domingo, março 29, 2009

JORIS IVENS: UM CINEASTA A RECORDAR

Joris Ivens foi um cineasta militante, que esteve presente em todas as latitudes, aonde a Revolução Socialista parecia exequível de se cumprir: na URSS, na China, em Cuba, em Espanha, no Vietname.
Cineasta de vanguarda ele filmou o homem e a máquina, na fábrica ou na cidade como hinos ao progresso, ao movimento, ao trabalho.
Poeta experimental, consagrou uma das suas primeiras curtas-metragens à «Chuva» (estava-se em 1928 e ele contava 30 anos), e a sua última obra, em 1988, precisamente um ano antes de morrer é «Uma História do Vento».
É um facto que este holandês é, há muito, reconhecido - a par de Robert Flaherty - como um dos grandes documentaristas do primeiro século do cinema
Vista em retrospectiva, a sua filmografia permite seguir uma trajectória impressionante entre o lirismo e o realismo, entre testemunho e utopia, nos sessenta anos em que andou a dedicar a atenção aos vencidos e aos rebeldes do planeta...
Nascido para o cinema a meio da década de 20 em pleno entusiasmo pelas vanguardas artísticas, Joris Ivens realiza um conjunto de ensaios nos quais já se pressentem as linhas de força do seu empenhamento posterior.
Se os seus «Estudos dos movimentos em Paris» e «A Ponte» são verdadeiras maravilhas estéticas (a lembrarem Dziga Vertov), a sua «Sinfonia Industrial», rodada nas fábricas Philips em início dos anos trinta, corresponde a um simultâneo elogio ao progresso técnico e a uma tomada de consciência da monotonia do trabalho em cadeia de produção.
A poesia e a política não deixarão de andar a par, quer para empolar a gesta proletária e as lutas sociais, quer para denunciar as malfeitorias capitalistas.
Com «Komsomol: o canto dos heróis» (1933) Joris Ivens glorifica o operário soviético como reflexo do triunfante estalinismo, durante a construção de um alto forno numa região desértica da União Soviética.
Que olhar é possível assumir perante tal objecto de propaganda? É forçoso reconhecer essas imagens como ingénuas, mais do que como mentirosas, tanto mais que a grandeza do ser humano é filmado aqui como uma projecção do espírito generoso do cineasta.
Mas é decerto com o seu filme seguinte, que Joris Ivens melhor descreve o indivíduo a contas com o seu contexto natural e social.
Documentário encomendado pelo governo holandês sobre os trabalhos de criação de um polder, «Nova Terra» começa como reportagem num imenso estaleiro cujo objectivo é o de conquistar ao mar milhares de hectares de terras férteis. Mas, após mais de dez anos de trabalhos e uma primeira colheita de trigo, a crise mundial (de 1929) conduz à queda dos preços e à destruição dos stocks.
«O trigo não é cultivado para alimentar as pessoas, mas para especular», diz o comentário tendo por pano de fundo as imagens de marchas contra a fome nos EUA.
O hino aos trabalhadores torna-se acusação política, sobretudo em «Borinage» (1934), um dos seus filmes mais célebres e pessimistas sobre uma greve numa bacia mineira e sobre a selvajaria da exploração operária.
Joris Ivens está depois ao lado dos republicanos espanhóis com quem roda o magnifico «Terra de Espanha» (1937) e com a resistência chinesa contra a invasão japonesa («Os 400 milhões»), partilhando depois a vida quotidiana dos camponeses vietnamitas sob os bombardeamentos americanos nos finais dos anos 60 («O 17º paralelo», um dos mais importantes filmes rodados sobre essa guerra) ou ainda investigando a realidade da China maoísta a meio dos anos 70 («Como Yukong deslocou montanhas»).
Joris Ivens é um cineasta da esperança revolucionária tão atento à transformação industrial do mundo como à epopeia dos povos em movimento sem esquecer a beleza dos malditos da terra … ou da forma das nuvens.
Com a sua fé inquebrantável nas virtudes da imagem ele soube construir uma visão do mundo, que homenageia os ideais progressitas da curta, mas terrível história do século XX.

sábado, março 28, 2009

IMAGENS DO MUNDO NO CANAL ARTE

«Louise ou l’islam par l’amour», documentário de Beatrix Schwehm, mostra um incompreensível paradoxo: os pais da protagonista são cultos e liberais nos seus valores, mas não conseguem impedir a filha de se apaixonar e casar com um rapaz muçulmano, por quem ela passa a vestir-se como a mais fundamentalista das mulheres dessa cultura.
Embora procurem respeitar essa opção, esses pais sentem-se incapazes de entender essa transformação, mesmo que a busquem contestar as idiossincrasias do jovem casal pelo diálogo.
É dramática essa distinção de valores entre quem faz da vida a oportunidade para tudo compreender e equacionar e quem a considera como uma mera etapa num percurso religioso pejado de certezas. E a incapacidade de quem está na primeira dessas vias em abalar, por pouco que seja, os defensores da segunda opção em sequer suporem os seus axiomas como passíveis de ponderação.


