terça-feira, julho 31, 2007

Ingmar Bergman - The Seventh Seal

Ingmar Bergman - The Seventh Seal

Poderia escolher muitos filmes do Bergman, que me sugestionaram em diferentes fases do meu passado. Mas nenhum me impressionou tanto quanto este «O Sétimo Selo» visto nas saudosas Quinzenas do Monumental nos inícios dos anos 70...

No desaparecimento de Ingmar Bergman

Não é que a notícia surpreenda: aos 89 anos, Ingmar Bergman despediu-se da vida, quando a ia recordando placidamente no seu refúgio na ilha de Faarö.
É claro que as notícias necrológicas já deviam estar preparadas em muitos dos jornais, porquanto se sucederam editoriais e artigos de fundo sobre o papel do realizador sueco na configuração de um tipo de cinema de autor da segunda metade do século XX.
Há nesses artigos uma citação muito curiosa, retirada de uma das raríssimas entrevistas facultadas por ele ao longo da sua vastíssima carreira. Dizia ele: «Sou um menino. Já o disse uma vez: toda a minha vida criativa provém da minha meninice. A razão porque há tanta gente a gostar do que faço +e porque sou um menino e falo-lhes como tal».
Essa meninice aparece bem explicita num dos seus títulos mais conhecidos - «Fanny e Alexandre» (1982) - aonde revisita o ambiente de austeridade luterana exigida pelo progenitor, que era pastor dessa religião. Talvez por essa ideia de Deus aparecer desde muito cedo associada ao sofrimento das tentações frustradas, Bergman nunca assumirá uma convicção plena a respeito da Sua existência. Pelo contrário, a sua posição é céptica o suficiente para considerar que, a existir de facto, Deus prima pelo silêncio. Remetendo o homem, essa quase aberração da natureza, para a solitária certeza da morte. Que aparecia representada de forma memorável em «O Sétimo Selo», decerto um dos filmes mais notáveis, que resgato de toda a já vasta História do Cinema.
Porque esse encontro fatal é incontornável os personagens de Bergman interrogam-se, confrontam-se. Sobretudo se tiveram a tentação da felicidade conjugal como estratégia de resposta a essa solidão derradeira e descobrem na incomunicabilidade, na distância inultrapassável entre identidades distintas a vacuidade dessa ilusão.
No entanto, se evocarmos o seu último filme - «Sarabanda» - podemos reconhecer no seu discurso a possibilidade de, em plena velhice, conquistar-se uma serenidade cúmplice entre velhos amantes tornando absurdas todas as inquietações do passado.
No fundo ganha relevância a lição por ele aprendida do seu velho mestre, Alf Sjoberg, para quem o que está meio escondido é bem mais eficaz no seu efeito de sugestão do que o plenamente demonstrado. Ou, por outras palavras, as dúvidas acabam por ser muito mais interessantes do que quaisquer certezas.
Terá sido, porventura, com essa sabedoria, que Bergman concluiu a sua partida de xadrez e se deixou arrastar montanha acima pelo vulto de negro vestido, que já concebera há meio século...

Gente sem estatura

Do correr dos dias podem-se escolher muitos exemplos para abordar o estado do mundo numa ou noutra perspectiva. A realidade é tão plural, que dá para demonstrar todas as teses e as suas contrárias. Vale a pena, por isso, partir de uma citação quase ao acaso das leituras quotidianas e dela partir para a interpretação do que vai fazendo notícia nos telejornais.
Foi Lord Byron quem disse: «Os espinhos que me feriram foram produzidos pelo arbusto que plantei».
Trata-se, pois, de uma variante do mais prosaico «cá se fazem, cá se pagam».
Lembrei-me deste provérbio ao ver um patético (e pateta) Marques Mendes a saltitar ao lado de Jardim no comício do Chão da Lagoa.
Anda um minúsculo personagem a ensaiar saltos altos para parecer crível no papel de líder da Oposição e logo se vai render aos encantos do ditador de uma República das Bananas, que se recusa a cumprir sequer os aspectos mais formais da chamada legalidade democrática. Para benefício de José Sócrates, que até nem precisava de tão grotesco opositor, Marques Mendes vai-se reduzindo ao que nunca deixou de ser: uma marioneta distraidamente agitada por desinteressados titereiros.
Já mais perigoso é o fraudulento «herói» da independência maubere. Que Xanana nunca teve a estatura de Nicolau Lobato já se compreendeu há muito tempo. Oportunista apanhado na vertigem dos acontecimentos à sua volta, viu-se guindado a líder da Resistência sem muito bem saber como. O coração até batia compassadamente com o dos cúmplices da invasão indonésia.
Nunca mais foi aflorado esse grotesco episódio em que da prisão ele pediu aos seus compatriotas para desistirem da luta contra o ocupante, aceitando o estatuto de menoridade, que Alatas pretendia atribuir-lhes. Já então o atraía o prato de lentilhas proposto pelo poderoso vizinho.
Azar o seu: a persistência de António Guterres e de Jaime Gama conseguiu impor uma perspectiva diferente no cenário geopolítico da viragem do milénio e ao preço de muito sangue derramado, nasceu a República de Timor Leste.
Xanana prende-se, então, de amores de uma jornalista australiana que, ou pertence aos serviços secretos australianos ou se dispõe patrioticamente a defender-lhes a estratégia com a máxima eficácia. Porque, não esqueçamos, o Mar de Timor é fértil em petróleo. E, caídos os indonésios, são agora os australianos quem olham gulosamente para esses recursos naturais.
Explica-se, assim, a queda da Fretilin do corajoso Mari Alkatiri, que sempre pugnou por uma divisão justa desses recursos exploráveis entre as costas dos dois países. Uma vez mais Xanana aparece a aceitar o prato de lentilhas, vestindo a pele de primeiro-ministro.
Para os timorenses, que ajudaram a criar um ícone com tão escassas qualidades, o despertar para a realidade pode tornar-se demasiado doloroso. Depois de se libertarem dos seus opressores, não se livram de quem os quer espoliar das riquezas, que lhes daria novas oportunidades para um melhor futuro...

