sábado, maio 31, 2008

INSTITUIÇÃO CRIMINOSA GERA CRIMINOSOS EM CADEIA

Confesso a minha genuína incapacidade para compreender a reacção desses pais e dessa irmã gémea, que choram a estranha morte de uma mulher-soldado no Iraque, mas não a atribuem, em termos de responsabilidade, a George W. Bush e à sua clique instalada na Casa Branca.
A história surgiu num dos documentários que a Sic Notícias costuma mostrar sob o título genérico «Panorama BBC» e mostra casos tenebrosos de mulheres-soldado norte-americanas, que foram vítimas de violações nos quartéis aonde prestavam serviço.
O documentário mostrava como a pretensa igualdade entre géneros, a que a instituição militar norte-americana se viu obrigada pelo poder político, não foi devidamente assimilada, acabando por ser torpedeada por quem aproveita a oportunidade para humilhar, agredir e abusar das mulheres, que lhes surjam ao alcance.
Ora essa situação insere-se dentro de uma lógica ideológica, que teve como lídimo representante nos últimos anos esse inefável texano, cuja partida para a reforma irá criar uma sensação de alguma higiene mental recuperada a nível da política internacional.
Aqueles pais e aquela irmã não podem compreender, como muitos dos eleitores republicanos, que os piores excessos do regime em vigor têm de ser imputados a políticas criminosas, dentro das quais os violadores passam por inquéritos inócuos, quase sempre concluídos em absolvição.
No caso da rapariga morta mostra-se como, tão só devolvido à impune liberdade, o agressor voltou a assediá-la ostensivamente. Por isso se a sua morte decorreu da depressão de se sentir incapaz de evitar novas agressões ou de uma retaliação brutal de um psicopata denunciado, o que está em causa é a ideologia de agressão ao mais fraco, que subjaz ao discurso militarista do Pentágono.
E se essa instituição se revela criminosa no seu todo não admira que os seus responsáveis nos mais diversos escalões repliquem essa postura crapulosa…

domingo, maio 25, 2008

UM OLHAR SOBRE A POBREZA

O estudo «Um Olhar sobre a Pobreza», agora apresentado por um conjunto de investigadores coordenados por Alfredo Bruto da Costa, não traz propriamente uma conclusão inesperada: entre 1995 e 2000, mais de metade da população portuguesa viveu uma situação de pobreza, que não é explicada apenas pela realidade do desemprego. É que, mesmo trabalhando, as famílias não conseguem ganhar o suficiente para satisfazerem as suas necessidades básicas. O que tem a ver com o seu nível de qualificações muito baixo, embora a realidade dos licenciados desempregados tenda a juntar a esses desfavorecidos, camadas de jovens nascidos em famílias da classe média.
O estudo ainda é elucidativo a outro nível: o da falência das políticas governativas destinadas a reduzir a dimensão dessa pobreza, mostrando como os subsídios da União Europeia e as dotações orçamentais nada vieram alterar essa realidade.
O que lança uma outra possibilidade: só com políticas diferentes, dentro de uma outra lógica ideológica, é que será possível produzir outros resultados…
Também para acabar com a pobreza se justifica um outro tipo de sociedade.

Karajan - Beethoven Symphony No. 6 In F Major 'Pastoral'

Hugo Niebeling, o realizador desta versão da interpretação da 6ª Sinfonia de Beethoven pel Filarmónica de Berlim dirigida por Herbert von Karajan, conta que, no final da projecção do filme, olhou para o maestro e este não estava branco, estava sim verde de raiva.
De facto o pior que se podia fazer a este egocêntrico narcisíaco (e a redundância faz aqui todo o sentido)era retirar-lhe o protagonismo. Normalmente nos outros filmes com Karajan, as câmaras fixam-se apenas nele, subalternizando totalmente a orquestra. Ora Niebeling faz exactamente o contrário: são pouco frequentes as imagens do maestro, quedando-se as câmaras nos pormenores da orquestra, na sua visão global ou em intencionais perdas de nitidez, destinadas a conferir às imagens uma tradução abstracta.
Pessoalmente nunca vi um concerto tão bem vertido em imagens...

