sexta-feira, abril 30, 2010

Livro: O AMIGO DA MORTE de Pedro António Alarcon


Para Gil Gil o azar parece acompanhá-lo desde a nascença: embora o seu verdadeiro pai seja o conde de Rionuevo, quem figura como seu progenitor oficial será o sapateiro Juan Gil, que se consorciara com a já grávida Crispina Lopez, que o não tardará a deixar viúvo.
Cabe ao jovem órfão de mãe aprender o ofício do pai, que também não dura muitos mais anos.
Pobre e desvalido o rapaz conhece e apaixona-se por Elena de Monteclaro, jovem nobre de quem nem sequer se poderá aproximar, quando lhe desaparece a protecção do seu verdadeiro pai, também ele levado pela morte.
Num conto em que esse desenlace fatal  está sempre a suceder, não chegamos a admirar-nos, que ela se corporize numa figura sinistra, mas ainda assim protectora de Gil Gil, quando ele se prepara para o suicídio libertador da sua incontornável condição social.
Mas, de repente, o pacto com essa personagem só lhe traz regalias: a morte da pérfida condessa de Rionuevo, que sempre conspirara para o perder. A nomeação enquanto médico da Corte ao anunciar a Filipe V, que entre aspirar à coroa de Espanha aonde estava a reinar  o filho Luís I, ou a de França, aonde mandava o sobrinho, Luís XV, seria à primeira que deveria apontar porquanto seria aquele o primeiro a morrer.
Tanta coisa boa parece acontecer a Gil Gil, que nós passamos a desconfiar de tanta boa aventurança. Tanto mais que a traiçoeira aliada ainda não desvendou o seu preço….
Mas a reviravolta produzida nesta novela novecentista não deixa de surpreender: afinal o suicídio de Gil Gil acontecera e, agora, em pleno século XXIV ele é chamado dos seus sonhos para uma viagem maravilhosa pelos céus estrelados de todos os continentes até lhe ser garantida a presença eterna ao lado da sua amada Elena.
E assim se afunda o protagonista numa encantadora perspectiva...
Para o conservador Jorge Luis Borges, que integrou esta história na sua colecção Babel, esta história tem o carácter moralista e respeitador das hierarquias, que tão bem prezava, mesmo sendo um génio da escrita.
E não se pode deixar de reconhecer a Alarcon o seu papel primordial na literatura espanhola do seu tempo...

segunda-feira, abril 26, 2010

Livro: «A MÁQUINA DE FAZER ESPANHÓIS» de valter hugo mãe

Já existe um livro emblemático sobre o que é viver num asilo de velhos, graças ao romance mais recente de valter hugo mãe. «A Máquina de Fazer Espanhóis» constitui, de facto, um testemunho eloquente sobre a vivência de um viúvo com oitenta e quatro anos, desde o seu internamento nesse tipo de instituição até à sua morte.
António Silva, assim se chama ele, sempre primou por passar a vida na maior das simplicidades. Bastava-lhe o amor de Laura, cuja morte numa noite de grande tempestade, é por ele sentida como uma tremenda injustiça. Ademais, e porque não acredita em transcendências, ele nem sequer encontra a quem culpar por essa solidão a que se vê condenado.
Poderia olhar para o passado e encontrar alguma paga dos seus actos. E se ele cometera inconfessável ignomínia ao denunciar à pide um jovem opositor do regime, a quem escondera em dia de inaudita audácia e que se tornara nos nove anos seguintes um cliente fiel da sua barbearia.
Mas, mesmo condenando-o a uma provável morte, António Silva não se sente comprometido com esse acontecimento: é que entre o conforto singelo de Laura e os riscos inerentes ao da militância do seu cliente, ele nem sequer hesita.
As primeiras semanas de António no Feliz Idade são de silenciosa revolta, recusando-se ao contacto com quem quer que seja. Mas depressa começa a congregar um grupo de amigos com quem alimenta crescente empatia, embora não aceite para aquele convívio a designação de amizade. O que mais disso se aproxima é Pereira que, de alguma forma, o apresenta aos outros. Nomeadamente ao velho Esteves, que não é mais do que o célebre personagem do poema de Fernando Pessoa sobre a Tabacaria. Há também o outro Silva, o da Europa, cerca de vinte anos mais novo e seu conhecido da noite no hospital em que Laura lhe morrera. Ou Anísio, o antigo responsável do Museu das janelas verdes e que não tardará a arranjar namoro com outra das residentes.
Mas há também os seus ódios de estimação: a dona Marta, a quem ele escreverá cartas de amor, como se fossem emitidas pelo marido dela, um homem mais novo, que lhe ficara com a fortuna antes de para ali a abandonar. Ou uma fanática admiradora do F.C. Porto desde o dia em que passara uma tarde já distante em fogosos enlaces com o seu jogador Cubillas.
António revolta—se com a sua família remanescente: à filha, Elisa, acusa de o ter retirado de sua casa para o pôr ali. Ao filho, radicado na Grécia, imputa o total alheamento em relação à morte da mãe, a cujo funeral nem sequer comparecera.
Redigido com grande qualidade e no estilo que o tem caracterizado nas suas obras exteriores, «A Máquina de Fazer Espanhóis» mostra como se torna paranóico o modelo de pensamento das pessoas encerradas em ambientes concentracionários como o são os aqui tratados. E nesse delírio contínuo em que se sucedem os capítulos, deixamos de saber com rigor o que acaba por ser verdade ou o que é fruto da imaginação do seu narrador.

