e se multiplicava de espantos à beira do recorte das falésias.
Numa das pequenas lojas dos pisos térreos compraram-me o brinquedo de estimação de um Verão entediante: um pequeno cilindro com tampa de vidro dentro do qual duas balizas desafiavam uma pequena bola. Os grandes jogos, que então assim congeminei, invariavelmente ganhos pelo meu clube de eleição!
Nesse passado tudo me parecia enorme, a começar pela viagem entre Almada e o Cabo Espichel. Que se aproximava do conceito de aventura para mundos distantes…
Numa dessas visitas, e porque havia que gastar tempo até ao início da procissão, levaram-me a ver o farol. Que ainda quase cheirava a novo depois de remodelado...
As escadas até ao topo pareciam nunca mais acabar e as dimensões da lâmpada rotativa um autêntico prodígio da ciência.
Feliz inocência a desse miúdo de calções, que não imaginava a rapidez com que se lhe imporiam as mais duras realidades do país salazarento em que lhe coubera nascer. Porque estava a começar uma guerra em África, que adiaria por mais uns quantos anos a esperança de converter o país num espaço de decência, onde não existissem pides nem bufos, prisões políticas ou tribunais plenários.
Se sortilégio subsiste de um tempo mítico da infância, enquanto universo de recompensas, mais do que de castigos, o Santuário da Senhora do Cabo e o seu farol constituem dele um cenário privilegiado…

domingo, junho 22, 2008

Midsummer Night's Dream Overture, Part 2

O concerto no CCB promete começar da melhor maneira com estes sons exaltantes, que prometem noites de Verão mais dadas às acções, aos desafios, que a nostálgicas contemplações...

Midsummer Night's Dream Overture, Part 1

Depois de amanhã, no CCB, é com esta peça de Félix Mendelssohn, que começará o concerto da Orquestra Sinfónica Portuguesa. Fica aqui um aperitivo com uma orquestra dirigida por um jovem maestro a dar os primeiros passos nesta arte...

sábado, junho 21, 2008

Barcarolle from 'Les contes d'Hoffmann' by Offenbach

Na passagem de mais um aniversário do nascimento de Offenbach faz todo o sentido colocar aqui uma bela interpretação da sua barcarola.

Sinais de uma história que se repete

Neste que parece ser o tempo de Barack Obama, faz todo o sentido voltar atrás no tempo, como o canal franco-alemão ARTE tem feito recentemente, e analisar o extenuante caminho da raça negra para se afirmar enquanto cidadãos na América racista dos séculos XIX e XX.
Se longe vão os tempos da escravatura oficial ilustrada na conhecida série «Raízes», os combates de Luther King ou de Malcolm X são elucidativos quanto a duas vias possíveis para chegar à efectiva conquista dos direitos de cidadania.
Seja pela via das palavras proferidas em discursos ou cantadas nas marchas através das ruas e das estradas do Sul dos EUA, seja pela via directa da confrontação física com os símbolos do poder branco, todos os caminhos tiveram sentido para agora se encarar com naturalidade a possibilidade de um negro se ir sentar no cadeirão da Sala Oval da Casa Branca.
A imagem transmitida por Sidney Poitier nos filmes dos anos 60. 70 e 80 também contribuíram para isso. Se calhar o Black Power tinha alguma razão, quando o acusava de personificar a única imagem de negro passível de ser aceite pelos preconceitos racistas: à excepção da cor da pele, os seus personagens agiam e pensavam como qualquer branco.
Mas não é outra forma de racismo essa reivindicação de uma ideologia negra?
Os limites do Black Power foram exactamente esses: os de transplantar para um mero discurso sobre a cor da pele o que era e continua a ser uma mera questão de luta de classes.
Nesse sentido o discurso de Martin Luther King, se expurgados dos seus argumentos teológicos, continuam perfeitamente actuais. Porque o sonho do pregador de Atlanta continua a ser o de uma sociedade em que as discrepâncias entre ricos e pobres não sejam tão óbvias. Em que a educação e a saúde sejam um direito para a maioria, senão para todos.
Não deixa de ser paradigmático que a chegada de Obama à Casa Branca aconteça precisamente quando a União Europeia aprova e implementa uma legislação racista, que pretende deixar à margem, segregada no seu gueto continental, vastas populações de cor negra, cuja lógica global assenta em procurar melhores condições de vida aonde sabe que as há.
Nesse sentido, e a exemplo do ocorrido na segunda metade do século passado nos Estados Unidos, talvez faça falta um líder dos emigrantes, que tenha a estatura moral e cívica de um Luther King. Talvez faça falta - sobretudo em Itália, aonde o governo de Berlusconi está mesmo a pedi-las - um tipo de motins como os já conhecidos em Paris, quando Sarkozy era ministro do Interior. E, se tivesse a importância da indústria de Hollywood, seria bom que o cinema europeu pegasse no tema da segregação racial e encontrasse o seu próprio Sidney Poitier.
Nesta fase histórica em que o capitalismo vive uma das suas crises existenciais mais intensas, voltam a fazer sentido alguns dos mais pertinentes valores, que estiveram na origem da crescente afirmação da raça negra nos Estados Unidos. E esses são os de uma esquerda que se dissocia da herança leninista de um partido totalitário e centralista, para se manifestar através de um movimento plural em que diversos intervenientes se respeitam nas suas diferenças, mas coincidem nos seus valores fundamentais.
Nesse sentido talvez faça bem ao Partido Socialista abrir mais as portas do diálogo com quem aposta numa sociedade mais justa.

quarta-feira, junho 18, 2008

Martin Luther King, Jr.: I Have a Dream

O discurso é bastante conhecido e já se prestou a infelizes citações de uns quantos néscios, que se julgavam engrandecidos por caricaturarem um homem da dimensão de Luther King.
Trata-se de um momento histórico inesquecível, que faz aqui todo o sentido quarenta anos depois da sua morte...

Filme: «Citizen King» de Orlando Bagwell (2004)

Personalidade admirável a de Martin Luther King tal qual o retrata Orlando Bagwell nas duas horas de «Citizen King».
Orador dotado, o reverendo de Atlanta depressa compreende as virtualidades da resposta não-violenta para contrariar o segregacionismo, que humilha a população negra do Sul dos EUA. E multiplica-se em discursos, em marchas, em intervenções televisivas, em encontros com Kennedy ou com Lyndon Johnson para tornar possível essa Terra Prometida, que vira em sonhos, quando chegara ao cume da montanha.
Não admira que, quando morre ainda antes de completar 40 anos, o seu coração já parecesse o de um sexagenário. É que, quando um tiro o prostra na varanda do seu motel em Memphis, ele vivera anos sucessivos de stress, sempre em precário equilíbrio no fio da navalha…
Mas não é esse o condão de quem se arrisca a transformar-se em personagem histórico?

***


De Abril de 1963, data da sua passagem pela prisão de Birmingham, Alabama, por ter apoiado uma manifestação pacífica contra a segregação e as violências raciais, até ao seu assassinato em Memphis, em 1968, os cinco últimos anos da vida de Martin Luther King correspondem aos do seu fulgor político.
Durante esse período de intenso activismo pela obtenção da aplicação dos direitos cívicos para os Negros americano, a América dos sixties anda em ebulição: a guerra do Vietname está no auge, os motins raciais multiplicam-se, o presidente Kennedy é assassinado e anuncia-se a libertação dos costumes.
O excelente documentário de Orlando Bagwell e Noland Walker focaliza-se na trajectória política do protagonista com grandes extractos das suas mais significativas intervenções e com testemunhos dos seus mais directos colaboradores.
O sucesso histórico da marcha a Washington na qual Martin Luther King pronunciou o seu célebre «I Have a Dream» conduziu o Presidente Lyndon B. Johnson a assinar a igualdade de direitos para os negros, colocando um fim à segregação racial nos Estados do Sul em 1964.
Nesse mesmo ano o carismático pastor de Atlanta obtém o Prémio Nobel da Paz, embora os motins dos guetos urbanos de Watts e de Chicago, em 1966, venham a pôr em causa a solidez da sua liderança.
A sua crítica à intervenção norte-americana no Vietname e a sua cada vez mais incisiva campanha em prol dos pobres e dos excluídos isolam-no de muitos dos seus apoiantes, tanto mais que, no pólo contrário, o Black Power critica a sua estratégia de não violência como sinónimo de fraqueza.
E ainda há a contar com o FBI de Edgar Hoover, que lhe escuta todos os telefonemas, o acusa de simpatias comunistas e o tenta enfraquecer com revelações comprometedoras sobre a sua vida privada.
Deslocando-se a Memphis para apoiar a greve dos trabalhadores da limpeza, Luther King é assassinado a 4 de Abril de 1968 no terraço de um motel.
Nessa altura ele já era um homem esgotado pelas lutas, fragilizado pelos ataques e as incompreensões, mas infatigavelmente apostado na justiça racial e social.

domingo, junho 15, 2008

Fiorenza Cossotto - Il Trovatore - Stride la vampa

Fiorenza Cossotto tem grandes apreciadores da sua voz de mezzo soprano em Portugal.
Hoje ela é senhora de 73 anos, já que nasceu no mesmo ano que Luciano Pavarotti.
Estudando canto em Turim, ela teria a sua estreia no Scala de Milão em 1957, embora se torne particularmente notada quando contracena com a Callas numa versão da Medeia no Covent Garden, em 1959.
O seu vozeirão atroaria forte no S. Carlos, aonde o seu papel de Azucena em Il Trovatore ficaria memorável.
Já retirada, ela é evocada sempre que se exemplifica a existência de uma geração de grandes mezzos, possuidoras não só de uma voz assombrosa, mas também de dotes dramáticos não despiciendos...

Filme: «LIGHT SLEEPER», PAUL SCHRADER

Há uma greve na recolha do lixo o que torna a cidade ainda mais insustentável para quem nela vive. Como é o caso de John Le Tour (Willem Dafoe), que continua a ser dealer, mas vê o futuro ameaçado pelo iminente afastamento da sua patroa, Ann (Susan Sarandon), cujo projecto de vida passa por se dedicar a cosméticos.
Talvez por isso ele vive num estado de insónia permanente. A sua antiga toxicodependência, de que se livrara não há muito tempo, também é capaz de contribuir para esse aspecto de zombie, quer no contacto com clientes, quer com outros dealers.
Um deles, Jealous, incita-o a prosseguir com o negócio de Ann, quando ela se retirar. Mas ele não se sente com ânimo para tal projecto. Sabe que deverá mudar de vida, mas não sabe para quê já que não possui quaisquer poupanças de reserva.
É também um tempo de outras múltiplas ameaças: como uma rapariga de famílias privilegiadas terá aparecido morta com uma overdose num dos parques da cidade, há a expectativa de a polícia saltar em cima dos traficantes intermédios.
John ganha um outro estado de alma, quando reencontra Marianne (Dana Delany). Quatro anos atrás ela deixara-o para se submeter a uma reabilitação e abandonar de vez o mundo das drogas. Agora, embora nada lhe conte sobre o que faz ou com quem vive, ela orgulha-se de já estar «limpa».
O desejo de se tornar em «boa pessoa» leva-o a procurá-la, mesmo quando ela o deixa no hotel após uma noite de reencontro amoroso.
E é no hospital, que a vai rever, quando ela aí se encontra à cabeceira da mãe moribunda.
Ao mesmo tempo que procura reatar a ligação e apostar nela como porta de saída para um outro tipo de vida, John vê-se confrontado com um ultimato de um detective da Brigada dos Narcóticos: ou lhe entrega informações consistentes sobre quem vendera a droga à rapariga encontrada no parque ou ele próprio será preso.
Numa das suas vendas seguintes de produto, John encontra Marianne - a quem a mãe entretanto morrera - no apartamento de Tis, completamente pedrada e em óbvio mister de prostituta.
Seja por se ver desmascarada perante o antigo namorado, seja por qualquer outra razão, Marianne morre nessa mesma noite.
Sedento de vingança ele volta ao apartamento de Tis e provoca aí uma chacina como se fosse «anjo exterminador».
Já na prisão recebe a visita de Ann, a quem confessa o desejo por ela sentido…
Paul Schrader é daqueles cineastas norte-americanos de quem muito se esperou desde que assinou o argumento de «Táxi Driver», mas a quem a indústria não possibilitou grandes liberdades para explorar os seus temas de eleição.
Neste filme há a recorrência de alguns dos aspectos essenciais do filme de Scorcese, mormente o desencanto do protagonista com o seu contexto, embora nele permaneça um referencial de dignidade, que ele se esforça por preservar.
Se Robert de Niro procurava a conquista de uma mulher inacessível por ser de outra classe social, há no Willem Dafoe deste título a expectativa de uma redenção igualmente amorosa, que acaba por se revelar, afinal, tão impossível quanto aquela.
Na América carregada de lixo, no sentido restrito e no sentido literal, a droga acaba por funcionar como o filtro revelador de uma realidade mais crua, que as aparências e em que o direito dos indivíduos à felicidade adquire a mera dimensão da utopia.