AS INSUSPEITAS PORTAS ABERTAS PELOS TIRANOS

Que dizer de um ditador, que se apossa de um espaço e aí pretende impor a sua visão do que deverá ser essa sociedade? Criando uma milícia de jovens arrogantes, que entram portas adentro das casas para verificar se os governados se portam de acordo com os cânones definidos pelo grande líder…
Neste planeta, que avança pelo milénio adentro, ainda é possível encontrar este tipo de visionários tenebrosos, agora quase cingidos a países do Terceiro Mundo influenciados pela leitura mais ortodoxa do Corão. Ou em África com alguém da estirpe de um Mugabe.
Mas, pudesse George W. Bush concentrar em si os poderes de um ditador, quem nos diria que não imitaria os Ahmenidejadhs só para proibir o aborto, eliminar os homossexuais e dar ainda maior liberdade aos donos dos campos de petróleo.
E, no entanto, essa vontade de tudo comandar sobre os comportamentos dos governados é tão velha quanto o mundo e a existência de quem manda e de quem obedece.
Na viragem do século XV para o XVI, em Florença, Savoranola foi efémero líder deste tipo de governo.
Populista, conseguiu mobilizar os mais miseráveis para condenarem a corrupção dos detestados ricos, fazendo-os únicos responsáveis dos sofrimentos de quem nada possuía. E, graças ao sucesso dessa demagogia, passou a impor um conjunto de valores puritanos, que faziam do sexo a origem de todos os males.
O seu radicalismo era tão delirante, que até os seus seguidores começaram a duvidar de tantas proibições, de tanta conotação dos mais naturais gestos a tenebrosos pecados. E, quando ele é sujeito à fogueira, já poucos o lamentarão.
O que não deixa de ser singular é o facto de, pela sua capacidade de mobilização dos mais pobres, ele ter lançado as bases para pôr em causa os valores feudais, que ainda perduravam na sociedade de então.
Às vezes acaba por ser a tirania a abrir mais convictamente as portas da História futura...

quarta-feira, maio 21, 2008

Travelling Birds Sigur Ros as played by Kronos Quartet

Foi uma das mais belas peças apresentadas pelo Kronos Quartet no concerto de ontem no CCB. Mas este filme, que a ilustra só valoriza a interpretação do grupo...

FECHAR OS OLHOS PARA VER

Gauguin aconselhava a fechar os olhos, quando se quisesse realmente ver. E essa é uma regra, que pode ser seguida em muitas vertentes. Na realidade somos iludidos pelos nossos olhos, que nos sugerem realidades distintas das autênticas.
Porque estamos em Maio, e se comemoram os quarenta anos dos acontecimentos de Paris, vale a pena recordar como o «Le Monde» se equivocava ao olhar para a realidade francesa de então e anunciava «Os franceses aborrecem-se» e, logo de imediato, via a imaginação ganhar tal relevância nas ruas.
O que via aquele repórter estava completamente desfocado do verdadeiro sentimento de quem não tardaria a arrancar pedras da calçada para procurar a praia.
É o que pode estar a acontecer nesta altura: em aparência, deparamo-nos com um capitalismo avassalador, que não parece dar espaço a outro tipo de sociedade. E, no entanto, de repente, tudo pode mudar, graças aos preços do petróleo ou dos cereais, ou aos efeitos financeiros da avidez dos bancos norte-americanos pelo lucro.
Vale, pois, a pena seguir o conselho do pintor: porque não fechar os olhos e imaginar o quanto se torna urgente o advento de uma outra forma de existirmos?

UM PARTIDO DESTINADO A DAR ESPECTÁCULO


O PSD, toda a gente sabe, nasceu para dar espectáculo! Está no seu DNA, faz parte do seu cromossoma. Nenhum outro partido português tem esta vocação circense, esta alma de gladiador de circo romano. Só o PSD nos dá, gratuitamente, esta intensidade.