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Sábado ao fim da tarde perante o canal ARTE é a oportunidade para confrontarmo-nos com algumas realidades mais ou menos mediáticas do mundo actual.
No programa subordinado a grandes reportagens são três as que nos dão a conhecer o que se passa em diferentes latitudes do planeta. Em Madagáscar, por exemplo, afere-se até que ponto existe legitimidade na tomada do poder pelo novo Presidente, um jovem nascido num dos bairros pobres de Antatanarivo e tornado conhecido pela sua actividade de disc jockey na rádio.
É verdade que o anterior titular da função presidencial parecia demasiado corrupto, mas há quem se questione se Andry Rajoelina não será um mero testa de ferro de gente endinheirada da ilha cujos interesses estariam a ser postos em causa pelo projecto de enriquecimento estritamente pessoal do seu antecessor.
É verdade que Rajoelina utiliza a palavra democracia com uma ingénua franqueza. Mas a forma de a executar parece limitar-se a favorecer a livre concorrência, quando estamos num tempo em que sabemos bem o que essa concepção da organização económica suscitou…
Mudando de continente, deparamos com uma situação inesperada em plena Bolívia. Aí, em La Paz, fica a prisão de San Pedro, que constitui por si mesma uma cidade dentro da cidade. Aonde os prisioneiros vivem com as famílias e têm de trabalhar para garantir o seu sustento. Sempre controlados pelas máfias, que não deixam de estar no topo da pirâmide social em conluio com a direcção da prisão.
Que haja turistas dispostos a pagar uns dólares para visitarem esse inferno na terra, é o que mais surpreende sobre a ilimitada curiosidade dos que saem das suas casas abastadas para, em visitas organizadas por agências apostadas em explorar as mais indignas vertentes do negócio, verem a miséria alheia…
Na terceira reportagem do programa estamos no Camboja, em aldeias aonde sobreviventes do genocídio aí ocorrido vivem ao lado dos antigos khmers vermelhos responsáveis pela morte dos seus familiares.
É certo que os valores culturais são diferentes dos nossos, mas imagina-se a ambiguidade dessa convivência aonde desejos de vingança devem ser contrabalançados pelo discurso oficial do carácter imperativo da concórdia…
Já em documentário à parte, somos convidados para a extremidade oriental do continente asiático: na península do Kamchatka acompanhamos o quotidiano de uma vulcanóloga apostada em conhecer algo mais sobre a realidade turbulenta, que todos os cidadãos do planeta têm debaixo dos pés. Esse magma que, a par do calor solar, fundamenta a diferença entre o nosso planeta vivo e os que vogam silenciosos e sem vida pelo universo…

quinta-feira, março 19, 2009

Cecilia Bartoli - Ah, non credea mirarti...Ah! non giunge

Que bela é esta ária! A história, como acontece normalmente na ópera italiana desta época, é um bocado tonta, mas a música chega a ser sublime, quer quando a voz da Bartoli se silencia, quer quando ela consegue, em som, o carácter plangente de um amor, que se crê definitivamente perdido.

terça-feira, março 17, 2009

Bipolares

Uma reportagem da SIC sobre doentes bipolares deram-nos o ensejo de espreitar os dramas vividos por gente conhecida: uma das filhas do conhecido defensor dos direitos do consumidor, Beja Santos, que padece de uma das formas mais gravosas de tal maleita, chegando a agredir violentamente a progenitora numa dessas crises em que parecia completamente possuída por uma personalidade desconhecida noutros tempos associável a algo de exorcizável enquanto manifestação demoníaca!
Ou a juíza Conceição Oliveira, em tempos a mais mediática do país por atirar com Vale e Azevedo para a prisão, e cujos padecimentos incluíram tentativas falhadas de suicídio. Ou o escritor Pedro Paixão, que se reformou precocemente por se revelar inviável a continuação da sua carreira de professor universitário.
Porque é problema extremamente grave e de difícil gestão pelas famílias, a doença bipolar acaba por ser um tema bastante interessante. Quanto mais não seja, porque sabemos bem os efeitos angustiantes que uma perturbação mental pode complicar na vida de uma família….