Patricia Reis: «A Cruz das Almas» (1)

A literatura portuguesa continua bem e recomenda-se. Se Saramago, Lobo Antunes ou Urbano Tavares Rodrigues já estão consagrados dentro e fora de portas, uma nova geração começa a despontar e a agarrar o testemunho, que Lídia Jorge ou Mário de Carvalho foram segurando enquanto veículos de transição para este novo fulgor.
José Luís Peixoto é, porventura, o mais óbvio sucessor dos nossos nobelizáveis efectivos ou potenciais. Mas outros autores da mesma geração vêm revelando-se com idêntica qualidade, apostados em demonstrar o quão bem pode ser recriada a língua portuguesa.
Patrícia Reis ainda não é uma certeza, mas já merece ser observada no muito que promete. Este «Cruz das Almas» teria matéria para maior ambição, mas a escritora não arriscou muito nesta primeira tentativa mais séria de arriscar um romance com título na capa e o seu nome a por ele se responsabilizar. Por isso as frases curtas, ainda que muito cuidadas, e uma história sobre diversas gerações de uma família de província, que desenvolve pela via mais fácil: dividi-la em tantas partes, quanto as personagens principais, mesmo que buscando-lhes a representação através de estilos distintos.
Lê-se num ápice, mas fica depois a sensação de sobrar aqui matéria para uma gesta bem mais aprofundada, que daria maior substância aos seus personagens.

segunda-feira, julho 23, 2007

Belle toujours trailer

A Mulher como o maior dos enigmas. Mas se Buñuel o pressentiu, Oliveira longe ficou da sua explicação...

Belle Toujours

Desilusão é o que suscita o mais recente título de Manoel de Oliveira, «Belle Toujours». Que pretendia homenagear Luis Buñuel, que assinara «Belle de Jour», e o seu argumentista Jean Claude Carrère.
Quarenta anos atrás, o filme do realizador espanhol era bastante subversivo: Severine (Catherine Deneuve), uma jovem mulher muito bela, não consegue ter prazer sexual com o marido e decide experimentá-lo enquanto prostituta na casa de passe de Mme Anaïs (Geneviève Page). Mas esquecer que incorre, então, em dois riscos: que aí seja reconhecida por um conhecido do marido, Pierre (Jean Sorel), o que acaba por se verificar com o detestável Husson (Michel Piccoli), doravante em condições de a chantagear; que suscite a paixão de alguém apostado em a retirar daquela vida e a entregar-se-lhe só a si: o que ocorre com o delinquente interpretado por Pierre Clémenti, que se faz matar pela polícia numa rua parisiense depois de alvejar Pierre com diversos tiros.
A Severine fica reservado o papel de enfermeira zelosa de um marido incapacitado a quem desconhece se Husson contara toda a sordidez da sua traição.
Como a Revolta de Maio de 1968 ainda não ocorrera imagine-se o impacto de um filme sobre o desejo no feminino e sobre as taras ligadas ao sexo (incluindo o incesto, a necrofilia, o sadismo, o masoquismo) num público ainda muito conservador…
Na revisitação dessas personagens, Manoel de Oliveira mostra-se incapaz de manter essa característica fundamental por elas assumida quatro décadas atrás.
Os objectivos de Severine e de Husson ao reencontrarem-se acabam por convergir num só: tentarem compreender: a ela interessa, sobretudo, perceber a razão de ser da lágrima paralisada a meio do rosto de Pierre, quando Husson o visitara: teria este cumprido o seu voto de contar toda a verdade ao homem mudo, cego e paralisado, reduzido ao seu estado quase vegetativo?
Por seu lado, Husson quer alcançar esse mistério presente na alma feminina de Severine: o que a impulsionava para a perversão?
Nenhum deles conseguirá a sua resposta, porque são insolúveis os percursos íntimos de cada um. E estabelecer pontes revela-se tarefa quase impossível...

Os Germanos

O canal franco-alemão ARTE anda a dar um conjunto de quatro documentários sobre os povos germânicos. São quase quatro horas de um misto de ficção e de documentário, realizadas por Judith Voelker e Schoko Okroy, que estende a sua abordagem por quase sete séculos.
No primeiro ainda Júlio César é o chefe militar, que anda a cuidar do seu prestígio no combate às tribos bárbaras localizadas a norte do Império. É ele, aliás, quem inventa o termo «germano» para designar o conjunto desses povos a quem pretendia impor a romanização, solicitando para tal os necessários financiamentos ao Senado.
Em 58 a.C. as suas legiões parecem imbatíveis dilatando cada vez mais as fronteiras imperiais.
Mas a 9 d.C já a realidade era outra: melhor organizadas e lideradas pelo audaz Armínio, os queruscos derrotam o governador Varus na batalha da floresta de Teuroburgo. Começa a esboçar-se a lenta progressão dos Bárbaros em direcção à capital do Império. Embora ainda muitos deles sirvam como gladiadores nos espectáculos de circo dos sucessivos titulares do poder.
O cristianismo tornar-se-á na religião oficial, mas, nessa altura, já é Clóvis, rei dos Francos, quem mais bem sucedido se mostra a estancar a progressão irresistível dos povos descritos por Tácito como «de alta estatura, de olhos azuis e cabelos arruivados».

quarta-feira, julho 18, 2007

O Dueto da Flor agora pela Nathalie Dessay

As imagens estão longe de serem as ideais, mas que interessa isso, quando se tem mais uma oportunidade para ouvir uma das mais belas árias da História da Ópera. Sublime! Beleza no estado puro!

