domingo, outubro 28, 2007

Recordar Georges Brassens

De Brassens poderia escolher dezenas de canções, que merecem ser recordadas. Mas, pela importância dos seus amigos, que ele quis homenagear com esta canção, fiquemos então com este «Les Copains d'Abord».

Brassens: evocar um revolucionário

Uma das gravações televisivas de referência, quando se trata de Georges Brassens é a que François Chatel registou em 1972, durante um concerto na sala Bobino.
Acompanhado do seu habitual companheiro nestas lides, o contrabaixista Pierre Nicolas, o cantor fustiga os pequeno-burgueses e os polícias com uma veemência, que só se encontra hoje em dia nos rappers.
A canção era, em Brassens, algo de minimal: simples nos acordes, deveria apenas acompanhar os versos contundentes de um anarquista, que tudo contestava para gáudio de uma geração apostada em pôr em causa todos os cânones. E, por isso mesmo, assumidamente revolucionária!

sábado, outubro 27, 2007

The Ground Truth on DVD

Patricia Foulkrod: «The Ground Truth»

Ao princípio é o entusiasmo: vai-se servir o país, combater inimigos merecedores do nosso ódio e ganhamos dinheiro para uma bolsa universitária ou ganhamos mais dinheiro do que alguma vez contámos nos nossos bolsos.
É nesse estado de espírito, que encontramos os novos recrutas do Exército norte-americano, que se preparam para um exigente período de treinos militares e para praticá-los em teatro de guerra.
Este, não tem nada que saber, situa-se no Iraque. O tal país de um ditador ruim como tudo, capaz de ter armas de destruição maciça e de ser um aliado dos terroristas, que arrasaram com as Torres Gémeas em 11 de Setembro.
Mas o período de treino traz algumas surpresas: as canções falam da legitimidade de matar mulheres e crianças. Será assim?
A prática demonstra-o: não tardarão a fazê-lo no Médio Oriente, quando o facto de titubearem perante o assassínio a sangue frio os torna alvo de chacota dos colegas. Então mata-se a mulher, que trazia um lenço branco na mão ou os pacatos iraquianos, que iam num carro a passar pelo local errado à hora errada.
O pior é quando o remorso assalta. Compreende-se que o Exército tornou eticamente reprováveis, quem de si sempre cultivara uma imagem irrepreensível.
O filme de Patrícia Foulkrod aborda este tema muito sensível, dando voz a esses jovens obrigados a crescer de uma forma tremenda em poucos meses. E que ganharam marcas físicas (uma mão perdida, queimaduras, etc) e psicológicas, que nunca mais se poderão apagar.
Embora possa ser objecto das dúvidas dos detractores, ele mostra uma Verdade, que não pode ser negada. E que justificaria bem o julgamento de George W. Bush, de Donald Rumsfeld e de outros altos responsáveis da Casa Branca e do Pentágono num julgamento com as mesmas características do de Nuremberga. Porque o que aqui está em causa não é a luta pela Democracia ou pelos Direitos Humanos, mas uma vontade imperialista, que acabou por correr bastante mal. Sobretudo para quem dela foi mero peão ...

sexta-feira, outubro 26, 2007

O medo do Construtor Solness

O construtor Sölness tem medo. Há uma nova geração a despontar, com novos conceitos arquitectónicos, que lhe são estranhos. É o caso do seu jovem assistente Ragnar, a quem paga um bom salário tão só não se atreva a autonomizar-se em projectos próprios.
O tema do medo, assim tratado na peça de Ibsen actualmente em cena na Cornucópia, é extremamente actual: não só porque as novas gerações, atormentadas pelo desemprego, mesmo quando ditadas de diplomas universitários, aí estão a bater à porta dos nossos próprios empregos, dispostas a fazer melhor e mais do que nós, os cinquentões, conseguimos fazer. E a reforma ainda se mostra tão distante … e, sobretudo, tão incerta, ou não estejam em risco os nossos Sistemas de Segurança Social!
Mas o medo tem, sobretudo, a ver com o entre parêntesis, que conheceram as utopias libertadoras da humanidade. Face a um sistema de mercado sujeito a tremendas crises, embora forte o suficiente para parecer o único exequível, as pessoas atemorizam-se com as sucessivas agressões de que são alvo: os empregos desinteressantes e mal remunerados; a insegurança latente explorada pelos media, que a empolam; a própria miséria afectiva em que se afunda uma grande maioria, incapaz de encontrar correspondência entre os seus sonhos e as realidades comezinhas de todos os dias.
O medo de Sölness não tem apenas a ver com a sucessão geracional, mas com tudo quanto comporta a própria vida!

