domingo, junho 28, 2009

Janela Secreta, Jardim Secreto

Ando a ler a novela «Janela Secreta, Jardim Secreta» de Stephen King, que tem as habituais qualidades do escritor quanto à criação de um efeito de atracção no leitor para com as histórias germinadas na sua imaginativa mente.
Desta vez temos um escritor, Mort Rainey, que está a sofrer as passas do Algarve com o seu divórcio de Amy, quando lhe aparece um tipo meio bronco do Mississipi - John Shooter - a acusá-lo de plágio em relação a uma história por si escrita em 1982. Ora, embora esse irritado leitor tivesse conhecido a sua história em 1983 numa antologia envolvendo outras histórias anteriormente espalhadas por diversas revistas, Mort tem a certeza de ter redigido essa história em 1981, pelo que a acusação não tem qualquer fundamento.
Porém, ao adivinhar os propósitos homicidas do seu indignado visitante, Mort decide arranjar as provas susceptíveis de lhe tolher a fundamentação. Só que o seu agente não possui qualquer arquivo do que Mort publicara antes de ser por ele representado. E a casa, que partilhara com Amy em Derry acaba em cinzas ao ser estranhamente incendiada.
A cem páginas do fim começo a suspeitar o agente imobiliária por quem Amy trocara de afectos. De facto esse irritante Ted, além de passar o tempo a cachimbar, tem um indisfarçável sotaque sulista e acaba por confessar ter nascido em … Shooter’s Knob.
Será que, desta feita, acerto no mau da fita?

sábado, junho 27, 2009

Carminho - 'Fadinho Serrano' (Live at Campo Pequeno, Amália no Olympia) Dez. 2008

O texto de Fernando Sobral publicado no «Jornal de Negócios» constitui a melhor apresentação desta cantora de excepção:
«O Fado tem mil janelas e outros tantos espelhos. (…) Carminho aponta para as raízes mais profundas do Fado. Nos temas que canta, serpenteiam memórias antigas, que curiosamente contornam a hegemonia burguesa do Fado que tem sido visível nos últimos anos. Carminho vai mais atrás e sem se assumir herdeira de uma tradição que fazia a ponte entre o mundo popular e aristocrático, acaba por conseguir fazer-nos entender que esses dois mundos são ribeiros nascidos do mesmo rio. (…)
Poucas vozes acariciam o Fado como Carminho. A potência da sua voz alia-se a uma textura de seda, que reforça a importância das palavras. (…) A voz de Carminho sublinha as palavras e insufla-lhes vida própria, porque são elas que transpiram os sentimentos e a voz é apenas a sua mensageira.»

Um incêndio ateado

Sempre que vejo documentários sobre a América Latina recordo inevitavelmente os meses passados a costear os dois lados desse continente e a maravilhar os olhos com alguns dos cenários mais belos de quantos deparei neste planeta. Que foram muitos...
Do Peru, por exemplo, recordo a cidade de Lima em plena efervescência, quando o Sentero Luminoso tinha uma força significativa e alguns dos seus simpatizantes peroravam na praça central da cidade, convertida em speaker’s corner, por onde igualmente se exibiam malabaristas, saltimbancos, contadores de histórias e outros artistas de rua.
Num dos discursos aí ouvidos, que mais singulares me pareceram então, havia um orador a anunciar a Revolução da Poesia, mais eficaz do que a das armas e dos discursos gastos. E quem o ouvia - desde os rostos mais europeus até aos mais marcadamente denunciadores das origens índias - parecia anuir nessa visão surrealista de uma realidade ali feita de belos, mas decrépitos edifícios coloniais, bem demonstrativos de como o passado glorioso era já história registada em livros.
O exemplo mais paradigmático do Peru de então - quando Fujimori estava em vias de ganhar a sua eleição presidencial - foi o aparato de bombeiros a combaterem o incêndio num prédio de vários andares sem que acorressem a presenciá-lo os muitos pares, que na garagem do rés-do-chão, convertida em salão de baile, se iam movimentando ao som dos tangos ou das rumbas.
Esse alheamento perante um desastre ali mesmo bem presente, espelhou-me a idiossincrasia de um povo muito peculiar. Que talvez explique porque Pizarro conseguiu vencer tão facilmente o Império Inca cinco séculos atrás...