SINAIS DE MUDANÇA

As eleições autárquicas de Lisboa ainda andam a suscitar alguns comentários curiosos nos jornais. Nos de hoje realço os de Leonel Moura no «Jornal de Negócios» e o de Domingos Amaral no «Diário Económico».
O primeiro comenta os bons resultados de Carmona Rodrigues e de Helena Roseta:
“A erupção deste tipo de candidatos Simplex e na hora é e será cada vez mais uma realidade da nossa democracia. Para tal bastando um ego muito inchado pela exposição mediática e um irrefreável desejo de poder e de protagonismo. Tanto mais que o povo adora espertos e malandrecos. Como se sabe, em Portugal, a inteligência é muito mal vista, ao invés da esperteza saloia que é tida em alta consideração.”
O segundo dobra finados pelo centro-direita em Portugal:
“ No presente, o centro-direita é uma tábua rasa. Não tem uma ideia de país, não tem uma estratégia para o futuro, e não tem qualquer tipo de credibilidade política. O que tem são egos. Egos que vagueiam por aí sem tino nem destino, como fantasmas de um filme de piratas ou leprosos que tocam a sineta afastando as gentes.”
Não deixa de ser curioso que, em ambas as análises, se reduza uma componente significativa do fenómeno político em Portugal - pelo menos o referente à direita e aos independentes - a egos inflamados.
É certo que o homem político é, por natureza, alguém à procura de afirmação. Existe algo de psicológico, se não mesmo de psicanalítico, nessa vontade de chegar à ribalta e pretenda fazer-se encontrado com os livros de História. Mas a política deve ser algo mais: deve pressupor uma estratégia de transformação das sociedades, buscando nelas a aproximação a uma qualquer forma de Utopia.
Pode-se não concordar com as características dessa sociedade ideal, mas ai do político que a não tenha em mente: limita-se a estar no cais aonde vê passar os comboios. Que não chegam a parar para o rebocar.
O político deve ser o condutor da locomotiva, não o passageiro que aguarda por ela. E, mal ou bem, o único a assumir essa vontade é o primeiro–ministro José Sócrates. Que haja quem o inveje e o tente abater - muitas vezes das formas mais inqualificáveis - por causa dessa visão de futuro é algo que explica o estado da Nação. Como de costume os críticos são os que não fazem, nem querem fazer...

A RÚSSIA DE PUTIN FACE AOS ESTRATEGAS ATLANTISTAS

É uma constatação óbvia nesta altura: o Ocidente estava a pedi-las. O governo russo pode estar a desenvolver uma acção diplomática muito significativa para corresponder às contínuas provocações dos governantes europeus.
Recordemos alguns factos essenciais: primeiro houve Gorbatchov, que entusiasmou os arautos dos méritos do liberalismo económico, ao promover a destruição do muro de Berlim. E sucedeu-lhe Ieltsin, que compensava em populismo, a sua falta de ideias para a tremenda crise em que mergulhou a antiga União Soviética.
Ao ver a antiga pátria de Lenine e de Estaline desagregar-se, o Ocidente regozijou-se: não só se esbatiam as tensões da Guerra Fria, como se abria um mercado não despiciendo para os seus produtos manufacturados. Mesmo que à custa do enriquecimento ilícito e abrupto de uns quantos oligarcas, sendo a outra face da moeda caracterizada por milhões de cidadãos ex-soviéticos mergulhados na miséria mais desesperante, se não mesmo em aterrorizantes cenários de guerra civil (na Geórgia, na Chechénia) ou de atentados terroristas.
Foi nesse quadro, que subiu ao poder o actual Presidente russo. Directamente chegado do universo da espionagem, a sua condição de delfim de Boris Ieltsin, Vladimir Putin suscitava alguma complacência. Tanto mais que o antigo Império do Mal demonstrava fragilidades nas suas próprias estruturas militares, como o bem atestava o afundamento do submarino Kursk. A Rússia era um leão a quem tinham afiado as garras e cortado a juba.
Era, porém, Mark Twain quem dizia serem exageradas as notícias, que o davam como morto. E aconteceu o mesmo com a Rússia de Putin. Quem então se deleitava com as elucubrações teóricas dos neoconservadores norte-americanos e se extasiava com as vitórias militares no Afeganistão ou no Iraque esquecia-se que este é um mundo a mover-se em torno de algumas matérias-primas essenciais. E, quer em petróleo, quer em gás natural, a Rússia é um potentado.
Confirmando a sua estatura de estratega visionário, Putin logo tratou de açambarcar para o Estado esses recursos, que alguns oligarcas tinham aferroado com uma apressada avidez. E confrontando-se com as frequentes provocações ocidentais, que estenderam as fronteiras da NATO até às suas fronteiras, preparando-se agora para apontar daí algumas ogivas nucleares, Putin vem agora demonstrar quão perdida foi a oportunidade europeia de preferir o chamado eixo atlântico à gaulista hipótese de uma comunidade do Atlântico aos Urais.
À morte de um crápula (Litvinenko) reagiu com a escusa a entregar a Londres um provável homicida (Lugovoi), à tergiversação com o terrorismo checheno parece ter apostado no silenciamento dos seus cultores (Politovskaia), à independência de algumas jóias da coroa soviética (Ucrânia, Geórgia) correspondeu com sabotagem às estratégias dos seus líderes pró-norte-americanos), à expulsão de diplomatas russos do Reino Unido prepara-se para responder com um quase corte de relações com o governo de Sua Majestade.
Como dizia Miguel Monjardino num comentário radiofónico a Europa aprendeu a lidar com o poderio norte-americano, mas não encontrou um modelo eficaz de lidar com o re-emergente poderio russo. Adivinham-se, pois, tempos difíceis para uma Europa, que se colou em demasia às falidas teses do Pentágono...