domingo, outubro 21, 2007

O fim de uma certa forma de Utopia

Quando se pensa em cinema canadiano é inevitável chamar logo à colação o nome de Denys Arcand. Embora a sua filmografia conte com outros títulos interessantes, os que ele rodou com os mesmos personagens em 1986 e em 2003, são marcantes pela forma como aborda o fim das utopias a partir dos diálogos dos herdeiros do Maio de 1968.
Em «O Declínio do Império Americano» ainda se perspectivava a crise irreversível do grande vizinho a sul. Os personagens assumiam tormentos sentimentais e existenciais, mas a amizade era uma boa alternativa resultando dela as festas divertidas. Salvo, quando a aceitação colectiva da libertinagem colidia com a surpresa de continuarem arreigados os velhos preconceitos pequeno burgueses sobre a fidelidade e a traição. Então, caía a máscara de quem pretendia estar na vanguarda dos costumes…
Anos depois, já em «As Invasões Bárbaras», todas as perspectivas de uma evolução progressista do mundo caíram por terra e os personagens do filme anterior, encontraram os seus equilíbrios nas suas carreiras profissionais ou em novos amores. Para Remi, porém, a hora é de despedida: um cancro terminal está em vias de o levar de vez e os amigos vêm visitá-lo. Se no filme anterior as conversas ocorriam em ambiente de festa, agora é sob a influência da morte anunciada…
Terá morrido, assim, uma certa forma de transformação social e política - eis a questão, que o filme coloca. Dando uma resposta óbvia: na geração subsequente, embora com outros valores e preocupações, não está isenta essa vontade de mudar para um mundo novo a sério...

sábado, outubro 20, 2007

Pierre Perret , Mon p'tit lou

A voz de Pierre Perret já está muito cansada, falhando aqui e ali de forma algo comprometedora.
Mas a canção do Petit Loup, conhecida há mais de trinta anos, continua a ser uma referência, quando se trata de evocar a ternura através de palavras cantadas...

domingo, outubro 14, 2007

«O Sabor da Melancia»

O filme ainda está no King e é um dos mais interessantes do ano. Porque trata de Amor e de Sexo, de sentimentos e de consumismo, de seca e de molho de melancia...

quarta-feira, outubro 10, 2007

Cecilia Bartoli interpreta~«La Sonnambula» em 1994

Embora esta interpretação já tenha uns anos e já não corresponda à que Cecilia revela no seu disco «Maria», fica aqui a ária «La Sonnambula» de Bellini, que permi~te comparar a evolução da grande mezzo italiana...

Maria Malibran na voz de Cecilia Bartoli

Será o grande acontecimento da temporada de música da Fundação Gulbenkian: a apresentação do programa romântico de Cecília Bartoli de homenagem a Maria Malibran. Será a 9 de Fevereiro de 2008 e, por esta altura, já não sobrarão decerto lugares disponíveis para ocupar o Grande Auditório da Avenida de Berna.
Para anteciparmos esse espectáculo podemos ouvir «Maria», o registo fonográfico, que a grande mezzo soprano italiana acaba de publicar e em que, acompanhada por instrumentos da época e, sobretudo, pelo grande virtuoso Maxim Vengerov no violino, ela interpreta árias outrora celebradas na voz da grande diva romântica do século XIX: «Infelice» de Mendelssohn, «Casta Diva» e «La Sonnambula» de Bellini.
Mas recordemos aqui alguns dos aspectos mais interessantes da curta vida dessa cantora nascida em 24 de Março de 1808 e cujas semelhanças com Cecília são, no mínimo, singulares: ambas estrearam-se no mesmo papel (a Rosina do «Barbeiro de Sevilha»), ambas eram mezzos e oriundas de famílias ligadas ao teatro lírico: quer o pai de uma, quer o de outra eram tenores.
Se a fama de Maria Malibran chegou aos nossos dias as razões são diversas, mas a mais relevante talvez seja a de não possuirmos qualquer registo sonoro da sua voz, o que permite mitificá-la. O que sabemos dela provém de quem disse possuir uma extensão de voz de três oitavas e primar pelo contraste entre extremos do registo.
Também a sabemos de uma tremenda diversidade de talentos: além de pianista, ela tocava harpa e guitarra, compunha música, pintava e desenhava figurinos, bordava, falava várias línguas e escrevia com desenvoltura.
Artista global avant la lettre, ela só em Paris não foi incensada, devido à sua vida íntima, que incluía um casamento precoce com um banqueiro falido - Eugéne Malibran - para se libertar da tirania paterna e uma relação extraconjugal com o violinista Charles Blériot, que lhe daria o único filho sobrevivente de sucessivas e indesejadas gravidezes.
Délacroix também contribuiria para o seu insucesso em Paris ao considerá-la exagerada na forma de expor em palco as emoções das suas personagens. No ambiente romântico dos anos 30 do século XIX havia quem não simpatizasse com o estilo arrebatado das suas interpretações. Mas Itália ou a Inglaterra celebram-na de forma tão irracional, que a santificam e chegam a espalhar o mito de curas extraordinárias para quem a ouvisse em palco.
Ela morreria aos vinte e oito anos na sequência das hemorragias internas subsequentes a uma queda durante um passeio a cavalo e que não teria sido propriamente involuntária: ela estaria a tentar livrar-se de mais uma gravidez incómoda para quem sentia a carreira de cantora lírica como a via para uma vida emancipada…
Lembrando personagens de Nicholas Ray, o percurso biográfico de Maria Malibran foi a de alguém que viveu depressa e morreu a tempo de constituir um bonito cadáver. Por isso ficou o mito agora celebrado por Cecília Bartoli...

