terça-feira, agosto 28, 2007

Weeds Theme song

Ademais a série tem no genérico uma canção, que tanto apreciámos nas vozes de Victor Jara e de Pete Seeger...

«ERVA»: UMA SÉRIE ACIMA DAS MELHORES EXPECTATIVAS...

Os episódios sucedem-se, semana após semana, e a série não dá sinais da habitual degenerescência, que cedo ou tarde se apossa das concorrentes.
Até mesmo com os «Sopranos» ou com os «Sete Palmos de Terra» se acabava por ter aquela sensação de estar esgotada a novidade inerente à ideia de base da série e surgirem episódios só para cumprir calendário, tornando redundante o que para trás fora ficando.
Com «Erva» isso ainda não ocorreu: continua a despertar-nos o interesse essa luta quotidiana de Nancy pela sobrevivência da família, mantendo o estatuto de classe média mediante o seu ofício de traficante de droga. Espreitando ao mesmo tempo para os demais personagens, muito distantes das ideias estereotipadas utilizadas pelos argumentistas para rodear os seus protagonistas. Sem esquecer de atirar umas alfinetadas certeiras na clique de Bush: num dos episódios de hoje, por exemplo, recorda-se, para quem o esqueceu, o incidente pelo qual Dick Cheney alvejou um amigo a tiro…
Já começa a ser uma curiosidade pessoal a de aferir até onde conseguirá chegar a imaginação dos criadores da série...

domingo, agosto 26, 2007

Indochine- J´ai demandé a la lune

O rock francês de hoje é-nos quase desconhecido. Mas aqui fica um bom e memorável exemplo de como é imerecida essa quase indiferença...

sábado, agosto 25, 2007

Folia || SIC Jornal da Noite || Teatro TapaFuros

Na Quinta da Regaleira a noite foi de folia. Propôs-se a redenção dos pecados, o ressurgimento da lusitanidade sob a égide de Agostinho da Silva, mas também sob inspiração de Camões, de Fernando Pessoa, do Padre António Vieira e até de Gil Vicente.
Ideologicamente ambíguo, mas agradável enquanto entretenimento para uma cálida noite de Verão...

quinta-feira, agosto 23, 2007

Terrorismo, Milho Transgénico e Jornalismo de Sarjeta

Vai por aí uma intensa campanha mediática contra os jovens, que julgavam estar a protagonizar uma acção de sensibilização da opinião pública contra os perigos do milho transgénico e acabaram por ser apodados de terroristas, de violadores da sacrossanta propriedade privada.
O que espanta na forma como a generalidade dos jornais e das televisões trataram do assunto foi a incapacidade para se distanciarem do tratamento mais óbvio - o da condenação do acto como algo de disparatado - e aproveitarem para evocar algumas das cautelas tomadas em meios científicos conceituados quanto ao custo-benefício deste tipo de produção agrícola.
A opção por más práticas agrícolas já deu grandes manchetes de jornais: quem já esqueceu o problema da Encefalopatia Espongiforme Bovina, que ainda vai causando algumas mortes, inclusive no nosso país?
E, no entanto, as rações com produtos provenientes de cadáveres de animais até era suposto vir a acarretar melhor produtividade nas explorações agrícolas, não era?
Ou, pegando noutro exemplo, quando a antiga URSS decidiu produzir toneladas de algodão nas margens do Mar de Aral, o objectivo era ultrapassar os propagandeados planos quinquenais: o sucesso dos povos soviéticos estava dependente de sempre maiores produções industriais e agrícolas. O resultado é conhecido: um crime ecológico, que reduziu esse Mar interior a uma pálida sombra do que fora e a miséria das populações, que sempre tinham vivido do peixe nele pescado.
Estes dois exemplos de como objectivos de produtividade dão lugar a lamentáveis tragédias humanas aconselhariam prudência no recurso a novas experiências inovadoras. Sobretudo, quando elas derivam da avidez de lucros de uma multinacional norte-americana - a Monsanto - que se tem distinguido por formas muito pouco escrupulosas de se impor no mercado a nível mundial. Mais do que nunca importaria aguardar por mais rigorosos testes científicos para depreender as consequências dos Organismos Geneticamente Modificados na saúde das populações, que os venham a consumir, e no equilíbrio ecológico das espécies usualmente presentes no habitat por eles alterado.
O cinismo com que esta questão foi tratada nos media está, igualmente, bem demonstrado na apresentação do proprietário da quinta vandalizada como um pobre coitado, que vive da sua produção para alimentar a família. Ora, lê-se nos jornais, que ele ficou sem 1 hectare de uma seara de 51. Ou seja, ele tem uma produção expectável de cerca de 200 mil euros, dos quais ficou sem perto de quatro mil. Ora, numa análise de risco, a perda de menos de 2% de uma produção não é algo de perfeitamente enquadrável numa expectativa bastante favorável?
É triste constatar a justeza do ministro Santos Silva, quando dizia há algumas semanas, que se produz um jornalismo de sarjeta em Portugal.
Este triste episódio tende a dar-lhe razão...