segunda-feira, julho 16, 2007

Eleições autárquicas em Lisboa

As eleições autárquicas de Lisboa sugerem seis reacções possíveis, metade positivas, outra metade de sinal contrário.
Comecemos, então, pelas más notícias:
1. A vitória escassa de António Costa, que o obriga a concertação com outras forças políticas, cujos objectivos próprios são contraditórios com os do candidato socialista. Bem pode o PS orgulhar-se de um resultado melhor do que os que quase sempre conseguiu na capital, que a capacidade para agregar individualidades em torno da candidatura não encontrou correspondência no voto dos eleitores. Um resultado que espelha, afinal, o muito a fazer no sentido de melhorar a imagem do Governo nos próximos meses para diluir o divórcio verificado até agora;
2. O sucesso de candidatos populistas arvorados em independentes, que iludiram muitos eleitores com propostas demagógicas, embora estivesse apenas em questão os seus exacerbados egos.
3. A estagnação do eleitorado de Sá Fernandes apesar do seu mediatismo na defesa de princípios, que o conotaram com um certo quixotismo. Os lisboetas terão ficado quase indiferentes a esse incansável labor em prol dos seus direitos.
Mas houve naturalmente boas notícias:
1. A melhor das notícias foi o resultado do CDS/PP. Dado que Paulo Portas colocou muito alta esta fasquia, considerando-a um teste à sua liderança, a votação ridícula de Telmo Correia - incapaz sequer de garantir um vereador - torna-se oportuna a citação de Karl Marx, quando dizia haver sempre a repetição de fenómenos políticos: da primeira vez eles manifestam-se sob a forma de tragédia, da segunda como comédia. Ora, o regresso do Paulinho das feiras à liderança do CDS/PP com o objectivo de vir, a partir dele, liderar toda a direita portuguesa, está a revelar-se burlesca nos seus resultados.
2. A derrota do PSD, que ficou em terceiro lugar, não só abaixo de Carmona Rodrigues, mas a metade do resultado do vencedor. O que obriga Marques Mendes a convocar eleições para a liderança, provavelmente para ser derrotado pelos testas de ferro do perseverante Santana Lopes. Que está, igualmente, disposto a arriscar uma experiência similar à do seu antigo Ministro da Defesa. Mas se a episódica passagem pelo poder já foi hilariante, que limites conhecerá essa repetição na vertente da comédia?
3. A reiterada demonstração da dimensão da extrema-direita em Portugal: menor do que um grupúsculo, o partido fascista não se mostra capaz de alavancar as pulsões xenófobas dos estratos mais baixos do eleitorado. O lumpen, afinal, não é aqui tão sugestionável pelo discurso de ódio ao estrangeiro, ao contrário do que acontece em paragens não muito distantes.

domingo, julho 15, 2007

A raça de Einstein

O episódio é muito conhecido, mas vale sempre a pena lembrá-lo: ao chegar aos EUA na condição de refugiado político, quando a Europa estava sob a barbárie nazi, Einstein foi confrontado com a obrigatoriedade de preencher um burocrático formulário no qual um dos campos obrigatórios era a definição da sua raça.
«Humana» foi a sua sábia resposta, mostrando de uma forma assaz diplomática a sua condenação das etiquetas primárias pelas quais se iniciam todas as formas de intolerância.

O QUARTO RAMO DAS FORÇAS ARMADAS

Há o Exército, a Marinha e a Força Aérea. Em breve poderá surgir um novo ramo das Forças Armadas: o que refere à Ciberguerra.
Um especialista no assunto, Philip Ball, escreveu na «Nature»: «Os computadores e redes fazem parte de tal forma parte da maioria dos sistemas políticos e económicos que os efeitos potenciais de um ataque virtual são muito maiores. E estes não seriam ataques sem vítimas. Desconectar redes de saúde, comunicações ou de transportes pode facilmente ter consequências fatais. A ciberguerra pode matar sem um único tiro ser disparado».
Diz o suplemento «Digital» do «Público»: «Já há doutrinas militares que defendem que, em vez de bombardear centrais eléctricas, antenas parabólicas ou centrais telefónicas, é preferível invadir as redes desses serviços vitais e manipulá-los por forma a instalar o caos num país».
No limite pode imaginar-se que os Pattons do futuro são, nesta altura, miúdos especializados em jogos de computadores. Sobretudo daqueles que já empolam os valores militares numa lógica de vencer ou perder em detrimento da diplomática vertente da negociação.

