terça-feira, março 31, 2015

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: Rossellini em Lisboa

Abril anuncia-se como um mês de muitos acontecimentos culturais, que bastarão para nos suscitarem momentos de inequívoca fruição.
Agora que vasco graça moura já não polui os corredores do CCB talvez já se justifique voltar aos Dias da Música - por muito que continue a ser a versão pobretanas da matriz original (a de Rémi Martin). E, por essa mesma altura também teremos o Festival Indie, onde se poderão ver alguns dos filmes mais interessantes, que passam pelos ecrãs nacionais.
Mas até lá contamos com a retrospetiva dedicada a Rossellini, atualmente em curso no cinema Nimas.
É pena que não corresponda a um  projeto mais ambicioso pelo qual tivéssemos acesso a títulos menos conhecidos - nomeadamente os que rodou no período fascista e os produzidos para televisão. Mas reviver as emoções suscitadas por «Roma, Cidade Aberta», reencontrar a Alemanha em ruínas do pós-guerra, subir ao Stromboli com Ingrid Bergman, ou acompanhar-lhe a desilusão amorosa na sua Viagem por Itália, serão quatro propostas irrecusáveis. Como o será assistir de novo a essa inolvidável interpretação de Anna Magnani no monólogo da «Voz Humana» de Cocteau.
Sobram ainda mais cinco filmes, que não constituiriam uma primeira escolha perante os atrás referidos, mas todos eles com a marca da maestria de um dos mais emblemáticos criadores da cinematografia italiana do pós-guerra. 

domingo, março 29, 2015

CINEMATECA: «A Passagem do Noroeste» segundo King Vidor

Nesta segunda-feira a Cinemateca apresenta o melhor dos filmes de aventuras da autoria de King Vidor: «A Passagem do Noroeste».
Passada no século XVIII, e tendo Spencer Tracy como protagonista, o filme acompanha o major Rogers e os seus rangers na procura da mítica passagem na América do Norte, enfrentando-se obrigatoriamente com os índios.
No projeto inicial constava a possibilidade de se tratar do assunto em dois filmes, mas só este se concretizaria.
Muito elogiado pela sua esplêndida fotografia a cores, o filme remete para a nostalgia de um tempo em que ir ao cinema pressupunha a inocência de querer acreditar em histórias bem contadas sem nelas detetar as ambiguidades. 

DIÁRIO DE LEITURAS: «Zona Quente» de Richard Preston (1a parte)

Há alguns meses as notícias de abertura dos telejornais estavam focalizadas na epidemia de Ébola iniciada na África Ocidental, mas que chegaria depois á Europa e aos EUA.
Atualmente, muito embora essa ameaça esteja ainda latente, já quase foi esquecida e não ficámos garantidos quanto á possibilidade de vir a ser descoberto proximamente um fármaco eficiente e capaz de travar a quase condenação à morte, que a contração da doença significa.
Há vinte anos este livro de Richard Preston foi um sucesso de bilheteira por descrever detalhadamente a forma como os filovírus vieram para se instalar duradouramente na nossa realidade quotidiana.
Na passagem do ano de 1980 um francês radicado numa plantação queniana vai passar uns dias com uma companheira ocasional ao monte Elgon, perto do Rift.  Com 56 anos, Charles Monet ainda era um homem vigoroso apesar de conhecido pela sua pacatez.
Internando-se na caverna Kitum, onde as manadas de elefantes costumavam procurar satisfação para as necessidades em sal, contrai o vírus de Marburg ao tocar em fezes de morcegos.
Oito dias depois começa a sentir-se adoentado e é embarcado para Nairobi pelos colegas de trabalho na plantação. Não podiam imaginar que o corpo dele estava transformado numa bomba biológica, que explodiria nas urgências do Hospital, com fezes, sangue e outra matéria contaminada a espalhar-se à sua volta.
Dias depois, a 15 de janeiro, o dr. Shem Musoke, que procurara reanimar Monet na semana anterior e fora atingido pelo seu colapso, começa com dores de costas logo seguidas de acelerada degradação de todos os órgãos incapazes de conter os muitos derrames que se espalhavam por todo o corpo devidos à não coagulação do sangue.
Felizmente para ele, após alguns dias de quarentena, começa a melhorar até à recuperação. É que o vírus em causa, o Marburg, embora pertencente à mesma família dos filovírus designados por Ébola, revela-se menos letal, apenas matando um em cada quatro pacientes.
O nome de Marburg fora-lhe atribuído em 1967, quando três dezenas de alemães a trabalharem num laboratório foram fatalmente contaminados por macacos comprados em África para serem utilizados em experiências científicas.
Por seu lado o Ébola fora descoberto no Zaire em 1976, quando uma região remota teve a sua população praticamente dizimada por uma epidemia, que acabara por chegar à capital com uma enfermeira a causar o pânico ao andar de hospital em hospital para procurar nas Urgências a solução para o colapso progressivo do seu organismo
Nove anos depois, uma amostra recolhida no sangue dessa enfermeira quase contamina Nancy Jaxx, major do Exército americano, envolvida em investigações sobre vírus num dos mais sofisticados laboratórios do mundo. 

