terça-feira, julho 27, 2010

VIRGINIE BARRÉ de Joelle Oosterlinck (2010)


Nascida em 1970, Virginie Barré distribui a sua criatividade pelo desenho, pela escultura, por animações e por instalações.
No atelier dividido a meias com o seu companheiro, o também artista Bruno Peinado, ela reivindica a simplicidade na escolha dos materiais. Abordando a vida quotidiana do ponto de vista de uma mãe de família. Que pode ser bastante inquietante ou não seja Hitchcock uma das suas principais referencias numa ambivalência entre o sonho e a morte.
Numa das suas instalações mais polémicas  utiliza manequins de crianças, que não se percebe se estão mortas ou vivas.
Noutra, as paredes da sala estão pintadas de vermelho, há um manequim a representar uma mulher suspensa do tecto com uma mancha de sangue por baixo aonde aterraram, entretanto um par de sapatos.
Em síntese, na obra de Virginie Barré denota as influências da cultura popular, da banda desenhada e da série B.

NIGER de Jean Bernard Andro (2009)

O Niger atravessa toda a África ao longo dos seus 4200 quilómetros de extensão.
Focalizado no território do Mali, o documentário mostra-o como fonte de vida e inspirador de muitos ritmos e cerimónias de celebração dos seus espíritos. A unirem todas as etnias…
A dos pescadores é a bozo e toda a sua cosmogonia é aí representada nessas festas, cujas origens se situam nos confins das memórias dos mais velhos de entre os mais velhos. Numa delas surge uma rainha das águas, meio mulher,  meio peixe.
É pelo rio que os utensílios em barro criados numa das mais singulares aldeias das suas margens chegam aos seus compradores. As oleiras perpetuam a sua tradição de mãe para filha numa aldeia em que jamais se viu um homem a trabalhar o barro.
Djenné, uma das cidades mais conhecidas do Mali, é uma cidade em terra crua.
Considerada Património Universal da Humanidade ela espanta pela sua arquitectura aonde não há qualquer utilização de tijolos ou de cimentos. Mas é, igualmente, agradável a convivência pacífica entre um islamismo tolerante e um animismo bastante popular. De negativo apenas a inexistência de sistema de esgotos.
Entre 1984 e 1992 uma grave seca alterou profundamente a paisagem. Sobretudo a comunidade piscatória sofreu muito com essa mudança. Mesmo considerando-se detentores dos segredos do rio, estipulando quais os tabus a não transgredir para não irritar os génios do rio.
Os que deixaram a actividade da pesca, dedicam-se agora a uma actividade inquietante para quem teme pelos equilíbrios do rio: a extracção de areias destinadas à construção civil.
No contraste entre a beleza da paisagem e a vulnerabilidade das populações, o Niger tem incerto o seu futuro. Estando em causa um grande risco de sobrevivência para as suas populações.

domingo, julho 25, 2010

OTOBONG NKANGA de Coraly Suard (2006, 26 min)


A série «A Arte e a Maneira», que o canal franco-alemão ARTE dedica à criatividade contemporânea, é tão desigual quão distintas são as preocupações e os conceitos dos que aí são divulgados.
Otobong Nkanga é uma artista nigeriana nascida em 1974, que assume as suas criações com objectivos militantes no seio de uma sociedade aonde ser mulher e negra corresponde a factores de segregação inaceitáveis.
Na primeira linha dos seus inimigos de estimação estão as companhias petrolíferas, que espoliam as riquezas naturais do seu país, sem que a população ganhe alguma coisa com isso. Como sucede com o povo ogoni, cuja miséria só se acentuou desde que viu o seu espaço invadido pelas plataformas de prospecção. Que não cuidam sequer de eliminar a intensa poluição relacionada com a sua actividade.
Seja com os seus desenhos, com os seus vídeos ou com as suas performances, Otobong Nkanga começa a ser nome de referência da arte africana um pouco por todo o lado.