sexta-feira, outubro 05, 2007

So you want to write a fugue?

Glenn Gould não foi o genial pianista que deu a leitura definitiva das Variações Goldberg ou o homem de coragem, que se apresentou na URSS, quando os anticomunistas primários queriam proibir os artistas ocidentais de aí se deslocarem.
Aqui ele aparece a apresentar a sua bem humorada obra de como se pode compor uma fuga.
A prova de que, na sua excentricidade, ele não deixava de ser um homem com uma ironia muito peculiar...

Na evocação de Glenn Gould, 25 anos passados sobre a sua morte...

Em 4 de Outubro de 1982, na sequência de um acidente vascular cerebral, morria em Toronto esse pianista genial, que foi Glenn Gould.
Quando aí mesmo nascera, cinquenta anos antes (em 25 de Setembro de 1932), o seu nome verdadeiro era Glenn Herbert Gold. Mas, temendo os efeitos do anti-semitismo então relevante na sociedade canadiana, a família tratou de lhe mudar o apelido para aquele que ficaria como definitivo.
Como o avô era sobrinho de Edward Grieg, a aprendizagem do piano era uma opção natural para a sua educação infantil, tanto mais que se notariam desde muito cedo os efeitos de uma forma mitigada de autismo (sindroma de Asperger), que explicaria muitas das suas ulteriores excentricidades.
Tão só conclui os estudos no Conservatório de Toronto e logo começa uma bem sucedida carreira de concertista, que o levará a actuar com Karajan, Bernstein ou Yehudi Menuhin.
Em 1955 é a sua consagração, quando é editada a sua abordagem das Variações Goldberg, de Bach, na etiqueta CBS à qual seria doravante fiel.
Tratava-se de uma interpretação absolutamente genial e totalmente diferente do que se fizera até então: desprovido de legato, quase sem tocar no pedal e com uma regulação milimétrica das cordas até elas ficarem na sua máxima tensão o resultado é de um inédito dinamismo e vivacidade.
Dois anos depois ele mostrou a coragem de romper com uma ordem dos governos ocidentais anticomunistas ao fazer uma digressão pela União Soviética. Talvez isso explique o surgimento de uns medíocres detractores, que lhe apontavam como defeito o hábito de cantarolar a acompanhar-se a si mesmo ao piano ou os seus gestos interpretativos, quase se deitando sobre o teclado. Mas tratava-se de algo por ele propositadamente pretendido: a sua banqueta estava com os pés serrados para lhe propiciarem essa aproximação da cabeça com o teclado…
Mesmo quando a interpretação lhe exigia uma só mão no teclado a outra vogava no ar em gestos arrebatados, como se então, Gould se convertesse no chefe de orquestra de si próprio.
Em 1964, porém, Glenn Gould decidiu deixar de actuar em público, reservando-se tão só para as gravações de discos e para os seus programas de rádio e de televisão. Ou para a composição: o bem humorado «So you want to write a fugue» ou o «Quarteto de Cordas, op.1».
Mesmo quando o assunto das suas preocupações não era aparentemente a música, ela aparecia de forma inesperada: em reportagens radiofónicas sobre os habitantes do Norte do Canadá, os menonitas do Manitoba ou os emigrantes da Terra Nova ele inventa a rádio contrapôntica, ou seja, a justaposição de vozes em simultâneo como se se tratassem de um coro.
Felizmente para nós sobram muitas imagens das suas actuações, sobretudo as captadas pelo francês Bruno Monsaingeon, autor de um documentário de referência, datado de 1974: «Os Caminhos da Música» ou «Glenn Gould, o Alquimista».
Por isso nesta evocação sobre o seu desaparecimento é possível revê-lo nalgumas dessas imagens...

quarta-feira, outubro 03, 2007

Paolo Conte - Vieni via con me

E que desconhecimento se tem de Paolo Conte em Portugal!
Injustamente claro.
Aqui fica um modesto contributo para o tornar mais (re)conhecido...

