segunda-feira, março 07, 2016

PALCOS: «Amok» na Ópera de Reims (4)

Kokoschka sabe que o seu mais conceituado rival no coração de Alma está morto. Trata-se de Mahler de quem ela se apresenta como viúva inconsolada. No átrio de entrada da casa de Viena, onde vive com ela em concubinato, Alma insitiu em ter exposta a máscara funerária, que Carl Moll tinha concretizado.
A gravura «Marguerite na roda», de 1913, foi criada num dia em que Kokoschka sentiu-se acossado pelos ciúmes e, numa alusão à personagem do «Fausto», criou-a sob a forma de Alma a enrolar os intestinos de um homem esventrado à sua frente.
Para Orianne Moretti essa gravura demonstra quão Kokoschka estava transtornado com a evolução do relacionamento amoroso com Alma. Os ciúmes obcecavam-no e tornavam-se tema fundamental da sua obra. Estava completamente «possuído» por essa mulher que fazia dele a sua vítima.
Mas, noutras obras, ele anui a tal submissão e até dela se alimenta criativamente. Por isso diz-lhe: “Uma noite contigo e posso passar dias inteiros a pintar!”.
Ela é a mulher toda poderosa na sua beleza e inteligência e a quem ele entrega toda a sua personalidade. Mas, em certos momentos, a consciência dessa submissão torna-se-lhe insuportável. Tanto mais que Alma engravida por duas vezes e outras tantas aborta.
A guerra é então declarada e ele decide alistar-se a 3 de janeiro de 1915.  Na autobiografia ele escreve que, antes de partir para a frente de batalha, entregou à mãe um colar de pérolas, que pertencera a Alma, não só como penhor para regressar vivo, mas também como testemunho do seu amor por ela.
A mãe de Kokoschka conservou-o num vaso com flores, mas caiu ao chão e partiu-se. No libreto da ópera, Orianne Moretti põe Oskar a dizer à mãe que cada pérola daquele colar é uma gota do seu sangue, um batimento do coração.
Enquanto esperava que ele partisse, Alma escreveu no seu Diário: “Oskar Kokoschka escapou de mim. Já não o sinto como meu. Transformou-se num desconhecido não desejado”.
Como era um excelente cavaleiro, Oskar é integrado num batalhão de Dragões, que parte para a Galícia onde lhe perfuraram os pulmões com uma baioneta e o atingiram na cabeça com um tiro.  Mas, tão-só recuperado ele nem pensou em regressar à retaguarda, solicitando o regresso ao campo de batalha, tido como mais suportável do que o quotidiano com Alma.
Os psiquiatras classificam de «amok» os sintomas desses soldados que saíam muitas vezes das trincheiras e, completamente desaustinados, investiam contra o arame farpado inimigo. O antigo pintor parecia, amiúde, tomado desse tipo de alucinação.
Nos  sonhos Oskar reencontra Alma frequentemente, apesar de a já não ver há muito tempo.
No final de fevereiro de 1915 Alma Mahler viajou para Berlim ao encontro de Gropius, também ele mobilizado para o serviço ativo, mas em licença para a rever. A paixão entre ambos renasceu das cinzas e Alma voltou a engravidar. A decisão de casarem foi imediata acontecendo secretamente a 18 de agosto de 1915.
Sem notícias de Oskar, que ficou seriamente ferido em 18 de agosto de 1915, Alma regressou ao atelier de Viena para queimar todas as cartas, que lhe enviara e para se apossar de todos os quadros por ele pintados. Na sua perspetiva Oskar não voltaria vivo da frente de combate.
Mas volta a recuperar e a pedir o regresso aos combates. Enviam-no, então, como oficial para a frente italiana, onde volta a ser ferido. Na imagem vemo-lo medalhado, a posar com os irmãos, Bohuslav e Berta.
Entre 1912 e 1915, escrevera quatrocentas cartas a Alma e, mesmo após a separação, continuou a redigi-las como prova de um amor desesperado. Nelas pede-lhe perdão e que reatem a relação. Em vão.
Em 1918 decidiu substituir Alma por uma boneca, que encomendou aos fabricantes das mais conhecidas marionetas da época.
Mas ficou desiludido quando a recebeu, muito embora não tardasse a levá-la consigo para onde ia e a comprar-lhe roupa interior em Paris. Mas acabaria decapitada numa noite de 1922 quando, embriagado, deitou o corpo da janela do primeiro andar.
Os vizinhos chamaram a polícia, porque julgaram tratar-se de um cadáver.
Nesse mesmo ano, Stefan Zweig, amigo de Freud, publicou em Viena uma novela sobre uma história de amor inspirada no trajeto infeliz de Kokoschka.
E é assim, que se conclui o libretto da Ópera, por estes dias em sucessivas récitas entre Reims e a Suiça.


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