segunda-feira, março 21, 2016

ESTÓRIAS DA HISTÓRIA: A atriz e o carniceiro (II)

Em 1941 Reinhard Heydrich é enviado por Hitler para substituir Konstantin von Neurath, que não estava a dar conta do recado quanto a manter a antiga Checoslováquia pacificada. A Resistência mostrava-se cada vez mais audaz na contestação ao ocupante.
Aos trinta e sete anos ele estava no cume da sua carreira e não quereria desperdiçar a confiança do Führer nem que para tal viesse a ganhar a alcunha de «Carrasco de Praga».
Uma das suas primeiras decisões consistiu em transformar a antiga fortaleza militar de Terezin num campo de concentração, destinado a servir de entreposto para o envio de milhares de checos para os campos de extermínio. Sobretudo os de origem judaica, aprisionados e deportados para esse destino à vista de todos.
Heydrich tinha outra preocupação: a de manter os checos bem alimentados para que continuassem a produzir as armas necessárias ao exército alemão. Mas. ao abrigo das salas escuras, as plateias dos cinemas mostravam-se ruidosas em assobios quando passavam as atualidades com os sucessos nazis nas diversas frentes de combate.
O público apreciava sobretudo os filmes produzidos por Milosz Havel destinados ao grande público, mesmo que resultantes do seu acordo com os ocupantes. O tio do futuro presidente Vaclav Havel era, então, um dos mais notórios colaboradores dos ocupantes!
Em dezembro o regime checo no exílio em Londres enviou dois paraquedistas com a missão de assassinar o torcionário. O plano foi concretizado em 27 de maio de 1942: uma carga explosiva arrasou com a parte traseira do carro em que Heydrich era transportado, ferindo-o com gravidade. 
Furibundo com a notícia, Hitler ordena a prisão de intelectuais e o fuzilamento de cem de entre eles. Será o início de terríveis represálias contra os suspeitos de envolvimento no atentado e respetivas famílias.
Para intimidar a população, os ocupantes passam a afixar cartazes vermelhos com os nomes dos que tinham sido fuzilados na véspera, quer em Praga, quer na província.
Quem pode fecha-se então em casa para não se sujeitar ao constante pedido de documentos.
A 4 de junho Heydrich morreu sem nunca ter saído do coma e os SS executam todos os homens e a maioria das mulheres em diversas aldeias sendo as crianças deportadas para os campos de concentração.
Há a determinação nazi em dobrar a ânsia de liberdade dos checos. Por isso fecham os teatros e convocam a população para aí participarem em cerimónias fúnebres onde deviam condenar o atentado. No Teatro Nacional os principais atores e cantores de ópera da época tiveram de se prestar a tal mascarada de braços esticados.
Um ex-resistente entregou-se aos alemães e denunciou todos os seus camaradas, nomeadamente os paraquedistas e os que os tinham apoiado no atentado a Heydrich.
Durante oito horas, apesar de cercados por numerosos soldados, eles resistiram até decidirem suicidar-se com as últimas munições, que lhes restavam.
Anna Letenská estava então a rodar «Já Venho» nos estúdios de Milosz Havel em Hostivar. Aos 38 anos ela desempenhava o papel cómico de uma anciã, mas não conseguia eximir-se de ter presentes os amigos perseguidos pelos nazis. Até porque, sob tortura, uma das prisioneiras confessa o apoio dela recebido.
Vladislav Caloun, o marido de Anna, foi levado pela Gestapo e torturado durante semanas até confirmar a ligação a alguns dos que tinham integrado a rede de apoio aos bombistas do atentado de maio. E Anna também foi presa para desagrado de Milosz Havel, que viu comprometida a produção do seu filme já bastante avançada.
Graças ao bom relacionamento com os alemães, seus compinchas no bar do Hotel Lucerna, ele conseguiu autorização para que Anna concluisse a rodagem do filme.

Sem conhecer as condições em que se vira libertada, Anna deu o melhor de si mesma em frente à câmara durante o dia, enquanto à noite fazia os possíveis por sossegar as inquietações do filho e as suas próprias a respeito de Vladislav.
Todos os dias tinha de comparecer no quartel da Gestapo e estava sob vigilância constante. A 1 de setembro, último dia da rodagem, ela regressou a casa, mas a Gestapo voltou a aprisiona-la, enviando-a para o campo de Terezin sob a acusação de ter convivido com os autores do atentado contra Heinrich. Como não conhecia ninguém sentiu-se muito só.
Inquieta pelo que sucedera ao marido e ao filho, temeu ver-se incluída nas listas dos que eram diariamente enviados para os crematórios.
Em setembro um tribunal marcial condenou o casal à pena máxima. No mês seguinte Anna integrou os mais de  quatrocentos prisioneiros embarcados num dos comboios da morte em direção a Praga, onde outros prisioneiros se lhes juntaram. Durante a noite ela passou, sem se dar conta, pela terra onde nascera, prosseguindo viagem até ao campo de Mauthausen. A 24 de outubro foi morta com outros duzentos e cinquenta condenados com uma bala na nuca.
Ela já não pode assistir à estreia do seu derradeiro filme, que foi recebido como se nada se tivesse entretanto passado. 

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