sábado, maio 26, 2007

A favor da Ota

A campanha anti-Ota continua em força. O lobby dos interessados em construir o novo aeroporto na margem sul garantiu apoio dos principais jornais e televisões e quer impor uma alternativa, que não conseguira vincular na altura dos estudos fundamentadores da decisão.
Não lhes interessa, que a nova localização proposta esteja mesmo por cima de um lençol freático fundamental para toda a Península Ibérica num dos recursos naturais mais relevantes no futuro. De nada lhes importam os compromissos estabelecidos com Bruxelas para almejar esse empreendimento.
Já lhes poderão interessar os valores das portagens, que não deixarão de ser cobrados aos milhões de passageiros, obrigados a recorrer à travessia do Tejo para chegarem a Lisboa.
Já lhes poderão interessar, derrotados outros projectos financeiros, que fique facilitada a viabilização dos investimentos turísticos, que se preparam para desfigurar completamente toda a Península de Tróia.
Para quem conhece a localização proposta - e no caso pessoal até vivo no tal deserto, que o ministro Mário Lino designou - é óbvia a constatação de um maior número de dias de nevoeiro por ano do que se passa a norte do rio.
E as acessibilidades já estão praticamente construídas se a opção for a Ota ao contrário do que se passará com o Poceirão ou o Rio Frio.
O que os contestatários de hoje - ontem silenciosos, ou até apoiantes da opção pela Ota - podem estar a criar é um conjunto de bloqueios, que prejudicarão gravosamente o país.
Tal como no país vizinho a oposição de direita criou uma estratégia de terra queimada em que importa contestar qualquer decisão governamental, apenas por política politiqueira, a oposição ao Governo tem horror às realizações por aquele assumidas.
Os resultados económicos começam a ser cada vez mais incontestáveis, sendo difícil contrariar o que as próprias organizações internacionais vão concluindo sobre a recuperação operada depois dos desvarios de António Guterres, Durão Barroso e de Santana Lopes.
Tudo se conjuga para uma longa permanência do Partido Socialista no Governo se não se atentar a tempo contra a credibilidade da sua estratégia. E então vale tudo: pôr em causa a integridade do Engº José Sócrates (não resultou a gravíssima campanha antes das legislativas, está a falhar a relacionada com o seu título académico), sabotar os grandes projectos estruturantes da sua governação, agarrar em todos os argumentos para pôr em causa os ministros de verbo menos cauteloso.
O que se está a passar nesta altura com o debate em torno da Ota é mais um triste episódio da tentativa de derrube do único Governo que, nos últimos oito anos demonstrou visão para direccionar o país no objectivo do crescimento e do desenvolvimento.
Que seja mais uma tentativa derrotada é o que muitos - pelos vistos os que dão essa expressão nas sondagens - desejam.