Domingos Amaral, Diário Económico, 30/4/2008

O texto de Domingos Amaral já tem algumas semanas, mas a campanha eleitoral que mobiliza o maior partido da oposição mantém plenamente actual a ilação então aduzida: o PSD nasceu de facto para dar espectáculo. Sobretudo, quando entra em cena esse caso de estudo, que se chama Santana Lopes. Que não leu verdadeiramente Marx, porque senão saberia que a História se repete sempre duas vezes, a primeira como tragédia, a segunda como farsa.
Que a primeira passagem de Santana Lopes por São Bento foi uma tragédia, bem o sentimos nas medidas a que o Governo socialista se viu obrigado para corrigir o autêntico regabofe nas contas públicas, que encontrou ao substituí-lo.
Mas, qualquer que seja o resultado deste confronto eleitoral, dispensamos bem as gargalhadas que esse eventual regresso ao poder sugeriria.
Apesar de alvo de uma campanha sistemática de contestação, liderada pelo jornal «Público», José Sócrates parece ser o único capaz de, nesta altura, manter um rumo adequado para o país…

sábado, maio 17, 2008

Enya - Orinoco Flow

Dos grandes rios da Terra terá sido o único por onde não andei. Guardo imagens vividas do Nilo, do Amazonas ou do Iansequião. Mas este ficou de fora.
No dia em que Enya faz anos, aproveito para evocar a canção em que ela falou do caudal desse rio...

JENNIFER JASON LEIGH

Não serão muitas as opiniões em que estarei de acordo com Pedro Mexia, atendendo a que as suas posições ideológicas estão-me distantes cento e oitenta graus. Mas, pelos vistos, temas há que suscitem a unanimidade dos nossos juízos. E Jennifer Jason Leigh parece ser um deles… pelo menos a ajuizar pela crónica por ele publicada no «Público» de 17 de Maio.
É verdade que a actriz em causa nunca ganhou uma estatueta da Academia de Hollywood, mas isso só desabona essa instituição. Porque, a par de Francês MacDormand, de Susan Sarandon e de não muitas mais actrizes norte-americanas, ela é daquelas que justifica ver um filme por muito que ele nos suscite desconfiança: porque em cada cena, existe um olhar, um gesto, que não estão escritos no argumento, mas que dão corpo ao personagem.
Ela é daqueles valores a quem não se presta a devida justiça...

SONHOS HÚMIDOS

Foi na viragem dos míticos anos 60 para a década seguinte, que se organizou em Amesterdão o Wet Dream Festival, organização underground destinada a promover o cinema pornográfico como símbolo da Revolução Sexual então em voga.
De todos os países ocidentais compareceram centenas de jovens dispostos a verem filmes proibidos, que explicitavam todas as transgressões possíveis. O sexo funcionaria, então, como uma espécie de combustível da Utopia.
«Jouissez sans entraves», o documentário de Yvonne Debeaumarche vai à procura de quem organizou ou se limitou a participar nesse evento, que se inseria na lógica afirmativa de um novo tipo de sociedade.
Jim Haynes era um dos principais responsáveis pelo festival: norte-americano, que se assumia como um autentico guru da contracultura, ele vivia então em Londres, aonde estava ligado a um dos jornais de vanguarda da cultura hippie, que propunha o sexo sem limites como forma de quebrar as grilhetas do pudor. Que eram as que serviriam o poder a derrubar.
Nessa época em que a pílula ainda não estava disseminada, o grande terror das raparigas era engravidarem. O resultado era uma espécie de miséria erótica.
Quando Londres se tornou demasiado perigosa para a liberdade dos editores da revista «Suck», Jim Haynes e Bill Lévy mudam-se, da armas e bagagens para o Continente. Amesterdão era, então, o local ideal para prosseguirem a sua militância no principal conceito que defendiam: o mundo tornar-se-ia bem melhor se se fizesse amor em vez da guerra. Pondo fim aos Vietnames ou aos Biafras, que então invadiam os noticiários internacionais.
Os filmes que concorriam ao «Falo de Ouro» rompiam com todos os tabus. Sade, até então votado à clandestinidade, ressurgia na sua devida relevância. A violação e o sadismo surgem em «Justine», um filme de escasso valor cinematográfico, da autoria de Claude Pierson, mas deveras significativo enquanto móbil de uma ruptura.
A própria homossexualidade ganho foros de cidadania com a projecção de um filme de Jean Genet, a preto e branco. A par da zoofilia, da pedofilia, do incesto…
Exploram-se todos os limites. A regra para os redactores da «Suck» era escreverem sobre tudo quanto fizesse tremer a própria mão.
No último ano do evento - em 1971 - o festival concluiu-se com uma grande orgia a bordo de um barco fretado para levar os convidados até fora das águas territoriais. Quem lá esteve recorda todos em pelota e bolas de haxixe disponíveis para quem quisesse experimentar a conjugação do sexo e do psicadelismo. Em todas as combinações possíveis tendo como regra a exacerbação do desejo.
O pior terá sido o regresso a casa, com o ciúme a envenenar o que fora concebido como um acto de libertação. Afinal os afectos sobrepunham-se às teorias e poucos gostavam de ver os parceiros ou parceiras a terem relações com desconhecidos.
Muitas dessas almas inquietas começaram aí uma regressão, que, nalguns casos, os levariam depois a execrar o que até então haviam acreditado. Passando do oitenta para o oito, assumindo-se como guardiões de uma moral, que tanto haviam posto em causa.
A idade do Ouro da Revolução Sexual, que decorreria entre a descoberta da pílula e o surgimento da Sida, teria aí o seu advento ...

