quarta-feira, julho 29, 2009

As praias de Agnés

Uma das metáforas felizes emitidas por Agnés Varda a respeito do seu filme mais recente («As Praias de Agnés») é a da organização da sua memória como se se tratasse de imenso puzzle, mas em que, quem o tenta resolver, não tem qualquer imagem de referência a guiá-lo.
É a vida feita de múltiplos momentos, que podem ser associados das formas mais distintas. Sobretudo se, como no caso da realizadora, se usufruiu, não de uma, mas de diversas e riquíssimas vidas. Por exemplo a da adolescente belga apanhada aos 13 anos pela 2ª Guerra Mundial sem sequer pressentir a iminência de tão medonha carnificina. A da jovem ligada à Nouvelle Vague sem assumidamente nela se integrar de facto. A da cineasta convidada para uma carreira do outro lado do Atlântico aonde conviveria com a seita de Warhol e com o líder dos Doors. A mulher apaixonada por um excêntrico (Jacques Demi) com quem partilharia fascínios e inquietações. A observadora atenta da realidade sociológica abordando por isso os esforços dos esforçados respigadores numa sociedade vocacionada para a exclusão. Ou, enfim, a experimentalista que, aos 81 anos, ainda continua a procurar novas linguagens e meios de as expressar.

Dash Snow: mais um mito emergente?

Provavelmente até nem voltaremos a ouvir falar dele. Mas pode ocorrer o contrário: vir a ser mais um dos artistas citados como fazendo parte do restrito Clube dos 27. Aqueles que não ultrapassaram vivos essa idade mítica: Tim Buckley, Jim Morrison, Janis Joplin ou Jimi Hendrix.
Nascido em ambiente privilegiado Dash Snow passaria, a exemplo de Nan Goldin e de Larry Clark a viver e testemunhar nos seus polaróides o ambiente boémio da noite nova-iorquina.
Pôs-se em causa a perenidade da obra tendo em conta o carácter efémero desse suporte fotográfico. Mas há quem ande a dar pequenas fortunas por essas imagens colhidas por Dash quando ele assumia tirá-las para se lembrar do que andara a fazer na noite anterior. Uma de muitas, antes daquela em que já não despertou da derradeira overdose.

sábado, julho 18, 2009

Nan Goldin e a sua estranha forma de vida

Em Arles está agora em foco a fotografia de Nan Goldin, uma das raras vedetas do actual mundo da fotografia.
O que é dado a conhecer é a própria vida da fotógrafa, que já acumulou muitas experiências desde o dia da sua saída da casa dos pais aos 14 anos. Uma significativa parte dessas vivências por ela recolhidas em imagens tem a ver com a sua juventude, os amigos, os amores e desamores, as dores. A família de substituição por ela encontrada. Com muita droga, violência e álcool à mistura. Alguns auto-retratos são apaziguadores ao realçarem-lhes os cabelos fartos e alourados, o rosto frágil, o corpo belo. Mas outras mostram esse mesmo rosto ensanguentado depois de uma violenta agressão do amante da altura. Ou nem precisa de chegar a esse extremo: há uma fotografia em que ela está deitada na cama enquanto o amante fuma um cigarro de costas para ela, indiferente às suas emoções.
Nan Goldin inventou o diário pessoal em imagens. Fala dela, mas evoca, igualmente, a época das comunidades marginais dos anos 70 e 80. Significativo o facto de a maioria dos que se vêem nessas imagens já ter entretanto morrido.

A tristeza segundo Preminger

Em cinquenta anos o cinema mudou muito e «Bonjour Tristesse», o filme que Otto Preminger rodou então demonstra-o bem.
A história, baseada no romance homónimo da então aclamada Françoise Sagan, é muito pobrezinha, espelhando uma mudança de paradigma na cultura francesa de então: a passagem de uma escrita ideologicamente bastante consistente à esquerda para uns existencialismos inócuos, que encontrava nestas angústias adolescentes e burguesas um subproduto bastante apreciado.
Por outro lado a representação é canónica em relação aos costumes da época, mas de limitados recursos apesar de envolver algumas das grandes estrelas de então - David Niven, Deborah Kerr e Jean Seberg.
Quanto à realização, que dizer da sua enfadonha banalidade?
E, no entanto, é possível pegar na história e problematizá-lo de forma a sair de uma apreciação mais básica. Por exemplo, o que levará a jovem Cécile a intrometer-se nas aventuras amorosas do seu mulherengo pai não será indiciador de um evidente Édipo por resolver?
Noutra perspectiva não deixa de ser curiosa a perspectiva dos personagens masculinos serem completamente manipulados pelas femininas, que exploram a sua tendência para ditarem os seus comportamentos pela acção descontrolada das suas hormonas, tornando-se seus joguetes.
Duas leituras de entre as muitas possíveis para demonstrar como até o mais entediante pastelão pode ganhar algum interesse se apostarmos em o analisar para além do seu nível de leitura mais imediato.
Haverá, porém, quem opte por realçar uma lógica moral mais conservadora, já que todo o argumento gira em torno da má consciência da protagonista, essa rapariga de 17 anos, que decide conspirar contra a futura madrasta, quando a vê coarctar-lhe a liberdade de movimentos e acaba por lhe provocar a morte num suicídio mascarado de acidente. E esta abordagem, embora admissível, acaba por justificar todos os discursos contra as «excessivas liberdades» conferidas à juventude, à importância dos «valores familiares» e outras fórmulas similares pelas quais as forças ideológicas mais retrógradas vão tentando travar a lógica evolutiva da História dos usos e costumes da Humanidade.