Teatro Meridional: «À manhã» de José Luis Peixoto

José Luís Peixoto vem-se confirmando como um dos principais dramaturgos da cena teatral portuguesa do séc. XXI.
Contrariando uma característica muito comum noutros autores, o autor de «Cemitério de Pianos» não tenta amalgamar um conjunto muito diverso de temas num mesmo texto, antes aprofundando um só a que confere uma sólida consistência.
Quando os últimos espectadores se instalam e a luz se cinge ao espaço cénico, damos com uma velha louca, Olga, que fugiu de casa e anda à procura de «bocanços« por parte do seu amado. Que julga identificar no Estragão, que anda a semear favas na horta.
Pegando nela para a entregar ao marido, que Olga confunde com o austero pai, Estragão passa em frente à casa de Macha, acabada de chegar da Inglaterra, aonde estivera com a filha Lucrécia. Um sítio aonde ela descobriu que se fala pouco de sexo, mas se pratica mais, impressionando com isso a vizinha Irininha, que além de calhandreira, finge de grande puritana por jamais ter conhecido homem.
Falta então Vladimir, o marido de Olga, muito descoroçoado com a sua irreversível desorientação e, também ele, ávido de bocanços com as demais velhas da aldeia.
A peça torna-se, amiúde, uma comédia com os desencontros dos afectos, mas o tema principal é o da solidão dos velhos nas terras desertificadas do interior e a sua ânsia de uma afectividade, que receiam conduzir até à consumação.
Depois há, também, um riquíssimo vocabulário popular, que o dramaturgo investigou e recriou dando soberba oportunidade aos actores para nos surpreenderem com um desempenho irrepreensível.
Na hora e dez, que dura, deparamos com estereótipos bem alicerçados numa realidade específica, que Peixoto conhece muito bem...

quinta-feira, julho 12, 2007

«ANATHEMA», tgSTAN na CULTURGEST

Há neste projecto dos tgSTAN a memória do atentado terrorista ao Teatro Dubrovka, em Moscovo, quando um comando tchecheno tomou dezenas de reféns para reivindicar a alteração da política russa na sua república e tudo acabou numa carnificina.
Mas para contrabalançar o peso dessa temática, a peça começa enganadoramente a falar de amor, mais precisamente do que liga Romeu à sua desinteressada Julieta. Ora é do desamor, e mais especificamente do ódio, que surge essa vontade de acabar com o tempo das palavras simples e das certezas confortáveis e partir para o desconhecido. Este assume a vertente da escolha aleatória de qualquer vítima, incidindo nela a mesma demonstração do fim dos ilusórios equilíbrios estilhaçados. Mesmo que, desde cedo, fique demonstrada à saciedade a inocuidade desses gestos desesperados…
Interpelado, o público mal reage, apesar de supostamente constituir o colectivo ameaçado pelos dois terroristas. Será necessária a explosão de uma maçã-granada para crescer o alvoroço na plateia. A interligação actores/público fica-se por aí, talvez porque haja a barreira da língua e qualquer desvio ao guião poder prejudicar a fluidez da legendagem…
O outro momento de alvoroço, mas demonstrativo de como as palavras podem ser poderosas na transmissão de uma superlativa crueldade, é a cena em que Tiago Rodrigues conta, em português, como o jovem soldado decidira matar, de forma gratuita, a velha miserável, sua vizinha do andar de cima. Não me recordava de uma tão convincente descrição de acto cruel desde a leitura, há muitos anos atrás, da morte de um gato às mãos de uns miúdos irreverentes no romance de Mishima «O Marinheiro Que Perdeu as Graças do Mar».
Uma abordagem ainda à utilização dos suportes multimédia para fundamentar o texto. A interligação dos actores com a tela onde se projectam imagens, quer de Verona, quer da sala aonde o espectáculo decorre, mostra bem como os caminhos evolutivos do teatro passarão, inevitavelmente, pelo diálogo da sua forma com a de outros veículos da mensagem artística...

A arte portuguesa na Gulbenkian

Ao segundo e ao terceiro dia o curso sobre Arte Portuguesa dos últimos 50 anos ganhou maior interesse muito graças à formadora de seu nome Carla Mendes. Apesar de ainda relativamente jovem, ela demonstra uma erudição e uma capacidade para tornar transversal a sua análise sobre o objecto da sua dissertação, que nós, enquanto formandos, ficámos rendidos.
Algumas linhas de força interessantes desta aula foram:
1. A frequente estultice dos críticos de arte, que inventam, amiúde, as mais estrambólicas explicações para objectos artísticos, que valem tão só pela sua forma ou pela sua cor;
2. A importância de Azeredo Perdigão enquanto motor da divulgação e do desenvolvimento da arte contemporânea em Portugal;
3. O conselho de Amadeo de Sousa Cardoso aos seus jovens pares: que saíssem o mais rapidamente do pais, enquanto era tempo;
4. A extraordinária juventude de Almada Negreiros com as quatro imagens abstractas de 1969, que estão na primeira sala do piso –1.
5. A consideração da arte contemporânea como aquela que privilegia a sensação pura em detrimento da ideologia ou da racionalidade;
6. A relativa pobreza da arte portuguesa na década de 70, não havendo correspondência entre a liberdade conquistada e a sua tradução em suportes artísticos.
7. A tendência em alguns artistas - António Areal, Paula Rego - para regressarem ao figurativo, depois de um período claramente abstraccionista.
8. O desaparecimento de alguns criadores com obras muito interessantes na sua fase de bolseiros - Armando Azevedo, Paulo Morais, Emílio Jordão - e cujo talento ficou por potenciar, desconhecendo-se, nalguns casos, o que lhes terá sucedido depois a nível biográfico.
9. O papel que a fotografia teve na libertação da pintura, ao dispensá-la da reprodução «fiel» de uma qualquer realidade, possibilitando-lhe a exploração de outras vias de ilustração de um estado de alma ou de uma afirmação do seu tempo.
10. A permanente intenção de muitos criadores em rejeitarem quaisquer escolas, doutrinas ou ideologias buscando um estilo original em ruptura com academismos ou preconceitos.