segunda-feira, março 16, 2009

Em homenagem a Alan Bashung

Repetindo um percurso já conhecido outrora por Serge Gainsbourg com quem tinha muitos pontos de contacto (a começar pela condição de fumador inveterado e pela de doente de cancro nos pulmões), Alan Bashung morreu ontem aos 61 anos.
Fica aqui um dos seus temas mais conhecidos: «Les Mots Bleus». Como homenagem a mais um interessante cantor da música francesa, que passa definitivamente à história...

domingo, março 15, 2009

Big in Bombay - Constanza Macras / Dorky Park

No CCB este espectáculo surpreendeu no que corresponde a caminhos inovadores da dança contemporânea.
Talvez preferisse que a coreógrafa não acumulasse tanta informação e reduzisse os momentos (quase) mortos, mas foi admirável o desempenho de quase todos os intervenientes, sobretudo quando os números de dança imitavam os de Bollywood...

sábado, março 14, 2009

As mulheres não dão para a comédia?

Numa das edições do «Guardian» da semana transacta a conhecida feminista Germaine Greer interrogava-se das razões porque têm mais sucesso os comediantes masculinos do que as suas congéneres do sexo oposto. Não deixando de reparar que o êxito destas últimas parece relacionar-se com a provocação do riso em torno de temas como as mamas, a menstruação ou outras vertentes da sexualidade feminina, que garantem riso alarve na boçalidade machista dos seus espectadores. Ou, em alternativa, fazendo das outras mulheres o objecto quantas vezes perverso da sua farsa: uma das principais comediantes norte-americanas da segunda metade do século passado conseguiu criar nome no negócio do espectáculo ao fazer de Elizabeth Taylor o foco da sua sátira.
Mas Greer considera que os comediantes masculinos prevalecem pela facilidade com que se dão ao ridículo. As mulheres teriam, nesse aspecto, um maior comedimento com a imagem, que de si transmitem, tornando-se menos empáticas junto de um público mais propenso à palhaçada. Aliás, contrariando a tese de que, num grupo de homens, o que conta mais anedotas, é o que busca a sua liderança, ela defende o contrário: o comediante de cada grupo é um dos seus mais frágeis elementos, incapaz de se afirmar pela força dos seus punhos ou pela eloquência do seu pensamento, restando-lhe a arma do riso para se conseguir destacar.
É claro que a pergunta inicial - porque têm mais sucesso os homens do que as mulheres na comédia tipo stand up? - fica por responder. Mas a razão poderá relacionar-se com o que dizia o Miguel Esteves Cardoso numa das suas mais recentes crónicas do «Público»: simplesmente, porque as mulheres são bem melhores do que os pobres de espírito, que são a generalidade dos homens. Que na superficialidade do riso buscam iludir a sua incapacidade para os pensamentos mais profundos.

domingo, março 01, 2009

NÃO HÁ-DE ESTAR A UNIÃO EUROPEIA EM CRISE?

Decorreu hoje mais uma cimeira da União Europeia para demonstrar, uma vez mais, quanto ela se dissocia tanto do projecto dos seus pais fundadores: criar as condições para a criação de uma entidade continental capaz de rivalizar em poder e riqueza com as grandes superpotências entre as quais se via então espartilhada.
Hoje, em plena crise económica e financeira, há fortes probabilidades de alguns dos membros mais recentes da União conhecerem uma situação de falência como a já verificada na Islândia. Com todos os riscos derivados para a paralisia do mercado interno e para a fragilidade da moeda única.
Causa, por isso, genuína indignação o discurso tolo de Durão Barroso que, face à impossibilidade em chegar a um qualquer acordo desbloqueador dos impasses presentes, afirma manter-se atento à situação. Como sempre a mediocridade do presidente da Comissão só não parece uma demonstração plena do Princípio de Peter, porque ele se alçou a patamares aonde nunca a sua inteligência, nem as suas competências o poderiam nunca levar.
Mas o mundo e a sua história têm destas coisas: aos valorosos trata de sonegar o acesso aonde deveriam chegar, enquanto aos medíocres teima em confrontá-los com as consequências tenebrosas das suas incompreensíveis ascensões.
Se George Dabliú já se foi, ainda ficaram cá muitos dos seus émulos.