quarta-feira, agosto 22, 2007

Jacek Laszczkowski - Amarilli, mia bella

Eram vozes celestiais, as dos castrati. Conseguidas á custa de terrível sacrifício...
Um século depois da morte do último desses infelizes, os contratenores dão-nos uma ideia do que resultava, em emoção, dessa sonoridade de excelência. À custa de uma grande dedicação a uma técnica de canto com grandes apreciadores...

Na herança dos castrati

Jacek Laszczkowski estudou clarinete na Faculdade de Música de Bialystok (Polónia) antes de começar os seus estudos de canto na Faculdade de Música Frederic Chopin, em Varsóvia, após os quais se aperfeiçoou na Academia Rossini de Pesaro. Paralelamente à sua aprendizagem, estreou-se como Ernesto (Don Pasquale), em Viena e Belmonte e em O Rapto do Serralho, na Ópera de Câmara de Varsóvia. Em 1991 ganhou o Concurso Internacional de Canto de Vercelli, dedicado a Rossini.
Jacek Laszczkowski começou então a ser convidado para os grandes palcos da Europa, participando na produção de Ermione (Rossini) no Queen Elizabeth Hall. Cantou em Semiramide (Rossini), no Festival de Ópera de Pesaro, sob a direcção de Roger Norrington; Caritea, Regina di Spagna (Mercadante), no Festival della Valle d'Itria, em Itália; Le Jouer (Prokofiev) no Scala de Milão, entre outras óperas.Jacek Laszczkowski apresenta-se regularmente em concertos por toda a Europa e participou em diversas emissões televisivas e radiofónicas, bem como em gravações discográficas. Em 1998 fez a sua grande estreia em França, em Catone in Uttica de Vivaldi, sob a direcção de Jean-Claude Malgoire, com quem gravou um disco de árias de castrados (Vivaldi, Hasse, Händel) para a Astrée-Auvidis.
Na temporada de 1999-2000, Jacek Laszczkowski interpretou o papel de Eumète (Il ritorno de Ulisse in patria) e Nerone (L'Incoronazione di Poppea). Foi convidado por Michel Plasson para integrar o naipe de solistas de Carmina Burana, com a Orquestra Nacional do Capitólio de Toulouse. Na temporada de 2000-2001, interpretou L'Incoronazione di Poppea no Thêàtre de Champs-Elysées e Cattone in Uttica na Ópera Cómica de Paris, com Jean-Claude Malgoire. Voltou a interpretar Carmina Burana, com a Orquestra de Colónia, na Salle Pleyel. Foi então convidado por Eve Ruggieri para dois concertos no Festival de Antibes (Il Viaggio de Rossini e um concerto de árias de ópera para tenor e contratenor), um concerto dedicado a Bernstein no Festival de Cagnes-sur-mer (em duo com Julia Migenes) e um concerto no Festival de Chartres, com Jean-Claude Malgoire.
Jacek Laszczkowski apresentou-se na estreia de uma ópera do compositor holandês Martijn Padding, no Festival de Outono de Varsóvia, seguido de participações nos Festivais de Berlim e Nova Iorque e nas Óperas de Amsterdão e Haia.
Na Ópera Nacional de Varsóvia, interpretou uma obra do compositor polaco Pavet Hylnityn. Estreou-se na Ópera Nacional de Munique com L'Incoronazione di Poppea.
Jacek Laszczkowski desenvolve paralelamente uma carreira no cinema e na televisão. Já participou em dois filmes de Krysztof Zanussy: L'Ame qui chante e Le Frère de Dieu. Interpretou recentemente o papel do lendário tenor polaco Jan Kupura, num filme sobre a sua vida intitulado Spiewaj (Canta!). Este filme será objecto de uma série televisiva de oito episódios.