sábado, março 28, 2015

DIÁRIO DE IMAGENS EM MOVIMENTO: «Longford» de Tom Hooper

Se há ator inglês capaz de me levar a ver filmes por si interpretados e de que nada sei, Jim Broadbent é um deles. Foi, pois, nesse estado de alma, que me pus a ver «Longford», realizado por Tom Hooper em 2006 e chegado com a chancela do canal Sundance.
Do caso real não guardo qualquer memória: entre 1963 e 1965, o casal constituído por Myra Hindley e Ian Brady violou e assassinou cinco crianças entre os 10 e os 17 anos. Se a imprensa da época salazarista deu algum ênfase ao sucedido, passou-me completamente ao lado.
Nunca ouvira, também, qualquer referência a Lord Longford, um respeitado trabalhista, que terá feito meritório trabalho de apoio a presidiários durante várias décadas, estimulado pela sua conversão ao catolicismo.
É nesse âmbito, que ele se interessa por Myra, cuja personalidade não parece ajustar-se ao «monstro» odiado pela generalidade da opinião pública. Pelo contrário, não só a julga manipulada pelo companheiro - ele sim odioso! - como a admira no propósito de regressar à fé religiosa.
Esse envolvimento militante na causa de Myra, que pretenderá ver aceite como candidata à liberdade condicional, não é bem visto pela família e pelo Partido. Neste caso o próprio Harold Wilson teme a popularidade negativa trazida por esse camarada e demite-o das funções ministeriais.
Todo o filme será trabalhado em tal dúvida: seria Myra credível no seu arrependimento? Ou, pelo contrário, vira em Longford, um ser facilmente transformável num joguete da sua estratégia perversa?
Convocando o político à prisão onde se encontra, Ian Brady tende a convencê-lo da segunda possibilidade. Mas, nem mesmo assim Longford desiste, tanto mais que leva consigo a esposa numa visita à prisioneira e o tratamento crapuloso a que ela é sujeita fazem-na passar por uma mártir da incompreensão alheia.
É quando a possibilidade de revisão da pena dela se torna consistente, que Brady joga a sua última cartada: convence Longford a obrigar Myra a confessar os dois crimes, que ainda estavam por esclarecer. Torna-se evidente que ela e o cúmplice cumprirão a pena de prisão perpétua sem que seja exequível qualquer revisão.
O último encontro de Longford com Myra ocorre, quando o enfisema dela está quase a ter o seu desiderato. E onde a dúvida continuará a persistir, muito graças ao desempenho admirável de Samantha Morton, que vai alterando as expressões faciais em função das diversas circunstâncias em que Longford a encontra.
Mas, seja qual for a verdade sobre a maior ou menor culpabilidade de Myra, fica latente a questão levantada por Lady Longford: «porque é que uma assassina de crianças é vista como um monstro e o mesmo não sucede com os homens acusados do mesmo crime»? 

