sábado, março 05, 2016

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: Os fartos elogios que me merece «American Crime»

Ainda a Primavera não chegou e já quase aposto qual a série televisiva, que considerarei como a melhor de 2016, sucedendo à primeira temporada de «True Detective» em 2014 e a «Olive Kitteridge» em 2015. Chama-se «American Crime» e já vai na segunda temporada.
No ano passado ela causara forte impressão pela forma como alienava qualquer fácil maniqueísmo ao abordar questões tão sérias como o são o racismo, a toxicodependência, o fanatismo teapartiano, a impossível regeneração de antigos presidiários e outras doenças muito sérias da América dos nossos dias.  E estava, sobretudo, em evidência, algo muito escamoteado na imagem estereotipada desse imenso território além-Atlântico: a luta de classes, as diferenças abissais entre uma classe média alta, extremamente conservadora e preconceituosa, e uma classe desfavorecida a contas com grandes dificuldades para sequer se alimentar.
Felicity Huffman ganharia justos prémios de interpretação pelo seu papel de Barbara Hanlon, a mulher que lutava contra todas as evidências para fazer condenar os assassinos do filho e da nora, afinal não tão irrepreensíveis nos seus vícios privados quanto ela desejaria que tivessem sido.
A grande maioria do elenco dessa bem sucedida primeira temporada passou para a segunda, mas a desempenharem papeis totalmente diferentes. Felicity Huffman volta a repetir um excelente desempenho enquanto diretora de um colégio fino de Indianápolis, cuja reputação fica manchada pela denúncia da violação de um dos alunos por um dos principais craques da equipa de basquetebol durante uma festa onde não faltava o álcool, o sexo e as drogas. Mas o mais provável é que a bem merecida consagração vá para Lili Taylor no papel da sofrida mãe coragem, que tudo faz - mesmo errando - em prol do que julga ser o interesse do filho que, tal como acontecia na série anterior, não era afinal tão inocente quanto ela desejaria que tivesse sido.
No caleidoscópio de personagens voltamos a encontrar o racismo, a discriminação homofóbica, a facilidade do acesso às armas, o egoísmo de quem só pensa em livrar a própria pele, e, sobretudo, a revisita à mesma luta de classes, que divide a cidade entre os mais favorecidos - cujos filhos acedem facilmente ao ensino privado e, depois, às universidades - e os que lutam pela mais elementar sobrevivência sem tempo sequer para cuidarem da educação dos rebentos, condenados a escolas públicas mais do que problemáticas por os prepararem para se quedarem proletarizados ou buscarem ilusória ascensão social na delinquência.
Se as contínuas surpresas propiciadas pelo excelente argumento são constantes, no oitavo episódio hoje disponibilizado pelo canal onde a série é exibida, começavam por surgir os testemunhos reais de traumatizados com o crime de Colombine, na pessoa de dois professores cuja recuperação psicológica será sempre um work in progress. E também no de uma mãe cujo filho homossexual fora sujeito a tão insuportável bullying, que se suicidara. Ou uma rapariga lésbica, que tentara, igualmente, o suicídio e recuara a tempo...
Ademais, fica um plano bem elucidativo à excelência da realização: regressada ao colégio, a diretora Leslie senta-se à secretária e a câmara apanha-a a olhar para o sofá, de trás do qual se capta a imagem, e onde se sentara Taylor, o rapaz que supostamente fora violado e a queria matar. Um breve instante para confirmar o que já sabíamos: o melhor cinema produzido hoje nos EUA não provém de Hollywood, mas das séries emitidas por alguns dos seus melhores canais televisivos.

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