sexta-feira, agosto 17, 2007

Um dia perfeito

É clro que no album «Transformer» a canção não aparecia assim, mas os anos só a melhoraram.
E o Amor continua a ser isto mesmo: dias perfeitos em que nos conseguimos julgar melhores do que, efectivamente, somos...

LOU REED: «TRANSFORMER»

Em 1972 Lou Reed já deixara para trás a sua ligação à Factory de Andy Warhol. Os Velvet Underground, que ele integrara juntamente com John Cale, Sterling Morrison, Mo Tucker, Angus MacAlise e a famosíssima Nico, não aguentariam a sua deserção. E o pai espiritual desse ninho de criadores, ademais atingido pelos tiros de uma das suas discípulas, não voltaria a ter quem traduzisse em sons os seus conceitos artísticos.
Lou atravessaria o Atlântico e aportaria a Londres, aonde David Bowie, então em pleno auge do sucesso com a sua personificação de Ziggy Stardust, o produz.
O que sai então é um dos álbuns mais marcantes desses anos: «Transformer».
É o álbum de «take a walk to the wild child», que tinha muito a ver com os transexuais e travestis, que costumavam dar um tom de excentricidade à Fábrica. Ou de «A Perfect Day».
Apesar de desafectado do cenário nova-iorquino, Lou Reed recorda as histórias e os diálogos, que tinham iluminado os seus dias e noites nos últimos anos dos anos 60. Quando o mundo parecia estar em acelerada mudança e as pequenas histórias de gente sem cheta valiam como símbolos de utopias, que não estavam então desarticuladas.
Porque nem sequer o sonho americano o acalenta, Lou Reed descreve a realidade em tons soturnos. Aos engenheiros de som, que lhe misturam os efeitos da mesa de estúdio ás palavras, ele pede para realçarem precisamente tal cinzentude.
Porque, enquanto os outros criadores faziam canções xaroposas sobre o amor, Lou Reed privilegiava o abandono, o ciúme. Jogando com as palavras num tipo de poemas, que deixam as suas significações em aberto, e agradável de se ouvir sem a bengala da música.
É por tudo isso, que «Transformer» é um álbum emblemático desses anos 70, sobretudo quando sabemos quanto esses anos marcaram o fim de uma certa forma de inocência.
E que permanece actual, como se o tempo não houvesse vincado nele as suas marcas...