Livro: CADERNOS AFEGÃOS (1) de Alexandra Lucas Coelho

Em 2008 Alexandra Lucas Coelho voltou a confirmar porque é uma das mais ousadas jornalistas lusas ao passar umas semanas num Afeganistão ainda em estado de catástrofe causado pelas sucessivas guerras aí incessantes nas últimas décadas.
Apesar dos sérios riscos de ser mulher e ocidental num espaço aonde uma e outra condição constituem razão para se ser raptada, violentada, assassinada, Alexandra assumiu o projecto como a oportunidade para ir mais além do que os lugares comuns tão divulgados pelos media e mostrar o outro lado - mais credível - da realidade em causa.
As primeiras impressões são de curiosidade, mas também de consolidação de uma ideia: o ar que se respira em Cabul é um dos mais poluídos do mundo, obrigando as pessoas a protegerem-se com máscaras cirúrgicas. Por efeito dos esgotos a céu aberto e do lixo acumulado e jamais removido. E, no entanto, no meio de tal desvio aos padrões de limpeza ocidentais, há quem trate as suas roseiras com um enorme desvelo. Por isso as rosas de Cabul conseguem ser ainda mais belas do que quaisquer outras rosas existentes alhures.

sexta-feira, julho 23, 2010

Filme: TAKING OFF de Milos Forman

Em França anda novamente pelos cinemas o primeiro filme rodado por Milos Forman nos Estados Unidos.
«Taking Off», assim se chama, foi rodado em 1971, quando o movimento hippie estava no seu auge. Razão para desconfiar de como se encontra datada essa história de um casal convencional decidido a encontrar a filha, saída de casa em ruptura com o seu estilo de vida, e afinal rendidos aos mesmos valores de amor livr e de muitas experiências alucinatórias.
Filme característico de uma época influenciada pelas efémeras promessas do Flower Power, «Taking Off» é uma sátira social sem outra ambição, que não seja a de abordar o fosso cultural entre os pais e os filhos hippies.
Este primeiro ensaio do refugiado político checoslovaco aposta mais no humor cáustico do que na sua força plástica, resultando num documento corrosivo sobre um período de euforia, logo expresso na cena inicial, quando dezenas de candidatos procuram vencer um concurso dedicado à musica folk e contestatária com temas de uma desarmante ingenuidade.
Na altura, Milos Forman explicava o objectivo da sua obra: «Eu e o Jean Claude Carrière decidimos fazer um filme sobre os hippies americanos. Alugámos uma casa em Nova Iorque e pusemo-nos a ouvir histórias sobre eles. Mas quando os íamos observar, achávamo-los incrivelmente aborrecidos: só fumavam, dormiam e mendigavam. O verdadeiro drama estava nos pais dessas crianças em fuga. Acabámos por nos decidirmos a um filme sobre eles.»
O filme vai, pois, derivar da jovem fugitiva Jeannie Tyne para os seus pais, em particular esse pai, Larry Tyne, que é um burguês maníaco depressivo. É ele quem melhor representará essa transição de um mundo autoritário para outro mais livre, apesar de comprovar a ruína do seu equilíbrio familiar.
De comum com a obra restante do realizador essa tendência para abordar agentes de uma revolta idealista, que acabam como vítimas dos sistemas por eles contestados.

quinta-feira, julho 22, 2010

Livro: THE DOGS OF RIGA (1) de Henning Menkell

Numa noite de tempestade um pequeno arrastão envolvido em contrabando com a antiga Alemanha de Leste cruza-se com uma balsa aonde jazem dois corpos.
Não se querendo comprometer com tão estranho caso, os dois homens arrastam a balsa até mais perto da costa sueca e voltam a deixá-la à deriva.
Ao chegarem a terra um deles faz uma chamada anónima para a polícia, que confirma a justeza do testemunho, quando uma mulher, que passeava o seu cão numa praia, encontra essa embarcação salva-vidas.
Wallander, o inspector da polícia de Ystad, lidera a investigação acompanhado pelo jovem e ambicioso Martinsson e pelo discreto e eficiente Svalberg. Ainda assim ele sente saudades de um antigo parceiro recentemente falecido, que constituía uma espécie de referência do que ele entende a postura mais adequada para a sua função.
Aquilo com que conta para chegar a alguma conclusão é muito pouco: os dois assassinados eram homens de cerca de trinta anos, tinham sido barbaramente torturados, antes de executados com tiros nos corações e posteriormente enfiados em fatos de cerimónia.
Mas a questão que se coloca a Wallander é o porquê de terem sido assim deixados à deriva no alto mar em vez de simplesmente enterrados ou afundados com pesos nos pés, aonde não voltassem a ser descobertos. Haveria, pois, uma intenção do ou dos assassinos para que fossem assim encontrados.
Mas, o romance não se cinge ao crime em si e ao seu esclarecimento. O próprio personagem de Wallander  constitui muito do interesse da prosa de Menkell.
Melancólico, vive aperreado por diversas preocupações. É o pai pintor, que está a avançar irreversivelmente no seu Alzheimer. É o casamento desfeito com Mona desde há um ano tendo sido ele o abandonado. É a filha a estudar em Estocolmo, dizendo-lhe estar tudo bem, mas sempre a justificar a dúvida quanto à probabilidade de se repetir a tentativa de suicídio por ela ensaiada aos quinze anos. E é a toupeira existente dentro do seu departamento, capaz de ir soprando para a imprensa mais sensacionalista o que ele desejaria reservar enquanto dados imprescindíveis para o sucesso do seu trabalho.
Motivos, que chegam e sobram, para ele despertar uma noite com a sensação de estar a sucumbir a um ataque cardíaco, hipótese não confirmada nas urgências do hospital local. Ou para ceder ao convite de uma empresa importante para dela se tornar responsável pela respectiva segurança.