quarta-feira, junho 24, 2009

Tristes novas vos trago deste país

«Desgraçadamente, chegámos a um ponto em que qualquer pessoa, por mais inocente que esteja, e em especial se for figura pública, pode ser executada em lume brando na praça pública, num fogo assassino alimentado pela negligência da investigação e pelas sistemáticas violações do segredo de justiça, que permitem a uma imprensa sedenta de sangue e de 'sucessos' atear as labaredas da execução popular».
O texto de Miguel Sousa Tavares já tem umas semanas, mas continua actual no veredicto deste tempo nosso em que os juízes e os magistrados vão contribuindo para dar uma imagem tenebrosa da Justiça e os jornalistas parecem esquecidos das mais básicas regras deontológicas em prol de títulos de primeira página passíveis de aumentarem os volumes de vendas.
À conta de uns e de outros vamos tendo um país cada vez mais inculto e com civismo em défice, que ajuda a explicar como é possível a derrota do Governo de Sócrates nas recentes eleições europeias. Ou de como o Toni Carreira é o cantaroleiro de maior sucesso na parvónia. Para já não falar do inefável timoneiro, que nos arriscamos a ter de suportar à frente da desinspirada Europa dos Berlusconis e dos Brunis.
Que grande barrela estavam uns quantos a precisar nesta altura. A começar pela caricatura, que todas as sextas feiras vai comentando os assuntos da actualidade no pequeno ecrã com uma múmia há muito morta, mas a quem ninguém avisou do seu verdadeiro estado degenerescente…

quinta-feira, junho 18, 2009

«London River» de Rachid Bouchareb

Infelizmente é assim: há filmes de um humanismo comovente - mesmo que muito depurado na forma como explicita as suas emoções - e que não chegam sequer ao mercado português. Há tanta porcaria vinda dos estúdios norte-americanos, que é prontamente esquecida tão-só os seus espectadores saem da sala escura e exemplos destes, passíveis de sugestionarem positivamente um público alargado nem sequer é considerado como oferta possível.
«London River» tem uma história singela: em Julho de 2005, na sequência do atentado terrorista, que desnorteia a capital britânica, duas pessoas de origens muito distintas cruzam-se e acabam por se encontrar nas ruas da cidade.
Elizabeth é uma viúva da guerra das Malvinas, que procura a filha Jane, Ousmane é um velho africano há muito radicado em França, que vem à procura do filho. Um e outro sabem muito pouco sobre o que era o dia-a-dia dos seus rebentos e por isso olham-se com estupefacção ao descobrirem-se muito mais próximos do que julgariam: os jovens viviam juntos e frequentavam as aulas de árabe numa das mesquitas da cidade. Se os pais viviam em caldos de cultura quase antagónicos, os filhos já tinham dado os passos necessários para um encontro de civilizações em que as diferenças passaram a ser motivo de curiosidade, de aproximação.
O tema do filme não tem, pois, a ver com o terrorismo em si: ele funciona como pano de fundo para aquilo que mais interessa a Rachid Bouchareb demonstrar. E o que vemos é uma sociedade ainda atordoada pela dimensão da tragédia, mas em que a solidariedade assume uma dimensão concreta.
Se os dois forasteiros acabarão por sair desalentados da sua episódica visita, porquanto acabam por confirmar os seus piores receios, a experiência tê-lo-á enriquecido pela constatação prática em como, apesar de diferentes serem as suas cores da pele, as suas línguas maternas ou as suas tradições, une-os a mesma preocupação, e nisso são absolutamente iguais.
«London River» permite ainda confirmar o que já se sabia dos seus actores principais: quer Brenda Blethyn, quer Sotigui Kouyaté credibilizam o projecto do realizador sendo perfeitamente verosímeis nos seus desempenhos.