DIÁRIO DE LEITURAS: «Falsos Passaportes» de Charles Plisnier

Charles Plisnier foi um escritor belga de expressão francesa, que viveu entre 1896 e 1952.
«Falsos Passaportes» é uma coletânea de contos e novelas cujo tema principal é a vida e os dramas internos do movimento comunista de acordo com a experiência de vida do próprio autor.
Plisnier foi, de facto, membro do partido e presidente do Socorro Vermelho Internacional, antes de se deixar seduzir pelo trotskismo e ver-se expulso no Congresso de Antuérpia.
Conjuntamente com as obras de Victor Serge, este livro ajuda a compreender a crise por que passou o Partido Comunista nos finais dos anos 20, sem cair na maledicência em relação aos antigos camaradas.
Nestas histórias vividas, o homem e o partido entram em contradição, com aquele a ter de se submeter o mais possível às exigências coletivas mesmo à custa da máxima abnegação. É esta capacidade de entrega, que caracteriza personagens tão diferentes como Ditka, a “terrorista sérvia” que se orgulhava de ter como tesouro as cicatrizes vermelhas no sítio onde haviam estado os seios, arrancados pela polícia, e que morre enforcada em Sofia. Ou Carlota, capaz de sacrificar o amor à justiça do partido, quando descobre que o homem amado traíra a causa.
Em «Falsos Passaportes», Charles Plisnier mantém-se firme na fidelidade à ideologia marxista.
«Maurer», a segunda novela, é a transcrição romanesca de um lugar comum do comunismo: a oposição  frontal do psicológico com a vertente económica. Pilar Guilhen y Ariaga, oriunda de uma família aristocrática espanhola, torna-se numa estudante comunista. O narrador começa por a considerar uma mera intelectual disposta à luta por saber que “a sua classe está condenada pela História” e por isso aposta numa revolução, que nada tem a ver com os seus gostos mais secretos, quer estéticos, quer relacionados com o luxo.
Na realidade, em Pilar o sentimento mistura-se intimamente com as considerações “científicas”, que formula: ela é a amante, a “companheira” de um revolucionário espanhol, Santiago Maurer. Acompanha-o numa vida tão perigosa como marcada pela mais negra miséria. E é esta última, que acaba por não conseguir suportar. Por isso decidirá regressar a casa dos pais, enquanto Maurer é morto pela polícia.
Na última novela, «Iegor», Plisnier evoca os famosos processos de Moscovo, onde desapareceram tantos velhos bolcheviques. As divergências entre o escritor e os novos chefes do comunismo não são propriamente ideológicas, mas morais e sentimentais.
Para Iegor, que possui uma lógica implacável, existem por um lado as veleidades individuais  e por outro o Partido “contra o qual nunca se pode ter razão”. Por isso Iegor irá até ao limite da sua fidelidade: quando ele próprio põe em causa a unidade do partido, decide submeter-se e reconhecer crimes imaginários, que sacrificam a sua honra em proveito da Revolução.
«Falsos Passaportes» ganhou o Prémio Goncourt em 1937 e revela-se um retrato muito interessante sobre os costumes comunistas. Em nenhuma das suas páginas se adivinha ponta de rancor: quase se poderia dizer que, no fundo, o autor dá razão a esses protagonistas, que entram em contradição consigo mesmos.
A inserção de alguns personagens reais e de grandes acontecimentos históricos, associados à preocupação com os pormenores, dão ao livro uma credibilidade, que seduz. Quanto ao seu valor literário fica marcado pela entrada da política como tema principal da obra romanesca... 

sexta-feira, março 27, 2015

CINEMATECA: Jacques Tourneur em três títulos menos conhecidos

Passou ontem na Cinemateca um interessantíssimo filme de Jacques Tourneur, rodado em 1948 e intitulado «Berlin Express».
No ciclo, que está a decorrer, seria um dos filmes mais imperdíveis do realizador. Interpretado por Merle Oberon e Robert Ryan, «Berlin Express» mostra a cidade em ruínas com os nazis na clandestinidade a raptarem um político fundamental para o processo de reconstrução. Militares e civis unem esforços para o libertarem e punirem os saudosistas do regime hitleriano.
Mas, se se quiser aproveitar para conhecer a filmografia de Tourneur, esta sexta-feira serão apresentados dois outros filmes do realizador. Às 18 horas haverá um filme de piratas, «Anne of the Indies», realizado em 1951, com Jean Peters no papel principal.
Depois de se firmar como rainha dos fora-da-lei ela perde-se por amores por um oficial francês, que a trairá, deixando-a morrer às mãos do temível Barba Negra.
Mais tarde, à meia-noite, na sessão semanal que a Cinemateca dedica ao género, pode-se ver «O Gato miou três vezes» que, em 1963, reunião quatro dos grandes atores do cinema de terror: Vincent Price, Peter Lorre, Basil Rathbone e Boris Karloff. A história é passada na Nova Inglaterra em finais do século XIX, quando dois agentes funerários, à falta de clientes, aguçam o engenho e arranjam-nos mediante o assassínio premeditado.
Conclui-se facilmente que os dois filmes de Tourneur desta sexta-feira ficam aquém em interesse ao do que ontem foi exibido, mas há sempre razões bastantes para descobrir os seus títulos menos conhecidos por estarem presentes muitas das suas principais características. 