sábado, julho 10, 2010

Livro: «DISSE-ME UM ADIVINHO» de Tiziano Terzani

Estando a entrar para as últimas cem páginas do imenso livro das viagens empreendidas pelo repórter italiano durante o ano de 1993 -quando decidiu acatar o conselho de um adivinho em como não deveria viajar de avião nesse período - continuo a confrontar-me com uma apreciação muito crítica dos países «socialistas» da região: China, Vietname, Camboja,…
Em todos Terzani vê imperar a avidez pelo dinheiro, a corrupção, a miséria, a prostituição. O que denota o fracasso de tais projectos políticos.
Mas, paradoxalmente, Terzani acaba por confessar alguma nostalgia da ingenuidade com que aquelas pessoas encaravam a vida antes da sua acelerada ocidentalização.  Época em que muitos dos efeitos perniciosos do capitalismo ainda não as teriam contaminado.
O livro acaba, pois, por colocar um dos grandes dilemas deste período histórico: se as formas até agora ensaiadas de comunismo ainda não conseguiram ser bem sucedidas - redundando em regimes só formalmente de esquerda, mas com estratégias o mais neoliberais possíveis - o capitalismo também está a mostrar não ser melhor sucedido.
Os adivinhos, que Terzani vai consultando sem conseguir o convencimento quanto aos seus poderes especiais, também de pouco serviriam para dar a melhor resposta para a questão que, em tempos, Lenine se colocou: «Que fazer?».

quinta-feira, julho 08, 2010

Filme: «PÂNICO EM HOLLYWOOD» de Barry Levinson

Como poderá Ben (Robert de Niro) escapar ao pânico, que o leva a passar os dias num autêntico frenesim?
Produtor de Hollywood, ele até integra a capa da Vanity Fair sobre os 30 principais nomes dessa classe profissional. Mas as coisas estão longe de lhe correr bem: o visionamento do seu filme mais recente, «Ferozmente», corre pessimamente com o público a reagir muito negativamente à cena final em que um cão é barbaramente assassinado. E o realizador, o britânico Jeremy, quer evitar ao máximo qualquer interferência na sua criatividade.
Outro problema tem a ver com a figura de Bruce Willis, demasiado careca e com exagerada barba, para que os donos dos estúdios aceitem prosseguir com tal produção. E Ben tem de condicionar ao máximo o actor para que retire a barba.
Mas a própria vida familiar está um caos: a ex-mulher parece ter um amante, que ele procura identificar, enquanto a filha do seu casamento anterior tinha, apesar dos seus 17 anos, uma ligação afectiva e sexual com um agente  acabado de se suicidar.
As coisas até se parecem compor: Bruce Willis corta a barba e Jeremy aceita alterar o final cut do filme. Mas, já em Cannes, Ben constata que, pelo contrário, o britânico ainda o tornara mais repelente. Acaba abandonado na cidade francesa, depois da dona do estúdio lhe negar o regresso no seu avião particular.
Na capa da célebre revista, Ben acaba por ser relegado para a mais recuadíssima fila da sala. Aquela que prenuncia um irreversível crepúsculo. Apesar de ter tantas pensões de alimentos por pagar.
O filme, apesar de explicito sobre o ambiente competitivo de Hollywood, não consegue descolar da sensação de ter vedetas a mais para um argumento algo serôdio.