sábado, junho 13, 2009

Sócrates: a irreverente contestação do nosso contexto

A recente publicação em França de um livro dedicado a Buda, a Sócrates e a Jesus Cristo traz a oportunidade de constatar as semelhanças e as diferenças entre três mestres do pensamento ligados a correntes profundas e duradouras de interpretação da relação do Homem com o que o rodeia.
Esse contexto, que é tido como uma ilusão, algo capaz de nos afastar de uma verdade alcançável pelo trabalho interior.
Se em Buda a proposta consiste em alhearmo-nos o mais possível dessa ilusão para alcançar patamares superiores do conhecimento através da meditação, Jesus Cristo surge como paladino da erradicação da violência através da expressão de um amor divino extensível a todos os seres.
Mas dos três é Sócrates quem melhor reage a essa ilusão, questionando-a, pondo em causa todos os seus dogmas. A sua irreverência feita de uma postura assumidamente dubitativa perante todos os poderes acaba por ser a mais exaltante para a minha forma de estar na vida.
Mas não deixa de ser curioso que Frédéric Lenoir, autor do livro editado pela Fayart, faça convergir o pensamento dos três filósofos numa mesma contestação das desigualdades sociais e dos conceitos cristalizados de uma mentalidade balofa. E é esse autor do livro quem se questiona numa entrevista sobre o que pensaria Jesus Cristo do bispo brasileiro que, há uns meses, excomungou uma menina de dez anos por abortar o feto resultante de uma violação de que fora vítima.
Nesse sentido Cristo será o que, dos três protagonistas do livro, mais dúvidas suscita hoje em dia. Porque terá sido adulterada a sua mensagem pelas obsessões dogmáticas, até mesmo inquisitoriais, de muitos dos seus indignos seguidores.

quinta-feira, junho 11, 2009

HOME (Trailer)

As imagens são lindíssimas ou não tenha Yann Arthur Bertrand criado em nós a convicção de depararmos com belíssimos exemplos do que o nosso planeta melhor oferece. Mas o filme recentemente lançado consegue ser mais contundente do que o do Al Gore na criação de uma consciência ecológica com carácter de urgência.

domingo, junho 07, 2009

Le Clézio: «Ritournelle de la Faim»

Foi grande a satisfação pessoal, quando soube da notícia do Nobel atribuído a Le Clézio. Há já muitos anos, que ele constituía uma espécie de segredo bem escondido nas minhas preferências, depois de leituras tão gratas quantas as propiciadas por alguns dos seus mais de quarenta títulos.
Mais do que as viagens em si por locais muito diferentes dos da nossa condição urbanóide, cada página tinha sido a oportunidade para uma cumplicidade efectiva do leitor com os estados interiores revelados pelo autor.
Confesso que o seu último romance, «Ritournelle de la Faim» esteve longe de me propiciar idêntica magia, mas não deixa de constituir um bom exemplo de como dentro da História das guerras declaradas ou latentes, subsistem dramas muito mais eloquentes protagonizados pelos seus figurantes.
Comparados aos Hitlers, aos Churchills ou aos Estalines, esta descrição das tremendas vicissitudes por que passa Ethel desde a puberdade até à plena assumpção da sua condição de mulher adulta, é muito mais interessante. E mostra uma vontade indómita de sobreviver e encontrar a felicidade possível.
Como não nos identificarmos, então, com uma personagem, que sabe nada poder influir no curso do que se passa à sua volta, mas não deixa de esbracejar para não ser arrastada para o vórtice para onde são empurrados os mais frágeis?
A tal luz, o livro faz todo o sentido no âmbito da bibliografia do autor!

A decepção de uma noite eleitoral

O resultado das eleições europeias causa-me óbvia decepção. A derrota do Partido Socialista face a uma oposição de direita, que nunca apresentou vias alternativas consistentes, e embotada em valores mais consonantes com o milénio passado do que com os deste, representa um retrocesso evidente em relação a uma dinâmica de progresso.
Essa mesma constatação também se verifica a nível europeu aonde saem premiados os partidos defensores de um tipo de capitalismo, que a crise presente tende a denunciar como ineficiente na capacidade para criar riqueza e maior justiça social.
Paulo Rangel congratulou-se com a vitória simultânea do Sarkozy, da Merkel e até dessa coisa viscosa chamada Berlusconi. Ao reivindicar tão eloquente companhia define-se naquilo que é: um defensor do que de mais aberrante persiste em existir nesta Europa a que a crise está a conferir muito escassa lucidez.
Perante a dimensão da catástrofe - expressa em desemprego massivo e muito forte contracção da economia - esperar-se-ia uma forte penalização de quem esteve com Bush na agressão criminosa ao Iraque e, anos a fio, a incensar as virtudes do mercado desregulado.
Decidiram os eleitores europeus o contrário: quem mais tem procurado limitar os estragos de tais estratégias é que sai penalizado, com a conivência de uma certa esquerda radical para quem a satisfação maior reside na derrota dos socialistas, mesmo que à custa da vitória da direita mais troglodita.
A esquerda europeia bem precisa de repensar-se sob pena de abrir caminho a derrotas bem mais gravosas.

sexta-feira, junho 05, 2009

«A GRANDE VIAGEM DE CHARLES DARWIN»

Documentário de Hannes Schuller et Katharina von Flotow (2009, 1h30m)