quinta-feira, abril 22, 2010

O MOBA

Se existem museus subordinados aos mais variados temas, porque não um dedicado à MÁ ARTE?
Eis o que pensaram Michael Frank e Louise Reilly Sacco, quando decidiram criar esse tipo de colecção na cave de um cinema dos arredores de Bóston, no Massachussets, e fundamentada em obras encontradas em feiras da ladra, em sótãos abandonados, em sucateiros e até no próprio lixo.
Quando compram obras para acrescentarem à colecção os curadores não investem mais do que 6,5 dólares em cada uma e sempre seguindo a divisa de existirem peças demasiado más para serem igoradas.
O seu sentido de humor está logo expresso no cartaz à porta, que diz: «Preço de Entrada: 324 dólsres. Não, estamos a brincar: é gratuito».
Quando se lhes pede uma definição para «má arte» eles encolhem os ombros: «É impossível defini-la, mas quando a olhamos sabemos logo que ela se enquadra nessa classificação».
Nesse paradigmático templo do kitsch defende-se que é bom, quando se vê boa arte. Mas que, quando ela é má, ainda é melhor…
O Obélix não deixaria de comentar que esses americanos são malucos!






domingo, abril 18, 2010

Bailado na Culturgest: «Pororoca»

«Pororoca» - o bailado que a brasileira Lia Rodrigues trouxe ao palco da Culturgest e que associa a onda imensa suscitada pelo oceano, quando entra Amazonas adentro no sentido do montante, aos ritmos da favela, não suscitou em mim uma reacção tão entusiástica quanto o pareceriam pressupor os artigos lidos antes de chegar à sala.
O aspecto mais estranho desta dança é a inexistência do apoio musical. Que pode ser essencial para os intervenientes em palco se sincronizarem em função dele e para nós complementarmos o entendimento dos movimentos.
Numa obra mais orientada para a sugestão intuitiva do espectador do que para grandes elucubrações intelectuais a seu respeito, somos confrontados com o amor e a violência, a harmonia e o caos, a solidão intencional ou consentida, com a animalidade dos homens e a antropomorfia dos bichos.
Momentos há bastante conseguidos, quando os corpos em movimento sugerem remoinhos do rio ou os seus saltos lembram os salpicos da água turbulenta.
Com o desafio de, encarando os espectadores olhos nos olhos, os bailarinos nos convidarem a entrar de pleno direito na experiência sensorial ensaiada em palco...

segunda-feira, abril 12, 2010

Documentário: MAIN BASSE SUR LE RIZ de Jean Crépu e Jean-Pierre Boris (2009)

Na Primavera de 2008 os telejornais de todo o mundo foram férteis em muitas imagens oriundas de vários continentes em que populações muito pobres reclamavam nas ruas contra o preço do arroz, um bem de primeira necessidade, vital para metade de toda a humanidade.
Na época esse cereal viu sextuplicado o seu preço no mercado mundial alegadamente pela sua penúria. Perante a explosão demográfica de muitos países do terceiro mundo os produtores não estariam a ser capazes de acompanharem a necessidade de aumentarem as áreas das suas explorações.
Investigando em cenários tão distintos como o Senegal ou a Tailândia, a Suíça ou as Filipinas os realizadores procuram desmontar as falácias dos que produziram tais teses e procuraram esconder a realidade dos factos: esteve em curso uma manobra especulativa destinada a garantir volumosos lucros aos seus autores, mesmo que à custa da fome e da miséria ainda maior de populações desvalidas.
Muito embora essa mentira trouxesse em si algo de verdade: está-se de facto a chegar a um momento em que a evolução das curvas entre a produção mundial de arroz e o seu consumo se inflectem e é a segunda a sobrepor-se à primeira. Com todos os riscos daí inerentes…