À descoberta do Reino de Gugé

Até agora o Reino de Guge era-nos completamente desconhecido. Foi um documentário do «Odisseia», que nos abriu a mente para o conhecimento desta antiga civilização situada a Ocidente do Tibete, aonde outrora passava o pujante comércio entre a Índia e a China.
O local até era pouco adequado para o estabelecimento de uma comunidade humana. O planalto é desértico, as temperaturas rigorosas. Mas a contínua passagem de mercadores deu-lhe tal dimensão que seria a Oriente, o que a fulgurante Florença significava na mesma época.
E, no entanto, algures no século XVII, quando os primeiros viajantes europeus já tinham dado conta da sua existência, a rivalidade entre dois irmãos - um o seu último rei, o outro o líder religioso do seu principal lamastério, abriu condições para a sua destruição. E esquecimento…até despertar a curiosidade de arqueólogos europeus e norte-americanos, que desde os anos 30 têm procurado descortinar as razões do fulgor expressivo dos seus murais e as da sua súbita destruição.
Em visita à região, a redactora da revista «Rotas & Destinos» Ana Isabel Mineiro, escreveu num número já antigo e agora resgatado na net:
«As mais belas paisagens do planeta estão, provavelmente, aqui. Ninguém fica insensível à imensidão, às formas e às cores deste cenário em constante mudança. A atmosfera é magnética, densa, inexplicável. Padecemos do estado quase doloroso dos apaixonados. Dá ganas de ficar a levitar no silêncio abissal, de rumar à linha inalcançável do horizonte a pé, sobrevivendo apenas do alimento sagrado da errância contemplativa.
São planaltos sem medida, vigiados por montanhas, por onde serpenteia a estrada de terra que, nos passos mais altos, está ornamentada com bandeiras de oração, muros de pedras gravadas (manis), onde se depositam chifres pintados, lenços brancos, roupa, e até cabelo humano. São prados verdes sulcados por riachos, onde pastam iaques, ovelhas e cavalos. Lagos aprisionados por dunas de areia fina, de contornos sensuais, numa colagem fictícia sobre o azul do céu. E rochas de cores estranhas, em formações vanguardistas de escultura. Surgem desertos onde só vivem pequenos roedores, marmotas e pássaros gordos, do tipo dos pardais. No horizonte, montanhas nevadas rompem o algodão espesso das nuvens.
A paisagem humana perde-se nesta amplitude desmesurada. Nómadas acampam em tendas de pano ou de lã, cuidando de milhares de cabeças de gado. Um ou outro cavaleiro parece ir a caminho do nada - uma pincelada animada, na estagnação do tempo. As mulheres, com os aventais listados, os fios coloridos das tranças e as turquesas que enfeitam cintos, brincos e cabelos, são figurantes garridos e sorridentes na monotonia castanha dos planaltos».
Outra fonte de informação sobre este Reino é a Wikipedia na sua versão francesa. Em poucas linhas resuma a informação histórica disponível:
«Situada no vale de Khyunglung, no deserto tibetano, a cidade estado de Gugé abrigou uma das civilizações mais brilhantes da idade de ouro do budismo. O reino de Gugé foi criado em 700 da nossa era e desapareceu em 1630 por razões ainda não totalmente esclarecidas, mas decerto na sequência da intervenção do exército Ladakhi, que acorrera ao pedido das autoridades budistas de Gugé, lideradas pelo principal rival do rei, o seu próprio irmão».
Segundo as lendas passadas de geração em geração e só a sobreviverem por transmissão oral, a razão de ser desse trágico diferendo político até tem nos portugueses um inesperado papel: o casal real estaria a converter-se ao catolicismo por influência de jesuítas nossos compatriotas.
Na sequência desta guerra, o Reino seria anexado à Caxemira.
Um dos mais interessantes aspectos, que resulta das imagens deste documentário é a clara estratificação social subjacente aos edifícios em ruínas: na base da montanha, em grutas escavadas na rocha, ficavam os mais pobres: os camponeses, os pastores, os soldados. Depois, escalando a encosta encontram-se as antigas casas dos comerciantes.
Era no topo da montanha, protegida por muralhas, que ficava a aristocracia e os sacerdotes, que usufruíam de todas as riquezas inerentes à sua condição.
Nos seus antigos palácios descobriram-se os murais, que revelam uma arte muito elaborada e graciosa. O Reino usufruía da presença de muitos artistas, que haviam escapado ao avanço da influência islâmica por toda a região do norte da Índia e do actual Paquistão. Exilados ali, eram convidados pelas estirpes mais favorecidas de Gugé a deixarem espelhado o seu talento nas paredes dos edifícios.
Embora os estudos ainda estejam por definir o que realmente se passou nessa época em que Portugal vivia o jugo filipino, a derrocada do Reino de Gugé é bem elucidativa quanto os povos acabam por ser empurrados para uma espiral de violência e de miséria, quando à política se associam os condimentos das rivalidades religiosas.

quinta-feira, maio 24, 2007

«La Tombe 33, un mystère égyptien», documentário de Thomas Weidenbach

O Vale dos Reis já deve ter sido esburacado por milhares de arqueólogos e de aventureiros, para já não falar dos ladrões de túmulos, que os terão precedido nos séculos anteriores.
Quando se vê um documentário sobre egiptologia há sempre a expectativa de se perceber o que há ainda por resgatar das brumas do tempo.
E foi essa a reacção perante este documentário de Thomas Weidenbach, que acompanha os trabalhos dos arqueólogos da Universidade de Estrasburgo na pesquisa ao chamado túmulo 33, onde terá repousado Padiamenopé, um sacerdote da 26ª dinastia, cuja curiosidade assenta nas suas dimensões.
As suas vinte e duas câmaras, ligadas por longos corredores e em três níveis atingem uma profundidade de vinte metros a partir do solo.
Quantos metros cúbicos de terra foi necessário remover para conseguir uma derradeira morada para um mero servidor de faraós, ultrapassando-os em sumptuosidade nesse encontro com o Além?
Trata-se, pois, de um túmulo-palácio do século VII a.C. de concepção labiríntica, com uma enorme riqueza de hieróglifos , passíveis de constituir por si mesmos uma verdadeira colecção de literatura funerária egípcia.
Espanta, pois, que tenha havido um enorme hiato entre a sua descoberta nos finais do século XIX por Johannes Dumichen, só passado mais de um século volte a merecer a atenção científica de novos estudiosos, apostados em descobrir o que se encontra para além dos poços soterrados ou de galerias vedadas por paredes construídas muito depois da sua primeira ocupação.
É óbvio, que nenhuma grande descoberta científica resultará do seu esforço: mesmo nas câmaras ainda por explorar os saqueadores do tempo ter-se-ão antecipado, levando consigo tudo quanto poderia ser-lhes rentável no mercado das antiguidades.