quinta-feira, agosto 16, 2007

AS VIAGENS DO SENHOR FREUD

Sigmund Freud adorava viajar. Uma cidade desconhecida ou um cenário estranho, eram para ele uma porta aberta para o seu íntimo. Uma espécie de espelho da alma.
Por isso mesmo, Freud passará a vida a cirandar de um lado para o outro. Sobretudo para dar satisfação à sua vocação de arqueólogo amador, já que as ruínas antigas remetiam-no para os paraísos perdidos, para essa ancestralidade condicionadora de muito do que cada homem é, sem dela tomar consciência.
Fascinado pela descoberta de si mesmo, Freud sentia-se diferente quando regressava desses périplos, melhor conhecedor das forças telúricas, que se digladiavam no seu inconsciente.
Obcecado pela organização, o médico vienense planeia ao pormenor as suas deslocações. No Verão parte com a família para a montanha, aproveitando para grandes passeios em que Anna, a filha dilecta, é a única a conseguir acompanhá-lo.
Depois parte para Itália. Com o irmão, com algum amigo mais chegado, com a cunhada ou com essa filha arvorada em discípula. Ali procura a confirmação do que fora pressentindo nas suas leituras nos meses anteriores.
Procura os sítios arqueológicos, espantando-se com as suas ruínas em verdadeiras viagens de apropriação do legado cultural da Antiguidade Clássica ocidental.
Mas Roma intimida-o, levando-o a adiar a sua descoberta por alguns anos, acabando por concluir a existência de um freio inconsciente a essa intenção: ali reside o Papa, a personificação do pai. E ele deseja penetrar a cidade-mãe, sentindo nisso algo de proibido.
Quatro sonhos sobre Roma, enquanto personificação do Eterno Feminino, convencê-lo-ão dessa tese. O que não o impedirá de arriscar a viagem, quando tem 46 anos. E de lamentar não ter aí ido mais cedo, como escreve a Martha.
Essas cartas, redigidas várias vezes ao dia, parecem servir de compensação ao seu temor de punição. Como se estivesse a repetir os passos de Aníbal, o chefe cartaginês, que desejara destruir Roma, para vingar a derrota do pai, acabando por sua vez vencido!
Ateu convicto - embora sem nunca renegar as suas raízes judaicas - Freud só se incomoda com o folclore cristão em torno do Vaticano. Que o levam, no entanto, a encontrar a demonstração das suas teorias sobre a origem dos fenómenos religiosos: todos os homens são seres incestuosos em potência, que desejariam possuir a mãe e matar o pai. A sociedade arranjara assim uma forma de evitar esse desiderato instintivo: a idolatria da figura paterna sob a forma de um Deus terrível na sua austeridade, castigador de todos os inconfessáveis «pecados»…
A religião é a Lei, a ferramenta de recalcamento do desejo de incesto. Se até Jesus morre a pedir perdão ao pai pelos seus pecados!
Pompeia é, também, outra descoberta muito gratificante: as ruínas apreciadas na sua pureza original é o símbolo do que fora recalcado. Porque adivinhava-se na cultura da sua população um hedonismo, que a natureza reprimira…
Noutra viagem, entre Trieste e Atenas, ele e o irmão serão tomados de inexplicável incómodo: afinal ambos conheciam a intenção do progenitor de ambos em conhecer a capital grega sem nunca a ter conseguido concretizar … Agora os filhos sentiam-se condicionados pela culpa de ultrapassarem o pai, de alcançarem o que nem sequer ele conseguira possuir…
Pouco a pouco, toda a teoria sobre o complexo de Édipo vai ganhando consistência…
Na sua faceta política, a psicanálise surge, cada vez mais, no seu potencial subversivo, porque remete para a revolta contra o Poder, personificação do pai. Porque com o derrube do Rei ou do Imperador, a instituição da democracia inscreve cada cidadão no seu próprio desejo de realização pessoal…
Mas o próprio Freud acaba por ser uma espécie de pai para os seus seguidores. Que lhe sofrem os azedumes, como sucedeu com o húngaro Sandor Ferenczi, cuja homossexualidade latente, traduzida numa natureza muito feminina, o exaspera durante a viagem à Sicília…
As viagens de Freud tornam-se mais raras, quando se detecta um cancro no seu palato, logo expandida para o maxilar. Mas ainda volta a Roma para uma viagem derradeira à Cidade Eterna. Nela reconhecendo a que melhor reflecte a sua vida interior…

quarta-feira, agosto 15, 2007

1492 - Conquest of Paradise

Para além de ilustrar superlativamente a história de Cristóvão Colombo, a música de Vangelis ilustrou uma das mais brilhantes vitórias do Partido Socialista.
Por isso mesmo vale a pena recordá-la enquanto mensagem liminar de nunca a luta política dever desassociar-se do objectivo da conquista do paraíso na Terra...