Ainda que a Exposição da Gulbenkian já tenha fechado as suas portas, ainda estamos em época apropriada para continuarmos a abordar a importância do naturalista Charles Darwin na evolução do pensamento humano.
O documentário, que o Canal Arte se prepara para emitir (dia 6de Junho, pelas 19h45) irá seguir o percurso do cientista desde a descoberta de situações, que lhe aguçam a curiosidade até o ver formular a sua notável teoria.
Começamos em 1831, quando ele conta 22 anos e acaba de se formar em Cambridge. Os seus planos passam por se tornar pastor anglicano cumprindo os desejos paternos, mas depressa eles dão lugar a um projecto bem mais aliciante, que será embarcar por cinco anos no navio «Beagle», comandado pelo capitão Fitzroy, pronto para zarpar para os mares da América do Sul com o objectivo de cartografar tal subcontinente.
Logo na primeira escala, em Cabo Verde, ele descobre mais de cem espécies diferentes. E as suas descobertas não param nos espaços subsequentes: as ilhas Cocos, um atol do Pacífico, a Terra do Fogo, as Galápagos, o Chile, a Austrália…
Em todos esses locais, o jovem Darwin explora, recolhe amostras e analisa. E tais amostras são depois enviadas regularmente para Inglaterra, sejam elas vegetais e animais, hoje considerados tesouros científicos da Coroa.
É esse imenso livro de uma natureza desconhecida e sempre em mudança, que lhe dão a intuir as verdades insuspeitáveis para o seu tempo: ao contrário do que diz a Igreja, o mundo não fora criado quatro mil anos antes de J.C., mas resultara de uma longa evolução ao longo de milhões de anos.
Os suficientes para que os Oceanos se redesenhassem e os vulcões se extinguissem.
E como explicar que os tentilhões das Galápagos tenham características tão diferentes dos das suas ilhas vizinhas?
No seu diário ele escreve: « Não encontro qualquer limite para o número de alterações à beleza e à infinita complexidade das adaptações dos seres vivos uns com os outros, ligados às suas condições de vida e de acordo com o poder da selecção natural.»
Ao regressar a Inglaterra e retirado na sua propriedade no campo, Charles Darwin levará vinte e três anos a consolidar a sua vertiginosa tese concebida a bordo do Beagle.
Afirmar que as espécies não são imiutáveis não equivalerá a «confessar um crime»?
Alternando cenas reconstituídas com entrevistas aos seus biógrafos e sequências com iminentes biólogos e geólogos rodadas nos portos de escala do Beagle, o documentário conta uma das mais belas aventuras científicas da história do pensamento.

terça-feira, junho 02, 2009

UMA VOTAÇÃO PARA LAMENTAR

O que se passou na semana transacta com a votação (para lamentar) dos candidatos ao cargo de Provedor da Justiça é elucidativo sobre a arrogância do maior partido da oposição, que transformou um acto normal em democracia numa demonstração aguda de partidarite.
Como lhe competia, o Governo procurou encontrar um candidato consensual, que inviabilizaria à partida as desconfianças dos mais temerosos dos seus opositores. O Dr. Jorge de Miranda, pela sua condição de senador da Nação, co-autor do nosso texto constitucional e devotado servidor da causa pública, parecia ser um nome incontornável para garantir um quase unânime aplauso.
O que se viu a seguir foi uma das reacções mais grotescas de politiquice no seu nível mais baixo, com a oposição ao não ter em atenção a figura prestigiada em causa, mas a metodologia seguida para o candidatar.
Argumentou o PSD, que existiria uma norma consuetudinária, que lhe daria a legitimidade para indicar um nome do seu agrado. Tanto mais que os mais recentes titulares da função têm emergido da sua força política. E deixaram-se levar os demais partidos oposicionistas por idêntica estratégia de bota-abaixo quando, pela primeira vez em muitos anos, estavam criadas as condições para a eleição de uma personalidade apartidária e verdadeiramente autónoma do jogo político.
Tudo quanto se seguiu, culminando com a frustrada possibilidade de tal cargo vir a ser ocupado pelo Dr. Jorge Miranda só desabona quem preferiu a chicana política a uma concertação ditada pelo interesse dos cidadãos.
Razão tem, a esse respeito, Correia de Campos quando, numa crónica do «Diário Económico» comenta: «Forte é o líder que sabe ceder; fraco é o que se agarra ao quinhão, com o desespero dos minoritários. Demonstrou que é assim que pretende continuar.»E este fraco é, obviamente, Paulo Rangel…