terça-feira, julho 10, 2007

BAPTISTA BASTOS: «AS BICICLETAS DE SETEMBRO»

Foi ao ler o registo biográfico sobre o autor, já acabada a leitura do seu romance, que descobri algo de curioso: na década de 60, quando trabalhava semiclandestinamente na RTP, o seu pseudónimo era Manuel Trindade.
Curiosa singularidade essa, a de ele ter escolhido um pseudónimo, que coincide com os meus dois nomes do meio. Que torna redundante uma empatia, que há muito se vem estabelecendo entre mim enquanto leitor e Baptista Bastos enquanto escritor.
Há muito que nele admiro a sapiência na utilização de uma língua, que ele aprendeu a amar nas prosas dos grandes jornalistas conhecidos nas redacções do «Século» ou do «Diário Popular» ou nos escritores superlativos com que chegou a privar: um mestre Aquilino, um José Rodrigues Miguéis, um José Gomes Ferreira, entre tantos outros.
O seu romance mais recente, «As Bicicletas de Setembro» é justificado pelo narrador a páginas tantas:
«Estas coisas não devem ser extintas da memória. Sei que outro daquele tempo escreverá um dia, acaso já escreveu, estes e novos episódios, adicionando-lhes pormenores que perdi, acontecimentos por mim não vividos nem sequer observados. Sei. O que me instigou ao registo avulso do que a memória permite é o medo da velhice, a tentativa de fixar aqueles instantes supremos, no interior dos quais julguei ser feliz. Já há muito que desisti de procurar o misterioso significado do mundo. Não faz sentido tentar descobrir porque é que as coisas acontecem desta maneira e não daquela. A felicidade nunca tocou no batente das minhas expectativas.» (pág.76)
A felicidade também não terá sorrido a Jesuína, a mulher que aparecera no seu bairro de miúdo, e ali encontrara refúgio de amargores de outros lugares.
Fechada em casa, ela alimenta uma tertúlia onde as vizinhas vêm trocas as suas bisbilhotices e falar dos seus desconsolos a respeito dos respectivos conjugues.
As conversas derivam para os temas mais íntimos e acabam por conferir ao ambiente dessas tardes uma certa lascívia.
Jesuína acaba por se responsabilizar, igualmente, por uns quantos rapazes e raparigas a ela confiados pelos seus ocupados progenitores. E transmite-lhes muitos dos saberes necessários para enfrentarem uma vida assaz complexa.
Mas Jesuína alimenta igualmente alguns mistérios irresolúveis: porque se recusa a sair à rua, só arriscando esse esforço já muitos anos depois, quando o seu prestígio no bairro dera lugar a um ostracismo eivado de maledicência? Quem seria o homem de negro tão rapidamente ali aparecido para a espreitar como logo desaparecido no nenhures donde viera? E que significado teriam os seus equívocos gestos para alguns dos miúdos, aos quais se associaria a sua perversa libidinosidade, que a tornariam odiada pelas antigas participantes das suas tertúlias?
«Aprendera que a noite pode ser devastadora. Reprimira o desejo, incandescente quando nova, e a tal ponto que suprimira das lembranças a violência dos desconcertos antigos. Emergiam, porém, num bulício de metáforas, sombras remotíssimas de amores passageiros: troncos nus, mãos, dedos, sexos que penetravam na sua vagina quente, húmida, maternal, acolhedora.»
A sua personalidade é controversa e sujeita-se à malvadez com que os desvalidos tratam os seus iguais, quando lhes apanham as fragilidades. Por isso acabará mais solitária do que nunca.
Para o escritor, a muitos anos de distância, justifica-se a homenagem: até porque, na sua imaturidade, também ele contribuíra com o seu relato nas tabernas a exagerar o que não haviam passado de indícios de pedofilia.
«Nunca quis muitas coisas. O que forma a minha e a tua vida foi a atracção mútua, embora nada nos aproximasse. Nem em dúvidas nem em certezas éramos semelhantes. Acreditavas em Deus, eu não só ignorava a Sua existência: desprezava-a. Hoje, admito que esse desprezo talvez contivesse algo de receio e de atracção. Como a morte: atrai-nos enquanto a repelimos. Detestavas os meus pequenos prazeres, fizeste-me amargar muitos deles com implacável zombaria: livros, músicas, filmes. Não merece a pena nomear as nossas divergências . Provínhamos do mesmo sítio, mas não pertencíamos aos mesmos sonhos.» (pág. 92)
Quando se conclui esta leitura, podemo-nos questionar a propósito de quantas Jesuínas estão à nossa volta: pessoas silenciosamente desesperadas, que não encontram sequer um conforto solidário a amenizar-lhes essa dor de se sentirem irremediavelmente sós.

