sexta-feira, março 25, 2016

IDEIAS: Para entender melhor a realidade captada pelo que vemos

Como reencontrar o mundo de que fazemos parte?, eis uma das questões que se colocam quanto lemos Merleau-Ponty, que é um filósofo trágico no sentido em que condena o homem a constituir um ser eminentemente interrogativo, que formula problemas para os quais nunca encontrará solução.  Por isso mesmo temos de aceitar a condição de nos conformarmos com o facto de nunca alcançarmos a resposta definitiva.
Enquanto os filósofos sempre tinham apostado em encontrar formas eficientes de traduzir uma representação do mundo, em Merleau-Ponty ocorre a conclusão de tal nunca ser possível pela cissiparidade entre quem vê e o que é visto.
O mundo não e um espetáculo e a consciência não faz dele o papel de legisladora. Outro erro que combate é a dos que olham para esse mundo como se fossem pequenos blocos de realidade, que se sobrepõem, sejam cores, sabores, odores, etc.
Merleau defende que o mundo não corresponde à adição desses pequenos blocos, porque, sobrepondo-se, sujeitam-se a um visível, que possui uma profundidade. O que se vê num determinado momento do tempo, está relacionado com um antes e um depois.
Em «L’Oeil et l’esprit» ele aborda o reflexo dos loureiros numa piscina, para considerar que ele existe efetivamente na piscina que o reflete. Nesse sentido afasta-se da lógica racional, que tenderia a confrontar-nos com os enganos de visibilidade conferidos pelas nossas sensações.
Há, pois, um movimento constante em que o Sujeito passa a Objeto e o Objeto passa a Sujeito. O objeto acabará sempre por ser contaminado por laivos da nossa subjetividade e o sentido vai prefigurar-se no real.
Porque é de leitura difícil, Merleau-Ponty demonstra a tese em como ler os filósofos significa aceitar, que não somos capazes de verdadeiramente os entender. E cada repetição da sua leitura vai-nos trazer novas chaves para acrescentar ao que apenas pressentíamos.
No livro atrás citado, Merleau-Ponty também dedica a sua atenção às várias representações da montanha Sainte-Victoire, que Paul Cézanne celebrizou.
Ela está nos quadros e quase nos explode na cara. Os que a veem começam por estar de fora do quadro datado do início do Impressionismo com sucessivos blocos de sensações. Não vemos, por exemplo, a representação de uma árvore, mas da sensação por ela transmitida. E assim o pintor passa a integrar o quadro na qualidade de criador das sensações suscitadas pelo que lhe foi visível. Há uma deiscência do sensível!
Merleau distancia-se, assim, do cartesianismo: Descartes pretende dominar as suas próprias origens, como se fosse possível fazer o parto de si próprio. Em Merleau-Ponty acontece o contrário: “aceito não ser a minha própria origem”. E essa capacidade para se distanciar do real, para melhor o analisar, explica porque foi marxista até ao fim dos seus dias...

Sem comentários: