sábado, março 05, 2016

LEITURAS AVULSAS: À procura do Eu Profundo

Marcel Proust começou a pensar no seu projeto de «Em Busca do Tempo Perdido» em 1908, quando ponderou na redação de um ensaio contra o método crítico de Sainte-Beauve, a seus olhos culpado  de ter ajuizado os contemporâneos de acordo com os comportamentos sociais, negligenciando o que lhes ia no seu «eu profundo».
O conjunto de romances, que integram a obra, ficcionam, em três mil páginas, o que planeara escrever contra o detestado crítico. O protagonista é um homem de aparência frívola, sensível aos prazeres mundanos e às tentações amorosas, que assimila e unifica tudo dentro de si graças à involuntária memória de que fará a substância da sua obra.
Até 1912 o romance intitulou-se «As Intermitências do Coração e obrigou Proust a catorze árduos anos de trabalho até 1922. Mas, desde 1910, que congeminara o final, mesmo ciente de o vir a ter de alterar no termo da empreitada.
No entanto, quando morreu, Proust deixou certas pontas soltas, inacabadas.
Quatro dos livros, que compõem a obra, ainda foram publicados em vida do autor: «No caminho de Swann» (1913), «À Sombra das Raparigas em Flor» (1919), «O Caminho de Guermantes» I e II (1920-1921) e «Sodoma e Gomorra» (1921-22). Três outros títulos aparecerão postumamente: «A Prisioneira» (1923), «A Fugitiva ou Albertina Desaparecida» (1925 e, enfim,  «O tempo Reencontrado» (1927).
O protagonista assemelha-se o bastante a Marcel Proust para que aceitemos toda a obra como uma espécie de autobiografia disfarçada. Mas, diferenciando-se do autor ele não é judeu, nem homossexual, o que lhe permitirá analisar com maior profundidade os motivos de exclusão que condicionam a sociedade.
Será que a obra para a qual avançou a tremer o protagonista de «O Tempo Reencontrado» é a mesma que acabamos de ler? Ela será, sobretudo, uma obra ideal, de que a obra de Proust se limita a formular a génese e os fundamentos mais profundos.
Nessa forma de autobiografia há um episódio, que serve de exceção e que é o «Amor de Swann», quantas vezes publicado autonomamente em relação à obra em que está inserida. Esteta refinado, Charles Swann tem ciúmes incontroláveis a propósito de Odette de Crécy, uma mulher que reconhece nem sequer «fazer o seu género». Ele surge como um duplo incompleto do narrador.
Este último  escapará aos impasses do esteticismo, que enriquece-lhe a vida graças à arte, quando compreende ser esta de uma essência superior.  Mas não deixa de sentir ciúmes da sua parceira de jogos, Gilberte (filha de Swann e de Odette) e da rapariga que manterá «prisioneira», Albertine, sem sentir aliviarem-se-lhe todas as suspeitas. Será só quando ela morre, que ultrapassará o desgosto e tomá-la-á como referência da sua obra.


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