Michael Moore parte a loiça na CNN

São estas as vantagens da transmissão em directo: sem papas na língua, Michael Moore denuncia ter estado proscrito dos seus écrans durante três anos e serem-lhe justificadas as desculpas por tudo quanto tinha dito sobre a Guerra no Iraque se ter comprovado...

segunda-feira, julho 09, 2007

VILLA BARBARO (1560) de ANDREA PALLADIO

Na colecção «Arquitecturas», que o canal franco-alemão ARTE, tem transmitido aos sábados ao fim da tarde, o documentário de Stan Neumann é extremamente interessante por revelar um edifício do século XVi de quando os comerciantes mais ricos de Veneza consciencializaram a importância de reorientarem os seus negócios, perdida que se encontrava a rota das especiarias e da seda em favor da rota das Índias aberta por Vasco da Gama. A solução era, então, dar valor às vastas planícies, que existiam a norte da cidade e na qual a agricultura iria florescer.
Os Bárbaro contrataram, então, o arquitecto Andrea Palladio para lhes conceber uma residência de campo, que tem muitas características notáveis: a influência da arquitectura clássica presente nas suas muitas colunas, o ajustamento da distribuição dos espaços em função das suas previstas funções, a construção em tijolos para tornar mais barata a obra, os frescos de Veronese com diversos trompe l’oeil.
Essa villa acaba por se tornar revolucionária nessa ligação entre o belo e o útil, a sua função palaciana e a de granja agrícola…

UM ARREPENDIDO A ABJURAR O CHE

É por demais conhecido o percurso ideológico do director do «Público»: depois de, na sua juventude, ter andado seduzido pelas teorias revolucionárias, veio a abjurá-las quando acometido de fatal envelhecimento precoce e irremediável. Hoje aquilo que parecem as suas ideias, mas mais não passam do papaguear de teses alheias, têm uma obsessiva tendência para acrescentar argumentos a esse viracasaquismo.
Na edição de domingo foi o Che quem se tornou a besta maldita a excomungar, servindo-se para tal de um obscuro opúsculo do filho de Vargas LLosa, cuja lamentável reputação decorre de ainda conseguir ultrapassar o progenitor em reaccionarismo, em ódio primário a tudo o que cheire a comunismo.
A força de Che Guevara, aquilo que faz dele o ícone de gerações sucessivas de jovens de todo o mundo, é a sua essência humana. É o saber-se que tanto acertou na utopia por que deu o melhor da sua vida, como errou na forma e nas estratégias por que as pretendeu implementar.
Os que admiram Che de forma consequente não fazem dele um Deus inatacável. Ele era homem e como tal com as virtudes e defeitos de qualquer um de nós. Mas o que é nele admirável é esse inconformismo com a má sorte dos desvalidos deste mundo e a possibilidade de se vir a criar um mundo novo a sério. Um mundo feito de justiça, de igualdade e de solidariedade entre os que o desejam. E essa é ambição, que prosseguirá no coração dos justos deste mundo, aqueles que acreditam ser possível criar na Terra o que as várias igrejas só prometem para os seus diversificados paraísos.
Os que querem enlamear a memória de quem assumiu a dimensão de símbolo para milhões de pessoas apostadas em contrariar a injustiça só se definem a si mesmos como veículos da mensagem contrária: a que o mundo está bem como está, com um punhado de oligarcas a quererem consumir os recursos a todos pertencentes.
Que José Manuel Fernandes se comova com a sorte dos «pobres diabos» mandados fuzilar pelo revolucionário argentino diz bem da sua involução ideológica: foram «pobres diabos» quem acabaram por assassinar o Che nas montanhas bolivianas. Ora, como lembrava alguém cujos ensinamentos o director do «Público» esqueceu, a revolução não é propriamente um convite para jantar...

domingo, julho 08, 2007

A PROPÓSITO DE «IT´S NOT FUNNY» DE MEG STUART (CCB)
Na sua transdisciplinaridade, a dança contemporânea assemelha-se a um caos de movimentos para reproduzir uma mensagem algo repetitiva: o excesso de informação, a violência permanente entre as pessoas, a escassa fronteira entre a graça e a loucura, a solidão no meio das grandes metrópoles.

Há quase nenhuma música, algumas palavras representadas, uma cenografia funcional tendo por eixo uma gigantesca escadaria a lembrar os filmes musicais da Metro, citações cinéfilas (a Busby Berkeley, a Gloria Swanson do «Sunset Boulevard».

Mas quase duas horas de espectáculo em assentos tão incómodos como mal imaginaríamos os houvesse no CCB ajudaram a temperar a abertura para a colheita de novas vivências.
Os criadores deste tempo têm o diagnóstico de tudo quanto está mal no nosso quotidiano, mas não ousam sugerir as utopias pelas quais todos os males poderiam ser ultrapassados. Mesmo que inviáveis, mesmo que de duvidosa credibilidade.

Mas o grande passo da criação dos tempos, que virão, terá de passar pela transmissão de uma alegria possível depois da cinzentude destes anos iniciados na queda do muro de Berlim e talvez enterrados com a saída de George W. Bush da Casa Branca...