MESQUINHEZ

Mesquinhez! Não há palavra que melhor defina mais uma campanha jornalística contra o primeiro-ministro a propósito do episódio do cigarro fumado no avião entre Lisboa e Caracas.
Em vez de enfatizarem o valor político e económico dos acordos estabelecidos com o governo de Hugo Chavez, que tanto beneficiará a comunidade portuguesa na Venezuela e os próprios portugueses, que verão crescer assim o valor anual das exportações, os jornalistas e os opinadores - sobretudo os da imprensa afecta a Belmiro de Azevedo e a Francisco Balsemão - não falaram de outra coisa. Enfatizando o pormenor em detrimento do essencial… Como ocorre nesta imprensa dos grandes barões da nossa economia dispostos a criarem as condições mais adequadas para terem mão-de-obra acéfala, iludida em futebóis e telenovelas, e enquanto tal mais disposta a deixar-se explorar até ao tutano.
Se tivesse que encontrar paralelo cenográfico para o panorama da nossa imprensa e audiovisual não imaginaria algo muito distinto do que a Cornucópia escolheu agora para a peça «Don Carlos, Infante de Espanha» passada no tempo da Inquisição Espanhola.
Há a mesma tentação em pôr todos os filhos da Nação a acreditarem nos mesmos valores e mitos, excomungando quem se atreva a advogar a diferença.
O que José Sócrates está a fazer, enquanto primeiro-ministro, é notável na sua determinação e no que são os seus objectivos de conduzir o país a um patamar de excelência. Para tão ambiciosa omeleta, dispõe de ovos pouco frescos, quiçá estragados nalguns casos (e a imprensa em causa é disso exemplo). Mas, pouco a pouco, contra ventos e marés vai fazendo-o.
Para despeito de quem, na mediocridade, só pode invejar os que têm reconhecidamente valor…

quarta-feira, maio 14, 2008

Tchaikovsky - violin concerto - Allegro moderato part I

Tchaikowsky compôs esta obra na Suiça, quando aí se refugiara na sequência do fracasso do seu casamento.
É uma obra lindíssima, que espelha um coração torturado, tomado ora de melancolia, ora de aceitação do seu destino, ora de súbita de resolução de algo mudar.
Uma música que sempre se gostará de ouvir...