A Última Viagem de Cristóvão Colombo

Na História aprendida na escola ficámos a saber da responsabilidade de Cristóvão Colombo na descoberta da América em nome dos Reis Católicos, depois de ter sido mal sucedido a propor o seu projecto a D. João II.
Depois nada mais nos foi contado…
O filme de Marc Brasse tem o mérito de nos dar a descobrir o que ocorreu com o navegador depois desse sucesso inicial. Descobrimo-lo, pois, a partir do sul de Espanha em 11 de Maio de 1502 para a que seria a quarta e sua última viagem ao continente americano.
O objectivo continuava a ser o mesmo: descobrir o caminho marítimo para um acesso mais facilitado às riquezas dessas prometedoras Índias Ocidentais.
Mas o seu prestígio estava em declínio: tendo perdido os favores dos Reis, ele está crivado de dívidas e aposta nessa viagem toda a sua reputação e riqueza. E acontece o fracasso total…
Por um lado as caravelas por ele afretadas já andaram no mar por demasiado tempo e a madeira dos seus cascos acaba por se revelar demasiado frágil para resistir às bactérias, que os irão corroendo.
Depois de tempestades, naufrágios de duas dessas caravelas, de motins da tripulação, de confrontos com os índios e de doenças sem cura, os sobreviventes da expedição regressam aos portos andaluzes em 7 de Novembro de 1504.
Colombo veio muito fragilizado e não resistirá sequer dois anos. Quando morre, quase ninguém atribui importância ao facto. Só vinte anos depois é que o reino de Castela e Aragão dará relevância à descoberta do genovês.
Mas o filme não se restringe à história do navegador: na costa panamiana descobriram-se vestígios do que poderá ser um dos navios naufragados de Colombo.
Os arqueólogos marinhos bem procuram confirmar essa hipótese, mas acabam por ceder à (falta) de vontade política das autoridades do país, que veda investigações mais aprofundadas desses destroços já misturados com os corais, que os tornaram uma massa informe e quase imperceptível para os leigos...

quinta-feira, agosto 09, 2007

«A Comédia do Poder» de Claude Chabrol

E há administradores, que nem têm noção do mundo virtual onde usufruem dos seus previlégios...

A Comédia do Poder

E Chabrol não desiste de transformar o mundo à luz dos ideais utópicos, que muitos parecem ter esquecido...

«A COMÉDIA DO PODER» de CLAUDE CHABROL

Se consequência houve da queda do Muro de Berlim, a da falta de despudor da burguesia na defesa dos seus interesses mais egoístas é um dos mais óbvios.
Começando por, à frente do Sector Empresarial do Estado, tudo fazer para que ele desse prejuízo, criou o caldo de cultura mais adequado para a defesa da privatização sempre no pressuposto de se criar mais riqueza passível de ser aproveitada pela maioria.
A forma como o finado Champalimaud demonstrou que isso era uma falácia ainda perdura nas memórias: tão só recuperado o seu império bancário logo o vendeu aos espanhóis, desiludindo quem acreditava nas balelas de haver sintonia entre o Capital e o conceito de Pátria.
Na linha dessa privatização obsessiv
a entregaram-se jornais e televisões a essa camada social, que logo a utilizou como veículo de disseminação das mensagens ideológicas mais consonantes com os seus interesses. E a populaça foi caindo no desemprego e na maior miséria, rindo das parvoíces de apresentadores e trauteando canções pimba sem compreender como se ia perdendo no labirinto das suas ilusões.
O futebol e o fado iam fazendo o resto, associados à inevitável Senhora de Fátima, para quem acorrem os aflitos sem quem mais a quem pedirem conforto…
Estamos num tempo em que uma minoria cada vez mais arrogante abocanhou o poder e o dinheiro, deixando a imensa maioria afundada em precários esquemas de sobrevivência.
É contra essa realidade - hoje globalizada à excepção das pequenas aldeias dos irredutíveis seguidores de Hugo Chavez - que Claude Chabrol filmou «A Comédia do Poder». Foi no ano transacto, quando já assentara a poeira sobre alguns mediáticos casos de corrupção entre os políticos e os empresários franceses ligados aos interesses do petróleo.
Não querendo senão conotar a sua história com uma realidade bem conhecida da opinião pública, o realizador vai metamorfosear Isabelle Huppert numa pertinaz juíza, apostada em sabotar os esquemas de corrupção dos principais executivos de empresas estatais, que consideram perfeitamente normal usar o cartão de crédito da empresa para as suas avultadas despesas pessoais, incluindo para as suas efémeras amantes.
Jeanne Charmant Killman vem de uma camada social bastante abaixo da sua presente condição e assume-se como uma espécie de vingadora decidida a fazer dos seus suspeitos os potenciais exemplos de uma forma de redenção. Em tempos terá sido criada em casa da família Charmant acabando por casar com o seu herdeiro designado, para o efeito obrigado a uma ruptura dolorosa.
Esse conjugue nunca aceitará de ânimo leve esse militantismo de Jeanne contra a sua classe, acabando por sair vitimado dessa acção, seja porque terá buscado no suicídio a saída para o impasse dessa relação amorosa, seja por ser o elo mais fraco na vida pessoal da juíza e, como tal, o mais a jeito para lhe lançar um aviso sobre as consequências dos seus processos.
Chabrol evidencia esse conluio promíscuo entre senadores da República e administradores de empresas com contas em paraísos fiscais à mistura, destinadas a alimentar a cupidez de políticos africanos sem escrúpulos.
É claro que o alcance da investigação de Jeanne vai ser limitado pela capacidade de contenção dos seus inimigos. Nesse sentido, há algo de quixotesco na perseguição dela a uma certa verdade incómoda.
Credível na sua tese, Chabrol acaba por denunciar uma injustiça, que só um outro tipo de sociedade poderá eliminar. Uma sociedade em que o mercado não seja uma inevitabilidade, em que a opinião pública seja estimulada para o conhecimento e a beleza artística. Aquela que, por exemplo, Eduardo Serra buscou ao fotografar este título do grande mestre francês.