LAKME - Léo DELIBES

Se há imensas árias da história da ópera, que poderia escolher como as de maior agrado pessoal, esta é porventura a que tomaria enquanto a melhor entre as melhores...

sexta-feira, julho 06, 2007

La Traviata (Verdi)

A Ópera italiana no seu esplendor. E uma criatividade muito grande de quem fez esta animação...

quarta-feira, julho 04, 2007

José Saramago - Janela da Alma

De como nos rodeiam cegos sem a consciência de o serem

Involuntárias entradas de leão

Até não se lhe pode assacar grande responsabilidade nos seus sucessos imediatos ao mudar-se para o nº 10 de Downing Street. Mas Gordon Brown pode considerar-se um sujeito afortunado: a eficácia com que a polícia inglesa desarticulou uma pífia ameaça terrorista joga claramente a seu favor. Começando a empurrar o legado do antecessor para o lugar na História, que ele merece: um político habilidoso, que soube jogar com as circunstâncias para fortalecer a economia numa perspectiva capitalista - afastando de forma drástica o legado socializante do seu partido - mas descredibilizado pelo acéfalo seguidismo de um expansionismo norte-americano, que partiu os dentes no Iraque.
O primeiro discurso do novo primeiro-ministro inglês foi animador: ciente de quão em perigo estão os actuais equilíbrios sociais com o assalto ao poder do novo líder conservador, Gordon Brown prometeu uma verdadeira revolução.
Os primeiros dias, porém, distraíram-nos de qualquer mudança significativa: desde a semana transacta, que diversos carros armadilhados causaram emoções fortes nas ruas de Londres e junto ao aeroporto de Glasgow num claro aviso ao recém nomeado: não se podem esquecer as suas raízes escocesas.
Por sorte ou por mérito da polícia inglesa, os vários atentados frustraram-se, reiterando uma certa sensação de confiança assumida pela população, que vê justificadas as câmaras espalhadas um pouco por todo o lado.
Mas os verdadeiros desafios são os que se seguirão: qual a postura de Brown em relação ao atoleiro em que se converteu o Iraque? Que resposta dará ele a uma Europa de onde os seus concidadãos se sentem muito mais afastados do que os escassos quilómetros de largura do Canal da Mancha? Que políticas desenvolverá para diluir as gravosas diferenças sociais, que os trabalhistas herdaram dos governos de Thatcher e de Major?
Num continente aonde as políticas de direita não têm mostrado capacidade para vencer os desafios da globalização, do aquecimento planetário ou da progressiva escassez de recursos energéticos e hídricos, a chegada de Gordon Brown ao poder abre reiteradas expectativas. Sobretudo porque quase concomitantes com o surgimento do Die Linke na Alemanha e com a ascensão de Veltroni á liderança da esquerda italiana…
Qual será, então, a evolução do Partido Socialista nesse contexto? Nesta altura ainda se justifica alguma prioridade ao equilíbrio orçamental e ao combate de muitos dos corporativismos remanescentes de tempos idos. Mas a esquerda socialista não pode ficar entregue aos ressabiamentos de Manuel Alegre ou à confusão ideológica de um Medeiros Ferreira.
Há uma grande urgência em se repensar no papel dos socialistas na sociedade portuguesa da próxima década. Esperemos que de Inglaterra soprem ventos inspiradores e consistentes...

terça-feira, julho 03, 2007

Jose Saramago em Janela da Alma

Há quem negue a Saramago a genialidade, que a sua obra reflecte. A idade acrescenta-lhe algo mais: a da sapiência serena dos que já muito viram, dos que já muito compreenderam...

«Janela da Alma», filme de João Jardim e Walter Carvalho

É um filme sobre o olhar. Surpreendente pela sua diversidade, sejam elas as histórias de alguns dos entrevistados, sejam as ideias em que outros primam.
O que está em causa é a questão: o que é o olhar? Poderá ser o espelho de uma alma, que todos pressentem, mas nenhum consegue definir? Ou não é nada disso, já que, para os cegos, esse olhar para o exterior substitui-se por um olhar de dentro, que permite uma maior acuidade em muitos aspectos.
Há algumas redundâncias: às tantas Wim Wenders e José Saramago estão a dizer exactamente o mesmo, ainda que por outras palavras. Mas compreende-se que, mesmo com 36 horas de material bruto, resultante de cerca de 50 entrevistas, João Jardim e Walter Carvalho não tenham prescindido de dois discursos tão inteligentes quantos os referidos. Porque eles falam do excesso de imagens, da inundação de dados, que nos põe em perigo a compreensão do que está à nossa volta. Da cegueira colectiva, que nos distrai do essencial, e que o Nobel português haveria de tão argutamente metaforizar no Ensaio em vias de ser traduzido em filme por Fernando Meirelles.
É ainda de Saramago uma história deliciosa e muito sugestiva sobre o tema do olhar: habituado a frequentar o S. Carlos, mas remetido para as alturas («o galinheiro») devido aos escassos recursos, deparava-se-lhe algo de paradoxal: um efeito decorativo no tecto do teatro parecia majestoso visto de baixo era horrível a partir da sua parte superior.
- Isso ensinou-me a ver sempre os dois lados da mesma realidade! - conclui o nosso prestigiado escritor.
Mas outros testemunhos são, igualmente, fascinantes: o de Hermeto Pascoal com a sua saborosíssima revelação do seu sucesso junto das «mininas lindas» a quem os seus olhos tortos confundiam, quanto à eleita da sua atenção; ou a de Agnes Varda a confidenciar os seus sentimentos contraditórios, quando filmava o companheiro de toda a vida, Jacques Démy, quando ele estava à beira da morte; ou a do vereador de Belo Horizonte, Arnaldo Godoy, quando conta como, já cego, estava numa praia deserta com a filha de um ano e as águas a levam, deixando-o em tal desespero, que os cabelos se lhe embranqueceram; ou a habilidade do filósofo Eugen Bavcar capaz de fotografar rostos apesar de não lhes divisar o mínimo sinal.
Um documentário fascinante sobre o olhar como o veículo ambíguo da nossa identidade...