O CLUBE DO CEMITÉRIO

Este filme documentário vai incidir na forma como um grupo de idosos alimenta os seus últimos anos de vida tentando, desse modo, vencer a solidão.
Lena, a protagonista, e não por acaso, será o elo que nos levará a todos eles. Ao longo da película, que terá envolvido horas e horas de filmagens, vão-se desenrolando os seus encontros e desencontros ao sabor do desaparecimento de alguns destes velhotes. Geralmente a realizadora, sobrinha e neta de duas intervenientes, dá a última palavra a quem antes de um funeral se sobressaiu, fazendo-lhe realçar as suas qualidades. Um velho que diz poemas. Outro que se confessa enamorado. Um outro que invectiva os companheiros ao dizer que eles, judeus, fazem aos outros o que não quiseram que a si fizessem. Tal afirmação gerou polémica, prontamente apaziguada pelo toque da hora do lanche. Razão posta à prova da anedota de que entre três judeus, surge sempre um terceiro partido. Pois, as discordâncias são inúmeras. Com particular realce na pessoa de Lena.
Lena é a velha que contra argumenta perante tudo, exaltando-se no verbo fácil de abespinhar quem, em seu redor, se atrever ir contra corrente, até no simples interromper de conversa que se esforça por monopolizar. Quem com mais isso sofre é a sua cunhada e amiga de infância. Sujeita a ouvir da sua boca epítetos como ignorante ou a ter de passar férias com ela. Gabe-se-lhe esta paciência estóica.
O filme consegue ser subtil no humor inerente a cenas patéticas no constante passar dos velhos, cadeira desdobrável e piquenique na mão, face ao mausoléu, que sinaliza o nome do cemitério, e que Lena defende ser esse o verdadeiro nome do clube. Não o clube do cemitério como lhe chama a realizadora.
No fim e porque o número de elementos se vai reduzindo por morte ou por impossibilidade de deslocação, as reuniões prosseguem no lar onde estão os mais fracos, os que se sucederão no próximo funeral até à extinção. Depreende-se!

segunda-feira, maio 12, 2008

«Le Drôle de Mai» de José Vieira

Ao vermos documentários históricos é fácil encontrar perspectivas muito extremadas sobre determinadas realidades por que passámos. A respeito do período salazarista-marcelista da História portuguesa, ora parece que quase toda a população era do contra, como o confirmaria a campanha eleitoral do General Humberto Delgado, ora aparentava aceitar passivamente a «ditabranda» que ela muitas vezes se aparentava.
No documentário de José Vieira, «Le Drôle de Mai» temos este contexto visto de uma França aonde eclodia a revolução nas ruas. E de onde muitos portugueses fugiriam por medo do clima de insurreição e de anarquia, que imperava à sua volta.
É evidente, que esses fugitivos da Revolução tinham razões para a sua cobarde retirada: gente simples do campo, temerosa a Deus e nada sabendo do mundo em que viviam, era facilmente tomada do medo pelo que não poderiam compreender. E daí fugirem para a toca apertada de onde tinham partido. Mas é, igualmente, importante considerar o encorajamento ao regresso a Portugal de todos esses emigrantes que, a ali presenciarem tais «modernices» e gostarem, poderiam ganhar a tentação de as querer divulgar por cá. E isso era o que mais afligia a ditadura. Por muito que os francos vindos de França fossem essenciais para continuar a pagar os custos da Guerra Colonial...

