quinta-feira, setembro 30, 2021

Play, Anthony Marciano, 2019

 

Confesso ter escassa paciência para os filmes sobre adolescentes parvos e cheios de ilusões a quem a vida adulta dará frustrantes banhos de realidade. E, no entanto, também eu gostei de filmes assim, quando saía da adolescência e descobria, por exemplo, o «American Graffiti» de George Lucas. Mas convenhamos que, à distância, as nossas tolices parecem menos lerdas que as das gerações atuais. Mas isso são reações sexagenárias de quem teme ver os netos contaminados por tanta imbecilidade.

No filme de Anthony Marciano temos um protagonista, Max, a receber uma câmara de filmar no Natal de 1993. Doravante anda com ela sempre a jeito para filmar os colegas e amigos, os primeiros namoros e empregos até às deceções colhidas vinte cinco anos depois, quando decidira olhar em flash back para todas essas imagens.

A ideia não é nova e essa premência amadorística das sucessivas takes depressa perde o efeito de aparente originalidade, tornando-se enfadonha à medida que pressentimos a inevitabilidade para que tende. Fica a nostalgia dos anos 90, como a minha geração sentirá do PREC. E nisso se basta! 

segunda-feira, setembro 27, 2021

Uma Agulha no Palheiro, J. D. Salinger

 

Uma Agulha no Palheiro é daqueles romances, que me desatinam: porquê a importância conferida  à história de um miúdo de dezassete anos, que teme a reação dos pais à notícia de ter sido expulso de um prestigiado colégio interno e passa três dias a vagabundear pelas ruas de Nova Iorque, fumando e bebendo desalmadamente e procurando enfiar-se na cama de umas quantas prostitutas? Supostamente trata-se do olhar irreverente de um adolescente oriundo de uma das famílias burguesas do Upper East Side quanto a um mundo adulto, que considera corrupto e hipócrita, mas incapaz de para ele adotar uma alternativa salvífica.

Publicado em 1951 - passam agora setenta anos! - o romance de J.D. Salinger chocou a América puritana, que o censurou, ou mesmo proibiu, por entrar em choque com os códigos de valores então dominantes. O olhar de Holden é o da superioridade autossuficiente de quem julga tudo saber e talvez isso explique o sucesso do romance, porque gerações sucessivas de jovens, a contas com o conflito de gerações, ter-se-ão sentido identificados nesse personagem insatisfeito com o mundo à sua volta, mas incapaz de formular outra alternativa, que não seja a da satisfação imediata dos seus desejos, mesmo nada alterando de substantivo nesse contexto.

Concluído o parêntesis de três dias de alguma liberdade individual, Holden vê-se na contingência de regressar à execrada morada familiar conformando-se com o regresso ao colégio em setembro, até confessando saudade por alguns dos colegas que, antes, lhe haviam merecido censura.

Há quem leia o romance à luz do stress pós-traumático vivido por Salinger quando, anos antes, integrara as tropas norte-americanas no desembarque do dia D e na batalha das Ardenas, culminando depois na descoberta dos horrores testemunhados durante a libertação do campo de Dachau. Mas há tão escassas referências à Guerra em todo o romance, que dá para questionar até que ponto os seus cultores, responsáveis por tal leitura, não forçam a nota biográfica do autor para justificar um tão singular sucesso comercial.

O tempo necessário para visitar o Louvre

 

Quanto tempo devemos investir na apreciação das obras de uma exposição? Qual deverá ser a nossa atitude perante cada quadro, escultura, instalação ou proposta de videoarte? O que pretendemos realmente quando visitamos um museu ou uma galeria de arte?

As questões podem pôr-se a todos quantos dedicam algum do seu tempo a essa forma de lazer tornando difícil estabelecer um consenso em relação a todas elas. Mas poucos concordarão com os três personagens de «Bando à Parte», o filme que Jean-Luc Godard rodou em 1964 e onde surge a cena de culto quanto à tentativa de bater o record estabelecido previamente por um americano quanto ao mínimo tempo necessário para visitar o Louvre e, como tal, publicitado no France-Soir. E eis Anna Karina, Sami Frey e Claude Brasseur a correrem que nem uns desalmados pelos corredores da venerável instituição para retirarem dois segundos aos nove minutos e tal em causa, não enjeitando deslizarem nos pavimentos encerados e fintando as tentativas frustradas dos guardas para os deterem. Havendo quem garanta que nenhum deles sabia estar a tratar-se da cena de um filme ali em rodagem.

O único quadro que surge na tela é o alusivo ao Juramento dos Horácios de Jacques Louis David, que subentendia o mesmo pacto feito pelos três atletas amadores. Que, ademais, pretendiam pôr em causa o cheiro bafiento do academismo inerente a essa forma de apreciação da arte. 

sábado, setembro 25, 2021

Tesouros improváveis

 

A cruzada contra os cátaros é um acontecimento histórico, que tem interesse para o enquadrar dentro do fundamentalismo religioso da Idade Média, que fez dos católicos de então uns antecessores não menos cruéis relativamente aos jiadistas do Daesh dos nossos anos recentes. Quando muitos prosélitos do Deus católico ou protestante se insurgem contra as malfeitorias dos discípulos mais radicais de Alá, não querem lembrar-se que os seus antecessores queimavam hereges nas fogueiras da Inquisição.