segunda-feira, maio 14, 2007

O encontro da moda com a dança

Em Paris está actualmente uma exposição, que resulta da colaboração entre o costureiro Jean Paul Gaultier e a coreógrafa Régine Chopinot.
Nos inícios dos anos 80 eles uniram forças para criar uma dúzia de espectáculos, que acabaram por trazer algo de revolucionário à arte da dança.
Não é que a colaboração entre o mundo da moda e o da dança fosse algo de inédito: já em 1924 Coco Chanel e Diaghilev tinham colaborado numa obra interpretada por Nijinski. E também Merce Cunningham havia participado em projectos similares.
Mas o que foi novo na dupla Gaultier-Chopinot foi a duração desse projecto: dez anos, que ocorreram entre 1983 e 1993.
«O Desfile», em 1985, foi uma dessas obras, que resulta de um conceito da coreógrafa: um desfile de moda coreografado para o qual Gaultier inventa o guarda-roupa. Doravante a moda passa a ser encarada como dança, passível de assim dar maior originalidade á exposição das sucessivas peças de vestuário.
Mas, por seu lado, o próprio Gaultier é levado a utilizar como motivo de inspiração o fato por excelência de representação da dança: o famoso tutu. Questionando-se sobre o que significa criar peças de roupa para bailarinos ou como se apropriar dos seus códigos simbólicos.

terça-feira, maio 08, 2007

UM FILME SOBRE GUIZOS DE RENA

Confesso que não tinha muitas expectativas sobre este filme do Robert Zemeckis destinado a um público infantil. Mais do que a presença do Tom Hanks no projecto, estava, sobretudo, interessado em vislumbrar o efeito estético de uma animação claramente baseada no tratamento de cenas previamente rodadas com recurso a actores.
Zemeckis tem sido um experimentalista devendo-se-lhe projectos tão singulares como o foram ~Quem Tramou Roger Rabbit» ou «Forrest Gump».
A história do filme conta-se em muito poucas palavras: um miúdo de uns seis ou sete anos está com sérias dúvidas quanto à existência do Pai Natal. A irmã, mais nova, está excitadíssima perante a aproximação da noite mágica em que chegam presentes oriundos do Pólo Norte, enquanto ele abre uma enciclopédia aonde aprende a impossibilidade de haver condições de vida naquela região do globo.
No entanto, uma noite, ele acorda e vê chegada à beira da sua janela um estranho comboio, cujo revisor o incita a entrar.
Lá dentro ele vai conhecer mais um conjunto de miúdos, mais ou menos da sua idade, aonde avulta uma miúda de cor com particulares dotes de liderança e um miúdo irritantemente sabichão, afinal ainda com tanto para aprender.
A aventura irá passar por imensas vicissitudes, com a constatação, por parte do protagonista, da existência de um anjo da guarda, a amiúde abandonar a pose de vagabundo para lhe dar a mão em momentos particularmente difíceis. Porque há despistes num lago gelado à beira de ver partido o seu gelo, ou subidas e descidas vertiginosas, ou ainda paragens bruscas devido a manadas de caribus.
Embora completamente inverosímil, a história associa-se ao sonho de um miúdo, que irá aprender uma lição preciosa: a de nunca abdicar de uma certa forma de magia, traduzida pelos guizos das renas do Pai Natal.
No fundo não nos faz mal nenhum rendermo-nos ao sortilégio de uma fantasia infantil, que nos recorde como foi tão bom sermos ingénuos. É que, nessa altura, os medos, as angustias, as frustrações ainda não assumiam as trágicas dimensões conhecidas na vida adulta.
Aquela em que a sobrevivência não é apoiada na intervenção oportuna de um qualquer anjo da guarda...