domingo, maio 11, 2008

«Love Express», um filme de Elena Hazanov

Nesta sociedade a contas com a falta de tempo e o individualismo, têm surgido formas inovadoras de encontrar o parceiro ideal para a vida. São os encontros organizados para aviões, para barcos, para bares e discotecas. É o universo do speed dating ou do speed flirting.
O tema de «Love Express», telefilme suíço de Elena Hazanov, realizado em 2004, e contando com Mathilda May num dos principais papéis, versa essa temática, escolhendo para espaço da acção um cruzeiro de barco no Lago Léman. Há um belíssimo pôr-do-sol, risos e música xaroposa. O ambiente estereotipado para quem está disposto a encontrar a alma gémea.
Mas, como em tudo, nada é o que parece e são muitos os objectivos escondidos dos que se fazem ao papel: há a jornalista disposta a escrever um artigo de jornal, outra que vem à procura de marido rico, outro para conseguir a nacionalidade através de um casamento «branco» ou quem procure varrer as cinzas do seu fracasso conjugal.
Mesmo o casal organizador não deixa de ter uma relação tempestuosa.
O registo de comédia obriga a equívocos e a desencontros, que suscitam algumas crises e a formação de alguns casais improváveis.
Se o filme é daqueles, que rapidamente se esquecem, não deixa, ainda assim, de suscitar algumas pistas de reflexão quanto à forma como a relação conjugal vai procurando sobreviver num contexto a ela tão agreste…

Keith Haring

Desaparecido muito cedo, quando ainda só contava 31 anos, as obras do pintor norte-americano Keith Haring continuam a suscitar bastante interesse nos apreciadores da arte contemporânea.
Durante dez anos, Haring criou centenas de obras, muitas das quais sob a forma de graffitis, já que entendia ser essa a forma mais expedita de fazer chegar às pessoas a sua arte. Inevitável foi a prática ganha em correr à frente da polícia.
Curiosa, igualmente, a sua forma de criar: sem quaisquer estudos ou esboços, e a traduzir os movimentos sincopadas do hip hop ou das personagens das Bandas desenhadas da Marvel.
Olhando-se para os seus quadros fica a sensação de um universo simples e ligado às tradições tribais. Embora, no seu último ano de vida, Haring tomasse uma orientação mais sombria nas cores e nos traços, quando problemas como os da SIDA, da homofobia ou das drogas ganhavam-lhe dramática acuidade.

sábado, maio 10, 2008

Mazurca de Fogo

Gostaria pôr aqui as cenas utilizadas pelo Almodovar para ilustrar o seu «Fala com Ela». Mas, hélas, só encontrei estas imagens do bailado no You Tube...

Mazurca de Fogo

Entrei no espectáculo da Pina Bausch, «Mazurca de Fogo», a calcular que gostaria muito.
Ao intervalo já estava a considerar que iria gostar muito, mas muito mesmo. E, nos vibrantes aplausos finais, expressava o quanto adorara este espectáculo de muito movimento e cor, perpassado por um incrível humor.
Em causa toda a portugalidade expandida para as suas antigas colónias, reflectindo-se as suas idiossincrasias nos ritmos, nos gestos e nos hábitos.
Há a relação homem/mulher com o que comportam de afecto e de desafecto. E referências óbvias a símbolos culturais (Pessoa, Paula Rego) ou sociais (aquaparques, telenovelas) facilmente reconhecíveis…
Ao sair da sala estava ciente de ter visto um dos melhores espectáculos de entre todos quantos vi nos últimos anos...

segunda-feira, maio 05, 2008

Carmina Burana - Finale

Ao ouvirmos Carl Orff não podemos esquecer as posições políticas indefensáveis, que foram as suas. Mas «Carmina Burana» continua a ser uma obra maior da música do século transacto. E aqui, sabiamente dirigida pela batuta de Simon Rattle...