Os 7 Andares de Dino Buzzati

«Sete Andares» foi escrito por Dino Buzzati em 1942 numa altura em que a Guerra Mundial estava a conhecer o seu momento de viragem. Ligado forçosamente a Hitler, o ditador italiano Mussolini ainda parecia extremamente forte, mas já se prefigurava a sua queda.
Na história de Giuseppe Corto, que entra voluntariamente num sanatório para se recuperar de uma fragilização evidente da sua saúde e vai descendo desde o sétimo andar até ao primeiro - o dos moribundos - sempre iludido quanto ao seu estado, existe uma evidente metáfora política.
Às vezes os mais conscientes acreditam na necessidade de dar a provar o veneno aos cidadãos como forma de os vacinar do perigo da sua aplicação total. A experiência mostra que esse é o caminho mais óbvio para a implantação de uma das muitas variantes de fascismo.
Quer Hitler, quer Mussolini ganharam eleições pseudo-democráticas. Os fundamentalistas islâmicos chegaram ao poder nalguns países em revoluções entusiasticamente saudadas por comunistas e socialistas, logo fadados a serem encerrados em prisões. O Irão é apenas um exemplo disso mesmo: quem se congratulou com o derrube do Xá acabou por tombar diante de pelotões de fuzilamento de Guardas da Revolução.
Mas essa lição tarda em ser assimilada: houve quem no Ocidente criticasse o exército argelino por impedir o acesso dos fanáticos islâmicos ao poder depois de eleições consideradas legítimas, esquecendo que essa teria sido a última oportunidade para o eleitorado se confrontar com diversas opções…
A capacidade do ser humano em se deixar iludir é inesgotável. E esse é o drama de Giuseppe: a partir do momento em que, de livre vontade, decide entrar no sanatório a sua condenação é inapelável. Porque naquela engrenagem terrível não há hipótese de redenção: apesar de continuar a acreditar no regresso aos andares superiores, o protagonista não se interroga pelo facto de nunca encontrar quem conseguira essa proeza. A partir do momento em que se entra no sétimo andar a queda até ao primeiro resume-se a uma questão de tempo...

segunda-feira, outubro 01, 2007

Anton Tchekhov: O Beijo

Já tanto mudou quanto aos hábitos amorosos dos ocidentais. Há século e meio a importância
de um beijo era tão determinante, que ele está no centro do conto de Anton Tchekhov. Quem
o vive é um jovem oficial de cavalaria do exército russo que, acampado na aldeia de Mestétchki,
fora um dos convidados para o serão em casa do rico proprietário Van Rabbeck.
Acontece que um engano o leva a uma sala imersa na escuridão onde é confundido com o clandestino amante de uma das jovens senhoras presentes e é objecto de furtivo beijo.
Aquela sensação muito breve deixa-o embevecido: qual das senhoras presentes teria sido a autora de tal gesto carinhoso? A pergunta torna-se numa obsessão. Tanto mais que, a exemplo
dos outros oficiais envolvidos nessa campanha ele tem pressa em constituir família, em aceder
ao estatuto e aos prazeres inerentes à condição de casado.
É por isso com uma secreta inquietação que ele regressa à mesma aldeia, esperando ver-se de
novo convidado pelo mesmo proprietário: terá então a oportunidade de esclarecer a identidade
da dona daqueles lábios e quiçá avançar para algo de mais consistente.
Mas, impaciente, ele desespera pela demora na chegada do emissário de tal convite e embrenha-
se na floresta: quando regressa ao seu acampamento já os colegas partiram para o tal serão. O emissário chegara enquanto ele se ausentara. E a maturidade advém-lhe desse fracasso: ele
acaba por se deitar, desistindo dos planos alimentados durante longas semanas...
Estamos, pois, num tempo de grandes pudores, quando a relação entre homens e mulheres obedecia a férreos condicionalismos… Como só subsistem em sociedades retrógradas nos nossos
dias…
A importância de um beijo foi, entretanto, bastante desvalorizada por esta sociedade em que
a sexualidade quase se banalizou por efeito da publicidade e dos mass media.

Garden Quartet - Rameau: Danse du Grand Calumet de la Paix

No Dia Internacional da Música escolho este tema de Jean Philippe Rameau, embora preferisse a interpretação vista há uns anos na saudosa Festa da Música...