domingo, abril 11, 2010

«FIGHTING THE BLEU: THE FIGHTING FEW» de Stephen Saunders

Junho de 1940.Os alemães preparam-se para a ofensiva e os ingleses contam com o seu Fighters Command para assegurarem a defesa do arquipélago.  É que, depois do avanço imparável das forças alemãs, quer a leste, quer a oeste, só o Canal da Mancha lhes coloca um travão.
Goering promete a Hitler que a sua Luftwaft não tardará a derrotar completamente a Royal Air Force., tanto mais que conta com 2200 aparelhos contra os 750 dos seus inimigos.
Mas os pilotos da RAF não estão dispostos a facilitar os desígnios nazis acolitados num governo, que põe em marcha todas as sinergias disponíveis para o fabrico de novos aparelhos.
Entre essas sinergias conta-se a contratação de novos pilotos, já que só na campanha de França terão morrido cerca de 300 dos principais aviadores da RAF.  Daí que se abram vagas para todos quantos, oriundos ou não dos países da Commonwealth, estivessem dispostos a enfrentar a nova ameaça. Não tarda, que aos canadianos, aos indianos ou aos australianos, se juntassem polacos (que faziam do seu alistamento a oportunidade de uma vingança pessoal contra a instantânea derrota do seu país) ou norte-americanos dispostos a não esperarem pela entrada do seu país na guerra. Não tarda, que 20% dos pilotos da RAF sejam estrangeiros, alguns com apenas 18 anos.
A vitória da RAF nessa primeira fase do conflito foi determinante: ainda antes do desembarque na Normandia, nunca tão poucos homens influenciaram decisivamente a sorte de milhões de outros. Porque a agressão nazi começou por ser travada, quando Hitler não consegue anexar a Grã-Bretanha antes de se virar para a União Soviética…
Para chegar aos seus objectivos Hitler não hesita em mandar bombardeiros despejarem explosivos sobre a população civil ciente de que, aterrorizada, seria esta a impor a rendição aos seus governantes. E, desembarcadas nas costas do sul de Inglaterra, os exércitos alemães não encontrariam obstáculos no seu passeio até Londres.
Andava muito mal informado o ditador alemão: em vez de quebrarem na sua determinação, os ingleses ainda mais se uniram para se defenderem e prepararem o seu contra-ataque...

sábado, abril 03, 2010

Documentário: «CSNY DÉJÀ VU» de Bernard Sharkey


Em 2006 a guerra no Iraque já está a provocar centenas de mortos e fica cada vez mais evidente para muitos, que a América se atolara num novo conflito por razões tão pouco fundamentadas como as que a haviam levado ao Vietname.

Crosby, Stills, Nash e Young - que tinham estado na primeira linha da contestação à guerra da Indochina nos anos 60 - voltam a juntar-se sob os auspícios do último para levar um novo espectáculo intitulado «Liberdade de Expressão» aos quatro cantos do país. E convidam um jornalista conceituado, Mike Cerre, para dar conta do que se vai passando nessa digressão de dois meses.
O filme acaba por ser um testemunho do que era essa América no início do segundo mandato de George W. Bush com gente fanática a defender a política agressiva da Casa Branca e a considerar criminosas as palavras cantadas pelo grupo e outros tantos a considerar desaprendidas as lições do Vietname sobretudo quando os caixões chegam quase clandestinamente de Bagdad e as famílias quase não os conseguem homenagear.
A câmara interroga também soldados vindos do teatro de guerra e se confessam traumatizados física e psiquicamente ou políticos apostados em inflectir complemente o rumo dos acontecimentos.
Momentos altos do filme são as canções que lamentam a oportunidade perdida nas eleições anteriores em mandar o rosto de tal política para casa ou em que se pede o seu impedimento.
O filme mostra uma América a começar a mudar. Aquela que daria a Obama a vitória três anos depois…

