sexta-feira, março 18, 2016

DIÁRIO DE LEITURAS: «As Mãos Desaparecidas» de Robert Wilson

Há três semanas passaram trinta anos sobre a morte de Olof Palme. De facto foi a 28 de fevereiro de 1986, que o respeitadíssimo primeiro-ministro sueco foi assassinado à saída de um cinema continuando por esclarecer quem terá sido o autor de tal crime. Se foi abordada a forte probabilidade de se tratar de uma iniciativa da extrema-direita sueca, cuja capacidade nociva foi bem desenvolvida nos romances de Stieg Larsson, nenhuma prova conseguiu confirmá-la.
Robert Wilson, o escritor norte-americano, que tem uma quinta no Alentejo, mas situa alguns dos seus romances em Sevilha, lança uma hipótese igualmente pertinente: dado o apoio de Palme aos exilados do regime de Pinochet, terá a DINA (a Pide chilena) organizado o atentado a partir de outra cidade europeia? É que, no estertor do regime de Pinochet, uma das maiores obsessões dos antigos torturadores era silenciarem o mais possível a voz dos que poderiam contribuir para os denunciar.
Mesmo incapaz de aferir a veracidade da tese de Wilson, ela só por si justifica bem a razão porque se trata de um dos meus autores de estimação: é que avançamos na leitura bem cientes de não estarmos apenas confrontados com um crime cujos autores teremos de adivinhar, deixando-nos embalar pela forma mais ou menos engenhosa como o autor no-lo tenta esconder até muito perto do fim.
Simenon terá sido dos poucos que utilizou o género para descrever ambiências sociais marcadas pelos conflitos de classes. E os autores norte-americanos do período entre as guerras (Hammett, Chandler, McDonald, etc)  aproveitaram para sugerir conteúdos ideológicos consonantes com o seu posicionamento político à esquerda.
Wilson imita-os ao resgatar do esquecimento os crimes da ditadura chilena, os da pedofilia praticados na alta sociedade sevilhana e as desigualdades entre os moradores dos bairros finos e o resto da população das margens do Guadalquivir. A partir de duas mortes, que começam por parecer um drama familiar com o marido a matar a mulher, antes de pôr fim aos seus dias, Wilson cria um contexto tão complexo como o é a realidade contemporânea. Com ricos e pobres, mafias russas e espiões da CIA, polícias corruptos e outros que o não são, pessoas que só desejariam ter o modelo de família tradicional e outras dispostas a priorizar as suas pulsões sexuais. E há, sobretudo, a vontade das instituições em atirarem para debaixo do tapete os seus vícios privados a fim de aparentarem-se inquestionáveis nas suas virtudes públicas. E tudo isso a acontecer sob o calor escaldante do verão andaluz, que só empola o lado febril de quem nele procura soluções para as questões em aberto.
Ao chegarmos às últimas páginas fica a sensação de, em muitos casos, a História não deixar pontas soltas por clarificar: mais tarde ou mais cedo elas vêm ao encontro dos que dela detinham as chaves dos segredos judiciosamente escondidos, acabando por os ver desvendados. 

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