quinta-feira, março 26, 2015

SONORIDADES: "Love is a Many Splendored Thing" de Alfred Newman

Houve um tempo em que o grande cinema norte-americano era visto nas salas do São Luís, do Tivoli ou do Monumental.
«A Colina da Saudade», que Henry King, assinou em 1955, era o paradigma do grande cinema romântico e teve um enorme sucesso popular, valendo a William Holden e a Jennifer Jones dois dos seus desempenhos mais memoráveis.
Mas o filme contava também com a banda sonora de Alfred Newman, em que se incluía uma canção tão conhecida - «Love is a Many Splendored Thing» - que integraria doravante o reportório standard  dos melhores crooners.
Para rever o filme, ademais com uma fotografia irrepreensível em cinemascope, e reviver um certo espírito de um tempo definitivamente passado, a Cinemateca dá esta noite nova oportunidade. 

CINEMATECA: John Ford entre o mar e Monument Valley

Por muito que tenha sido toda a vida um conservador, John Ford sempre me mereceu o respeito de ter tido a coragem de, perante colegas de profissão perseguidos como comunistas pelo tenebroso senador Mccarthy, ter assumido corajosamente a sua defesa. Também a ele devemos a lógica de, perante a realidade, ou perante a lenda, se preferir justificadamente a segunda.
É por isso que vale a pena sublinhar a apresentação de dois dos seus filmes, hoje e amanhã na Cinemateca.
Hoje à tarde é exibido «Tormenta a Bordo», que adapta quatro peças num ato de Eugene O’Neill e retrata a vida de um grupo de marinheiros a bordo de um navio ou nas suas zaragatas em terra.
Embora os EUA ainda estivessem distanciados do conflito europeu - o filme é de 1940 - «The Long Voyage Home» já o tem como cenário, porque surgem os ataques aéreos, as situações de espionagem e o transporte de munições para Londres.
Amanhã é apresentado «A Caravana Perdida», já produzido num outro contexto porque datado de 1960, e que é uma das joias da filmografia fordiana. Em vez de atores de primeira dimensão, Ford contou com um elenco  menos ambicioso, mas não menos competente, mas sobretudo ganhou espaço para filmar o seu cenário de eleição: Monument Valley.
É nessa paisagem de eleição, que um grupo de mórmons avança penosamente à procura da sua Terra Prometida. 

quarta-feira, março 25, 2015

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: «Citizenfour» de Laura Poitras

Apesar de ter ganho o Óscar o documentário de Laura Poitras passou quase anonimamente pelas salas de cinema nacionais.
«Citizenfour», a tradução em filme dos dias passados por Edward Snowden em Hong Kong, com ele a explicar-se por ter denunciado a tenebrosa máquina de espionagem criada pela NSA, mereceria bem melhor atenção. Mas, infelizmente, poucos dão importância à violação constante a que as nossas vidas são sujeitas  a coberto da luta contra o terrorismo. Existe uma tal abulia coletiva e global sobre os ataques a alguns dos nossos direitos fundamentais, enquanto cidadãos do mundo que esta indiferença não nos pode surpreender...
Homem corajoso e idealista, Snowden arrisca-se a passar o resto da vida na Rússia sob pena de enfrentar julgamento por alta traição nos tribunais norte-americanos. Mas aquilo que ele denunciou serviu para mostrar a verdadeira face de um Obama, chegado à Casa Branca com uma imagem tão santificada, e cujos mandatos têm correspondido a uma enorme deceção. Porque nem se esforçou para que a América mudasse, como até permitiu que alguns dos  monstros mais assustadores consolidassem o seu poder.
A América, que Obama legará ao seu sucessor não diferirá muito da recebida de george dabliú: racista e com uma obscena distribuição de rendimentos entre os mais ricos e os que nada têm.
E, no entanto, teria bastado a Obama utilizar o enorme capital de esperança nele inicialmente investido para sinalizar o advento de novos valores: a começar pela restrição do poder financeiro, que tão indignamente se portara na crise de 2008. Tivesse-se lhe quebrado a espinha e o mundo de hoje seria completamente diferente.
Salvaguardados os seus interesses, o mundo financeiro voltou aos negócios como anteriormente. E as práticas criminosas da NSA mais não fazem do que complementar a guerra, que os grandes bancos movem contra os interesses dos povos...