sexta-feira, abril 02, 2010

Documentário: OS SEGREDOS DA HISTÓRIA: AS ALUNAGENS de Clare Nolan

De 1968 a 1972 vinte e quatro homens de coragem invulgar arriscaram as suas vidas a 400 mil quilómetros de distância da Terra só para cumprirem o desafio proposto por Kennedy em 1961 de chegarem à Lua, compensando o beliscado o orgulho norte-americano desde o primeiro voo tripulado de um homem em volta da Terra, o desse Yuri Gagarine, que pretendia demonstrar a superioridade tecnológica do regime soviético.
Viajando a 38 mil quilómetros por hora ao astronautas do programa Apollo arriscavam seriamente as suas vidas, porquanto dependiam do bom funcionamento de um único motor. Mas, desse privilegiado ponto de observação eles puderam comprovar como a Terra, vista do espaço, ainda mais se assemelha a um milagroso oásis de vida no meio do Universo.
Mas as missões Apollo começaram logo por correr mal no início do programa: num teste já em rampa de lançamento, Gus Grissom e os companheiros  ficaram carbonizados devido à explosão suscitada por um cabo descarmado numa atmosfera muito rica em oxigénio.
Dezassete meses depois, porém,  já a Apollo 8, liderada por Frank Borman, está a orbitar em torno da Lua depois da descolagem no topo de uma nave Saturno V cuja potência química equivalia à de uma pequena bomba nuclear. Passando vinte horas a orbitar o nosso satélite, Borman e os companheiros assistem à primeira aparição da Terra por trás da Lua, fenómeno que passou a ser designado como « o nascer da Terra»
Por essa altura a Apollo 11 está em vias de quase perder o seu futuro comandante, quando Neil Armstrong está a fazer um teste ao módulo lunar e o vê descontrolar-se, limitando-se então a ejectar-se antes do despenhamento fatal.
Em 20 de Julho ele já está no Mar da Tranquilidade a dar um pequeno passo para um homem, mas um passo gigantesco para a humanidade. Ou julga-o ele então, incapaz de imaginar quanto os compatriotas se desinteressarão dos voos lunares tão-só vencida a corrida com os russos. E Nixon tem de guardar o discurso preparado para lamentar a morte dos dois primeiros visitantes da Lua, porquanto, ao contrário das previsões, eles conseguem descolar daí e regressar à Terra. Com Aldrin a ultrapassar a dificuldade de estar partido o botão de accionamento do motor em causa mediante o recurso a uma esferográfica...
Suceder-se-ão uns quantos voos, mais ou menos bem sucedidos.. Logo a Apollo 12 fica sem alimentação nos seus sistemas de comando, quando uma tempestade eléctrica incide sobre ela, quando descola de Cabo Canaveral. E, em 1970, milhões de pessoas, ficam em suspenso do que possa suceder aos astronautas da Apollo 13, cuja nave fica inoperativa devido a uma avaria muito séria num depósito de oxigénio arriscando a morte por asfixia se não conseguirem regressar à Terra no módulo lunar. Esse voo terá sido o melhor exemplo da catástrofe com final feliz...

quinta-feira, abril 01, 2010

Peter Arkin: «Trumbo»

Há uns anos atrás, quando a Academia de Hollywood quis recompensar Elia Kazan com um prémio de carreira, a maioria dos espectadores de tal cerimónia alinhou na homenagem, mas dois deles destacaram-se pela recusa a tal ignomínia, ficando ostensivamente de braços cruzados. Ec Harris e Nick Nolte mereceram desde então uma profunda admiração da minha parte por protagonizarem a única atitude decente para quem se destacara pela pior das cobardias durante a época da caça às Bruxas. De facto, Elia Kazan não só se declarara arrependido pela militância efémera no Partido Comunista norte-americano como se destacou pelo número de antigos amigos que denunciou e cuja vida ajudou a prejudicar.
O documentário de Peter Arkin sobre Dalton Trumbo resgata as memórias desse tempo e recorda como, mesmo nas piores alturas de anticomunismo houve gente de espinha direita, que soube dizer não. Mesmo pagando elevado preço pela ousadia de defender os princípios.
Agora à distância pode-se adivinhar o que um homem de família como era Trumbo terá sofrido por, na prisão ou fora dela, suscitar tantas provações à sua amada Cléo e aos filhos. Nomeadamente a Mitzi, a filha cujos colegas sujeitaram a doloroso bullying por pressão dos seus tenebrosos progenitores.
Ao fim de dez anos Hollywood rendeu-se ao talento de Trumbo, sobretudo porque gente digna como Kirk Douglas e Otto Preminger o exigiram para argumentista dos seus filmes.
Mas para muitos amigos e conhecidos de Trumbo já não houve tempo para recuperações: os suicídios foram muitos entre os que caíram na alçada de Macarthy, Reagan, Nixon e outros vilões...