sábado, março 12, 2016

PALCOS: Os sons da corte romana da Rainha Cristina

Andava Portugal a contas com a Guerra da Restauração, quando a Suécia era governada pela Rainha Cristina a quem, três séculos depois Greta Garbo daria rosto icónico num filme realizado por Rouben Mamoulian. Antes de resignar ao trono e instalar-se em Roma, a soberana causara grande emoção por toda a Europa ao converter-se ao cristianismo.
No entanto, embora os usos e costumes da época se coadunassem preferencialmente com uma mentalidade intolerante bem expressa na quantidade de condenados pelo Tribunal do Santo Ofício na Península Ibérica, a recém-convertida mostrava um carácter nos antípodas de tal tendência. Uma das personalidades, que acolheu em Roma foi o nosso Padre António Vieira numa altura em que a Inquisição o tinha debaixo de olho.
E era igualmente mecenas de artistas da época muito particularmente dos instrumentistas e compositores. Explica-se assim o projeto do concerto «Alla Sacra Reale Maestra di Cristina Regina de Svezia», que esteve em cena no Pequeno Auditório do CCB ontem à noite e hoje se repete. Na direção esteve Enrico Onofri, um violinista e maestro de exceção, que dedicou o espetáculo a Nikolaus Harnoucourt cujo desaparecimento na semana passada deixou órfãos alguns dos dezasseis instrumentistas ali em palco, em tempos idos seus alunos.
A ideia era reproduzir o universo musical, que rodeava Cristina em Itália através de composições de Corelli, Albrici, Pasquini, Stradella, Lonati, Capellini e Scarlatti, pelas quais mostravam a Conversão da Rainha, a Chegada a Roma, as Festas e Celebrações, os Serões e Academias, a Morte de Cristina e a Accademia della Arcadia.
Porque só estavam em palco instrumentos de cordas, o espetáculo terá parecido monótono e excessivamente longo para alguns. Se de início a pequena sala estava a dois terços da lotação, depois do intervalo ficou a menos de metade. O que foi injusto para a excelência dos executantes, que mereciam assistência mais repleta e entusiasmada.
Onofri esteve sempre meticuloso e exuberante na forma como se movimenta enquanto solta sons do violino. Não é que o bailado dos seus pés tenha alguma semelhança com os pulos histéricos de Joana Carneiro perante a orquestra, porque se trata de uma expressividade natural imprescindível para extrair do instrumento uma panóplia de notas musicais, inacessíveis à maioria dos executantes.
Jaloto no cravo assumiu a direção artística enquanto fundador do Ludovice Ensemble e contou com Collignon no órgão. Minguillon, na tiorba e na guitarra,  mostrou porque tem trabalhado com os mais ilustres dos diretores de orquestra. Os violinos - particularmente Varoujan Donevan e Lilia Savny - fizeram o adequado contraponto ao solista em temas ilustrativos da polifonia barroca, enquanto os violoncelos e o contrabaixo não deixaram de demonstrar a pouca importância ainda por eles assumida na composição musical deste período compreendido entre 1650 e 1700. Os grandes compositores não tardariam a ter em atenção este tipo de obras e criariam por seu lado as grande obras primas da música do século XVIII compostas por Bach a Mozart sem esquecer Vivaldi, Haendel e Haydn.

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