terça-feira, junho 10, 2008

Le Mystere Des Voix Bulgares - Polegnala e Todora

A música búlgara chegou a mim já depois de ter passado por esse porto de Nassebur, de que me ficaria a memória indelével de um casamento para o qual fui convidado tão só por ir a passar pela rua no instante e me ter atardado a ver o que me parecera um cenário cinéfilo: o de Meryl Streep em «The Deer Hunter» a dançar numa roda no dia de núpcias da sua personagem.
Desde então ficou-me dos búlgaros esse sentido hospitaleiro a que nem a queda do Muro de Berlim possa ter desviado de tão memorável costume.
Com o Mistério das Vozes Búlgaras, grupo coral representativo dessa cultura, procurei reviver no espectáculo do CCB o que de mais genuíno possa existir nesse povo. E as expectativas foram plenamente cumpridas!

domingo, junho 08, 2008

A MINHA DESCOBERTA DE INGMAR BERGMAN

Estava nos meus primeiros anos de liceu, quando ouvi falar de Bergman pela primeira vez.
Beneficiando da presença de uma irmã mais velha na Faculdade de Letras, quando os ventos de Maio de 68 punha os jovens de então a fervilhar por sonhos utópicos, procurava beber dela o máximo de informação, que me aproximasse de uma condição adulta vista então como o objectivo prioritário do meu crescimento.
Foi assim que fui parar a uma memorável sessão das chamadas Quinzenas, que o Monumental então apresentava às seis e meia da tarde.
Eram ciclos com filmes excepcionais, que motivavam a presença de centenas de jovens: os suficientes para encher por completo a plateia, o 1º e o 2º balcões como então existiam.
No que mais me marcou o filme principal tinha sucesso garantido: «Esplendor na Relva» de Elia Kazan, então paradigma do filme que expressava o conflito de gerações, então bem na ordem do dia, já que se vivia a ansiedade de levar o novo a vencer o velho, personificado nos pais autoritários e no regime repressivo.
Muitos de nós ainda desconheciam o lamentável papel de bufo, que o realizador assumira perante a comissão do sinistro MacCarthy, pelo que ainda não viam tal filme à luz do desejo de auto-justificação, que ele desde então perseguiria obsessivamente.
Mas, mais importante do que esse filme, o que o antecedera fora uma verdadeira revelação: «O Sétimo Selo» do realizador sueco.
Aquele jogo desigual entre o Cavaleiro e a Morte impressionava, porque desejaríamos o impossível, mesmo que soubéssemos o desenlace inevitável.
Mas a cena final em que a Morte leva vários personagens pela mão monte acima ficaria como uma das mais metafóricas em relação à cada vez mais omnipresente ideia de fim, que o envelhecimento vai cavando.
Nos anos seguintes procurei não perder nenhum filme do realizador. Na maioria encontravas-lhe algo de profundo e de inacessível aos meus então verdes anos.
Afinal, o 25 de Abril encontrar-me-ia ainda com 17 anos.
Nesse pós-Revolução tudo se aceleraria e eu próprio amadureceria. Quando se estreia «Lágrimas e Suspiros» já calou tão fundo em mim, que o vi quatro vezes de seguida. A cena de auto-mutilação de Ingrid Thulin seria das mais brutais, que o cinema me facultaria.
Mas hoje, dobrado o meio século de vida, está na altura de rever todos os filmes disponíveis de Bergman, pelo que eles me poderão motivar neste terço final da minha existência. Mormente, quando já não estará tão distante esse meu próprio jogo de xadrez com esse invencível campeão de xadrez.
Neste tempo em que o cinema tende a cingir-se ao papel de fútil entretenimento, saber-me-á bem o reencontro com um tipo de filmes como já raramente se fazem, mas que parecem substituir verdadeiramente um conjunto significativo de manuais de filosofia.

sábado, junho 07, 2008

«PERSÉPOLIS, L’EMPIRE PERSE RÉVÉLÉ» de Götz Balonier

Persépolis, capital do império dos Aqueménidas, continua a ser um dos mais impressionantes lugares de vestígios arqueológicos da Antiguidade.
Em 520 a.C, Dário I manda arrasar uma montanha e utilizar o entulho para formar um imenso terraço de quinze hectares.
Convoca, então, os melhores arquitectos e artesãos dos quatro cantos do Império para, em sessenta anos, construírem escadas e portas monumentais, palácios e outros edifícios transformados em verdadeiras obras-primas.
A maior parte acabará ingloriamente destruída pelos soldados de Alexandre, o Grande em 330 a.C.
A partir de 1930 arqueólogos alemães conduzem uma importante campanha de escavações.
Foram os seus planos muito precisos, que serviram para as sequências tridimensionais deste filme. Elas permitem visualizar, com excepcional precisão, como era Persépolis antes da sua destruição.

