domingo, março 20, 2016

IDEIAS: O Mundo fará algum sentido?

A Filosofia é uma história de amor. Ou seja, uma história de epiderme. Ora, há filósofos, que por razões obscuras suscitam urticária e outros que dizemos trazer na pele. Merleau-Ponty é daqueles filósofos, que não conseguimos discernir se gostamos pela sua sensibilidade, se pela sua inteligência. Porque um grande filósofo toca-nos quer pela razão, quer pelo coração.
Merleau-Ponty funciona nos dois registos, quer no da intuição sensível, da perceção, das coisas não compreendidas, mas sentidas, quer no de uma inteligência pura, no de um cartesianismo apostado em conhecer as coisas, ordená-las e classifica-las. É como se interligasse duas tradições distintas, a do espírito e a do corpo.
Ele não quer abandonar as exigências da reflexão, mas recusa cingir-se a ela, porque não pode abstrair-se das coisas ou dos outros que o rodeiam.
Platão definia o filósofo como aquele que era incapaz de fazer um prato, mas conseguia falar com os deuses. O que fez olhar para a Filosofia como tratando-se de um exercício abstrato. Ora há filósofos, que teorizam exatamente o contrário dessa tese. Que é o caso de Merleau, incapaz de pensar sem ser possuído pelo que pensa. Para ele a Filosofia é um compromisso onde não se pode investir apenas metade de si mesmo. Constitui uma profissão em que pensa com todo o seu Ser, ou seja com as suas emoções e afetos,  naquilo que o referido Platão designava por “alma no seu todo”.
Não se trata de renunciar à verdade, mas abordá-la de forma diferente. Procura a verdade dentro de si desde que consiga libertar-se dos preconceitos da estranheza. Ele rejeita, então, que essa verdade surja só de si mesmo, porque nada se é sem o mundo em que se integra, sem os outros com que se sociabiliza.
Muitas vezes o erro em que incorremos é ver a vida como um espetáculo, que desfila aos nossos olhos, quando nós próprios somos dela participantes. É a grande questão da perceção, em que temos de distinguir a parte de nós e a parte das coisas ou dos outros, que integra essa realidade. Essa é a questão fundamental para Merleau-Ponty: vemos, mas também somos vistos! Incorremos na ilusão de tudo controlarmos se imaginamos que o mundo não existe sem nós.
O que seria um mundo que eu não visse? O que seria um amor que eu não vivesse? Merleau defende que podemos imaginá-los e por isso salvaguardou a chamada a “tese de objeto”.
Num dos seus melhores textos ele reconhece que a Ciência explica as coisas, mas renuncia a habitá-las. Porque renuncia a um dos princípios fundamentais da Fenomenologia, que é o de regressar sempre às origens para melhor compreender as coisas. O geógrafo começou por percorrer a paisagem, o geómetra viu primeiro os objetos, e isso corresponde ao nascimento da objetividade capaz de melhor entender o que se vê. É a passagem do sensível para o inteligível.
Em suma, trata-se de encontrar o mundo de que já se faz parte. Em política isso equivale a ser-se Sujeito de um Todo de que não se possuem certezas absolutas. Por isso o homem é por natureza interrogativo, incapaz de alcançar respostas definitivas. 

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