UM FILME DE ANNE MARIE MIÉVILLE

Num artigo a propósito do recente lançamento em DVD de um filme de Anne-Marie Miéville («Depois da Reconciliação»), o crítico de cinema do «Diário de Notícias», João Lopes conclui:
«Os preconceitos correntes, incluindo os de raiz machista, tenderão a arrumar alguém como Anne-Marie Miéville na condição de "dependente" do seu parceiro masculino de criação (Jean Luc Godard).
Aliás, é bom que se diga que tal machismo, sobretudo nas suas formas mais "ri
sonhas", é todos os dias sustentado por muitos discursos com enorme implantação e poder social (a começar por algumas formas de publicidade televisiva). Ironicamente, qualquer mente minimamente disponível compreenderá que um filme como Depois da Reconciliação começa onde começam muitas telenovelas: no reconhecimento da crise do espaço familiar tradicional e da dificuldade de sustentar uma relação (conjugal, afectiva, sexual). As diferenças decorrem do simples respeito pela complexidade afectiva de cada ser humano».
Só pelo tema em si, vemos que o filme da realizadora francesa é bastante interessante, ao colocar questões de grande relevância nos dias de hoje: qual será o papel da família numa sociedade cada vez mais acelerada, em que não sobre tempo para a comunicação entre marido e mulher ou entre pais e filhos? Como sustentabilizar essa família enquanto instituição, se é cada vez mais frequente, que as profissões de cada um tendam a afastá-los geograficamente e a colocar distâncias físicas aonde já se tenderiam a cavar as temporais?
Estas questões, bastante complexas, não suscitam respostas fáceis. Sabemos que o ser humano é gregário por natureza. Que tem horror à solidão, ao silêncio!
Mas não está fácil encontrar a verdadeira quadratura do círculo, que seria conciliar as características sociais e profissionais dos dias de hoje com os requisitos afectivos, que todos comportam em si…

Pete Seeger - Guantanamera

O venerável cantor perfez agora 89 anos e não consta que jamais tenha renegado os ideais socialistas, sempre presentes nas suas canções e na sua militãncia política.
A canção que aqui fica é só para evocar um dos exemplos possíveis sobre os tais imprescindíveis de que falavam os versos de Brecht...

domingo, maio 04, 2008

ESCRITORES E ESCREVINHADORES

Maio costuma ser mês dos livros ou não seja aquele em que abre a Feira a eles dedicada no Parque Eduardo VII.
Uma das pequenas editoras, que aí se estreará este ano será a de Nelson de Matos, que funciona como uma espécie de D. Quixote numa paisagem subitamente alterada pela chegada de quem encara o livro como uma mera mercadoria feita para ser rentabilizada e dar lucro aos accionistas. A edição como amor aos livros ou acto de militância destinado a abrir asas à imaginação e a à compreensão do mundo é algo de cada vez mais raro, que importa encarar como esforços a apoiar.
De uma entrevista já com alguns dias, retirei dois comentários desse editor, que ajuda a situar um pouco melhor como vai o mundo editorial em Portugal.
Num deles, Nelson de Matos explica como vê hoje os seus colegas, que publicam livros: Hoje os editores nem sequer lêem os textos. Na maior parte dos casos o título publica-se porque o autor tem um programa de televisão, é jornalista, é político , é tudo menos escritor. As exigências das organizações empresariais que hoje são as editoras já não se compadecem com esta situação.
Os livros não são, hoje, necessariamente, obra de e escritores. Neste mundo capitalista há que escrever depressa, publicar depressa, vender depressa. Nada a ver com o que é, ou deve ser, o ofício de escritor: Escrever tem que ser um trabalho. Os grandes pianistas, violinistas e até, se quiser, os futebolistas, aperfeiçoam todos os dias a sua técnica. Não digo que a escrita tenha que ser praticada diariamente, mas tem certamente que sê-lo permanentemente.

sábado, maio 03, 2008

Muito mais homens que mulheres na Índia

No canal ARTE deu uma reportagem sobre o problema, que se vive na Índia, aonde o desequilíbrio demográfico entre homens e mulheres se está a agudizar.
A ciência trouxe, através das ecografias, a possibilidade de identificar o sexo do bebé antes do nascimento. O que significa toda uma indústria abortiva de que são vítimas os fetos femininos. Porque ter uma filha é uma fonte de preocupação para uma família indiana: não só ela abandonará por completo a sua família no dia do casamento, como obriga ao custo de um dispendioso dote.
A reportagem mostra diversas estratégias ensaiadas por activistas antiaborto, que procuram sensibilizar as mulheres para não cederem a essa tendência cultural, ou a denunciarem os ginecologistas e parteiros, que ganham fortunas à conta do verdadeiro genocídio, que executam.
Para quem defende o direito ao aborto na sociedade ocidental, este tema deixa alguma inquietação, porque parece pôr em causa essa posição política. Mas há abortos e abortos…
E se, nas nossas sociedades, o aborto pode contribuir para a emancipação feminina, na Índia de hoje ele contribui activamente para a preservação do seu papel secundário numa sociedade aonde o homem dita as leis. O problema é que estes contam com um número cada vez menor de mulheres disponíveis para poderem casar e ganhar a respeitabilidade inerente a um chefe de família…
Daí que o discurso antifeticida de bebés femininos comece a abalar a misoginia dos machos locais.