Luiz Gonzaga - Asa Branca

No Brasil talvez ele ainda seja lembrado. Mas aqui em Portugal, quem se lembrará de Luiz Gonzaga? Aqui fica o clássico «Asa Branca».

sexta-feira, junho 06, 2008

Cecilia Bartoli sings Maria Malibran

Ontem foi o dia de aniversário de Cecília Bartoli.
Se a soprano italiana não ascendeu à liderança indiscutível das grandes cantoras de hoje - há mais umas quantas a disputar-lhe essa condição! - é sempre com algum espanto, que a ouço levar a voz até níveis de exigência difíceis de ultrapassar.
E ao ver alguns dos filmes acessíveis no You Tube, compreende-se quanto ela põe uma alegria quase infantil naquilo que faz. As sessões de gravação parecem ser para ela a ocasião de puro divertimento!
No ano transacto, com a sua homenagem a Maria Malibran, ela esteve em evidência, enchendo nomeadamente o Grande Auditório da Gulbenkian em concerto para o qual já nem conseguimos arranjar bilhetes.
Resta-nos a possibilidade de contactarmos com o seu talento pelos filmes e discos em que ela tem sido tão pródiga!

A nova liderança do PSD e o Governo de Sócrates

As eleições internas do PSD acabaram com a vitória de Manuela Ferreira Leite. O que dá para ponderar em três efeitos positivos de tal resultado.
Por um lado temos pela primeira vez uma mulher a liderar um dos grandes partidos nacionais, o que vai ao encontro do que vem sendo uma das principais características deste novo século: a emergência de um conjunto de mulheres determinadas a tomarem conta de funções outrora coutada do género masculino.
Outro dos aspectos positivos desta notícia é a condenação de Santana Lopes a um terceiro lugar, ainda que com demasiados votos para tudo quanto de disparatado ele fez.
Embora ele pareça aqueles mortos-vivos dos filmes de George Romero, que se levantam da tumba, quando se os julgava já bem mortos e enterrados, o ainda líder parlamentar bem pode começar a pensar como irá ganhar a vida, quando se lhe acabar o actual mandato de deputado.
E, enfim, resta acrescentar que, com a nova Presidente do maior partido da Oposição, o Partido Socialista terá menos possibilidades de se confrontar com argumentos demagógicos, de conteúdo populista, que embora falsos no conteúdo, conseguem iludir muita gente na sua forma.
Nesses tempos difíceis, que se aproximam, haverá o provável confronto entre duas estratégias
não muito distintas para a eles corresponder. E, em tal disputa, Sócrates terá possibilidades sérias de voltar a sair vencedor...

quinta-feira, junho 05, 2008

«The Greatest», filme de Tom Gries e de Monte Hellman

O fascinante percurso de Muhammad Ali, desde a infância no Kentucky até ao seu triunfo em Kinshasa em 1974.
Contando com as interpretações o próprio Muhammad Ali, de Ernest Borgnine, de James Earl Jones e de Robert Duvall.
Trata-se de uma biografia com cenas impressionantes de combate.
O filme mostra como, em 1964, Cassius Clay ganha a condição de campeão do mundo de pesos pesados, assumindo-se então como membro dos Black Muslims.
Trata-se de um verdadeiro desafio à América, incluindo a explicação para a sua mudança de nome («Clay é um nome de escravo») e a recusa em combater os seus «irmãos vietnamitas».
Escandalizada a América retira-lhe o título e a licença para prosseguir a sua carreira desportiva. Muhammad Ali desaparece de cena por não ter respeitado as «regras do jogo».
Mas, em 1974, ele anuncia a intenção de recuperar o seu título de campeão do mundo.
E o combate de Kinshasa ganha a dimensão de uma aventura épica, que persistirá na memória de quem o viu e o entendeu como muito mais do que um mero combate de boxe...