Algo folclóricas continuam a ser as teorias da conspiração, que acreditam na existência de prodigioso tesouro salvo do castelo de Montségur antes da sua tomada pelos sitiantes e no qual estaria o famoso cálice sagrado, o Graal. Que o mítico espólio continue a alimentar as conjeturas mais esdrúxulas só confirma haver gente para tudo, até mesmo para acreditar na platitude da Terra ou nos malefícios das vacinas. E que, decerto, não por acaso, acabam por se associar às direitas mais extremas...

Recordar Kasantzakis

 

Verdadeiro é o homem, que resiste. Aquele que diz não, mesmo a Deus, A frase de Nikos Kazntzakis está de acordo com toda a vida do escritor cretense, que nasceu sob a Ocupação Otomana da sua ilha e dela colheu o estímulo para contrariar tudo quanto para ele significasse a opressão. Ademais, enquanto jornalista, assistiu aos dias que mudaram o mundo na emergente União Soviética nunca dele se dissociando o ideário socialista.  Talvez por isso não é particularmente conhecido, nem divulgado entre nós. Apesar de ser o autor dos romances que deram origem a filmes particularmente mediáticos: “Zorba, o Grego” ou “ A Última Tentação de Jesus Cristo”.

Muito embora haja escritores, que conseguiram furar o cerco de silêncio a que foram sujeitos, isto de ser socialista e agnóstico, se não mesmo ateu, ainda suscita muitos engulhos mesmo na esfera cultural...

sexta-feira, setembro 24, 2021

A Colecionadora, Eric Rohmer, 1967

 

Eric Rohmer sintetizou os seus seis contos morais como histórias em que um personagem masculino passa todo o filme embrenhado na sedução a uma outra figura feminina, que o obceca, mas acaba por voltar ao amor inicial por uma outra companheira de que se distanciara de início compreendendo tratar-se de quem afetivamente acaba por lhe interessar.

Quarto título desse ciclo pessoal da sua filmografia, Rohmer rodou A Coleccionadora  em 1967 nela inserindo muitos dos valores, que conhecerão exacerbada expressão nos acontecimentos do ano seguinte. Adrien e Daniel são dois dândis, que passam o verão na casa de um amigo comum em Saint-Tropez e aí conhecem Haydée, uma colecionadora de amantes capaz de os irritar por, sendo bela, não ter aquilo que designam como pureza. Porém, um e outro, caem sob o sortilégio da rapariga, que os manipula e seduz. Os dois amigos acabam por se digladiar, separando-se como verdadeiros inimigos.

Há uma vertente misógina em toda a história com o olhar censório masculino para com a rapariga, que assume um comportamento predatório só moralmente aceitável nos homens. Mas, independentemente, dessa constatação ambígua, o filme é divertido, tem excelentes diálogos e constitui uma excelente demonstração de como, mesmo com meios exíguos, Rohmer consegue obra memorável a que se regressa com prazer.

De acordo com as premissas estabelecidas pelo realizador para este ciclo de filmes, Adrien acaba por  marcar voo para Londres a fim de se juntar à ex-namorada, cujo convite de aí coabitarem começara por preterir. 

quarta-feira, setembro 22, 2021

Jane Campion, The Power of the Dog (2021)

 

Desde que me desliguei do serviço da Netflix, não deve haver uma semana em que a operadora de streaming não me venha convidar a retomar o vínculo contratual com ela.  Acena-me com os seus lançamentos recentes e os que se anunciam para breve, esperançada em me pôr a salivar o bastante para reverter a decisão tomada alguns meses atrás. Em vão, porque manifestamente, depois de ter sido cliente durante uns tempos, cansei-me da lógica da empresa, que tende a normalizar, a estereotipar o gosto cinematográfico num cânone com que me não identifico.

A estreia do filme de Jane Campion prevista para daqui a dois meses, mas entretanto apresentada em Veneza, corrobora a estratégia de marketing da empresa em causa: perspetivando a sobrevalorização dada pela comunidade cinéfila à realizadora neozelandesa foi busca-la à reforma a que se remetera desde 2009 e deu-lhe os meios necessários para criar um produto bem sucedido para os consumidores definidos como seu público-alvo.  Entre esses recursos incluiu dois atores meritórios - Benedict Cumberbatch e Kirsten Dunst - mesmo que pareçam peixes fora de água no ambiente do Oeste dos anos 20 do século passado e uma história de perseguição de um vaqueiro para com a sua cunhada, que acaba por ecoar a intriga do multipremiado “O Piano” com Holly Hunter, Sam Neill e Harvey Keitel.

Que Campion tenha feito um filme sensação na altura em que a Europa a conheceu (“Um Anjo à minha mesa”, 1990) e depois merecesse fama mundial com o acima citado (apesar de podermo-nos interrogar até que ponto o sucesso não dependeu sobretudo da banda sonora de Michael Nyman), não bastou para que convencesse muitos outros cinéfilos. A série televisiva “Top of the Lake”, rodada entre 2013 e 2017, corroborou essa mediania merecendo rápido esquecimento.

Agora a Netfliz quis lançar o novo filme da realizadora com grande foguetório. Quem o viu em Veneza considerou que não era caso para tanto. Não será à custa dessa proposta, que voltarei a ser cliente de quem depressa me cansou...