MAX BRUCH VIOLIN CONCERTO NO. 1 GIL SHAHAM, part 3/3

No concerto da Gulbenkian esta interpretação esteve a cabo da violinista Arabella Steinbacher, que foi sublime. Mas esta versão também acaba por ser bastante feliz...

WEBER, BRUCH E SCHUMANN NA GILBENKIAN

Concerto na Gulbenkian no âmbito da temporada de Música 2007/2008.
Desta feita a liderança da orquestra coube a Fábio Luisi, maestro extremamente competente e expressivo, que é titular de instituições tão significativas quanto o são a Sächsische Staatsoper e a Staatskapelle Dresden e tem colaborado noutras como a Sinfónica de Viena ou a Metropolitan de Nova Iorque.
Em Bayreuth dirigiu em 2007 a Tannhäuser de Wagner.
A impressão, que me deixou, foi a de um conhecimento aprofundado das peças, que dirige, dando muitas orientações aos instrumentistas com uma gestualidade exuberante,
A primeira peça a ser tocada foi a abertura da ópera «Oberon», que Carl Maria von Weber compôs para ser estreada no ano em que morreria (1826). Ainda que sem surpreender, é uma composição vibrante, com a trompa a ganhar destaque, ou não tivesse o protagonista da ópera (e da peça de Shakespeare em que se baseia o libreto) um desses instrumentos com características mágicas.
Seguiu-se, depois, o conhecido Concerto para Violino e Orquestra nº 1 em sol menor. Opus 26, de Max Bruch.
O compositor alemão teve uma vida bastante longa, morrendo em 1910, já com 76 anos. O que o torna no paradigma do criador conservador, avesso às novas sonoridades então ensaiadas por um Wagner ou por um Mahler.
Mas a interpretação da jovem violinista Arabella Steinbacher permitiu depreender que estávamos perante a oportunidade única de presenciar aquela que promete ser uma das grandes solistas desse instrumento nos próximos anos: não se tratou de mera competência, mas de uma clara assumpção íntima da partitura, vivendo-a com uma emotividade genuína. O seu sucesso junto dos espectadores foi tal, que propiciou um excelente encore, que apenas veio realçar o seu inegável virtuosismo.
Finalmente, depois do intervalo, foi a 3ª Sinfonia de Schumann, a Renana.
Também sobre este compositor confesso o meu escasso entusiasmo: ao contrário de outros criadores da mesma época (1ª metade do século XVIII), Schumann não me consegue impressionar. Apesar da magnificência de uma pauta, que exige um grande empenhamento de toda a orquestra, e leva a sonoridade da sala a um número muito apreciável de décibeis, mesmo quando o andamento se reivindica de solene ou de muito moderado. Mas a direcção exaltada de Luisi e a capacidade da orquestra dissipa quaisquer preconceitos.
Acabou por constituir um excelente concerto para coroar uma semana hiperactiva.

sexta-feira, maio 02, 2008

Weber Oberon Overture - Jansons, Berlin Phil

O concerto do fim de tarde na Gulbenkian começou com esta abertura da última obra composta por Carl Maria von Weber antes de morrer. Foi em 1826 e o romantismo estava no seu fulgor.
A obra é vibrante. Há a importância da trompa (que remete para o instrumento mágico do personagem de Shakespeare, que dá título à ópera). Mas também o clarinete, que ilustra o cavaleiro Huon de Bordéus ou os violinos para Rezia.
Embora o maestro não fosse o que aqui aparece a dirigir a Filarmónica de Berlim, o público lisboeta acabou por ficar muito bem servido pela direcção de Fabio Luisi.