Flower Duet - Lakmé

E para que não fiquemos sem a interpretação de referência do Dueto da Flor aqui fica a de Joan Sutherland...

quarta-feira, agosto 08, 2007

BARENBOIM IN BUENOS AIRES

No concerto desta noite na Gulbenkian a programação foi outra. Mas ficou a sensação de que a movimentação de Daniel Barenboim à frente da Orquestra deve sempre algo aos gestos decididos dos porteños a dançarem o tango...

A WEST EASTERN DIVAN ORCHESTRA NA GULBENKIAN

Ao levantar-se toda a Orquestra para agradecer os aplausos, a parede traseira do palco da Gulbenkian foi descendo, qual muro a ruir perante a comunhão das almas em torno da música: a nível simbólico, que melhor expressão cenográfica poderia ser arranjada para situar o projecto lançado em 1999 por Daniel Barenboim e por Edward Said para apressar a cultura de paz no Médio Oriente?
A história é conhecida: da conjugação de instrumentistas árabes, israelitas e europeus (sobretudo espanhóis, já que a nossa vizinha Andaluzia teve papel de realce no financiamento do projecto), surgiu a West Eastern Divan Orchestra, que tem levado a melhor música clássica aos mais variados públicos internacionais. A lógica é óbvia: se se conseguem colocar pessoas de culturas tidas por antagónicas a soarem harmoniosamente sob a batuta de um maestro conhecido pelas suas preocupações antibelicistas, não sobram razões para descrer da perenidade dessa guerra omnipresente em Telavive, em Jerusalém, em Haifa, em Ramallah ou em Hebron...
Esse objectivo tão generoso suscita simpatia, sentindo-se a imediata empatia do público para com a Orquestra.
Mas Barenboim não recorre às opções mais fáceis, escolhendo peças muito diferentes das habitualmente escutadas nas temporadas ou nos festivais de música erudita.
No espectáculo de hoje começou-se pela Abertura «Leonore III», opus 72c, que constitui uma das menos utilizadas formas de se iniciar a Ópera «Fidélio» de Beethoven.
Foi, em seguida, a dodecafonia de Arnold Schönberg nas Variações para Orquestra, opus 31, que é de leitura algo indigesta para um público afeiçoado à harmonia.
E concluiu-se, enfim com a Sinfonia nº 6 (a «Patética») de Tchaikovsky, a derradeira por ele composta antes do seu suicídio em 1893,e já elucidativa quanto ao estado turbulento da dilacerada personalidade do compositor.
Uma palavra, enfim, para a direcção do mentor do projecto: magistral a forma como comanda todos os músicos sem recurso à pauta e como dança energicamente no pequeno estrado de costas para o público...