sexta-feira, julho 17, 2009

Um homem muito procurado segundo Le Carré

Não está fácil a vida para Tommy Brue, um banqueiro sexagenário cuja instituição está sediada em Hamburgo, depois de ter passado, em tempos idos, por Londres e Viena. Instituição de pequena dimensão, mas muito prestigiada, a Irmãos Brue tem um problema estrutural a ameaçá-la: as contas lippizan, criadas no tempo do pai de Tommy - Edward - para branquear capitais ilícitos de antigos espiões ocidentais no seio das instituições soviéticas.
O mais notório desses espiões fora Karpov, um coronel do Exército Vermelho, que legara a sua fortuna ao filho ilegítimo resultante da sua violação a uma adolescente chechena.
Agora, vinte anos depois, esse rapaz - Issa - vem à procura de tal dinheiro sob a pele de um militante islamista meio desvairado, que diz ter por projecto de vida usá-lo para se tornar médico.
Quem o ajuda é uma advogada de boas famílias - Annabel - devotada defensora das melhores causas como esta de ajudar imigrantes clandestinos a encontrarem a sua via para a sobrevivência. E é ela quem se apresenta a Tommy Brue a reclamar o que é devido ao seu cliente.
O problema para Tommy é compreender que a idade avançada não o impede de alimentar uma paixão juvenil pela rapariga. E que, atrás de Issa, andam os serviços secretos ingleses, alemães e sabe-se lá quais mais…
Chegado a meio do livro - «Un Homme três recherché» - há várias pontas soltas numa história que irá ganhar consistência para uma direcção ainda não adivinhada nesta altura...

sexta-feira, julho 10, 2009

E fiquei à espera das Variações Diabelli

Chegando este ano aos quarenta anos de idade, Bereszovski estará nesta altura no auge da sua carreira. E a sua carreira leva-o a permanentes digressões pelas grandes salas de concerto de todas as latitudes. Foi, assim, que dele vimos em tempos um concerto ao vivo, embora nos tenhamos sentido então defraudados. Estavam-nos prometidas as Variações Diabelli, mas Bereszovski já se sentia tão cansado de sucessivos concertos nos dois dias anteriores nessa Festa da Música, ainda sob a égide de René Martin, que decidiu-se por outra alternativa: apresentar-se com os seus dois parceiros de um trio já rodado em concertos e gravações - Dmitri Makhtin (violino) e Alexandre Kniazev (violoncelo) - e presentear o público do CCB com um espectáculo em que ele se apagou em proveito do virtuosismo dos seus dois cúmplices.
Agora o documentário em causa mostram-nos facetas desconhecidas do intérprete: o seu gosto pela improvisação, que o leva a tocar jazz com alguns amigos nos bares de Ekaterinburgo, ou pelos casinos aonde perde dinheiro invariavelmente.
Os concertos ao vivo são para ele uma forma de vida, mais do que um prazer em si, já que esse fica reservado para o estudo solitário das peças, quando se fecha em casa.
Decerto que nos próximos anos ainda voltaremos a ter a oportunidade para novamente lhe apreciar o virtuosismo irrepreensível. Aquele que o levam a tocar com a mão esquerda as difíceis peças de Chopin, que outros tão dificilmente executam com o recurso às duas mãos.
Gostaria não só de ver ao vivo essas tais Variações beethovenianas, mas sobretudo essas peças de Rachmaninov, tão lendariamente exigentes e nas quais ele tem porfiado o seu esforço nos últimos tempos. Tanto mais que nunca se o vê olhar para uma pauta durante os seus concertos...

domingo, julho 05, 2009

Uma leitura que me desilude

Acabou por me desiludir a novela do Stephen King, que andava a ler: «Janela Secreta, Jardim Secreto».
Recordo o que estava em jogo: um escritor é acusado de plágio por um sinistro campónio vindo do Mississípi e eivado de propósitos homicidas se aquele lhe não demonstrar a falsidade do seu juízo. Estão em causa duas datas: John Shooter teria escrito o seu conto em 1982 e Mort Rainey afirma ter provas da sua publicação numa revista de 1981.
E, no entanto, as provas por que ele espera comprovar a sua afirmação e livrar-se da ameaça, começam a evaporar-se quando fica em cinzas a casa da ex-mulher em cujo anexo ele teria uma cópia dessa revista ou, ao ser-lhe enviado outro exemplar pelo correio expresso, as páginas do índice e das folhas aonde tal conto apareceria estavam eliminadas.
A páginas tantas cheguei a suspeitar do antipático fumador de cachimbo por quem Amy trocara Mort desde o dia em que este os encontrara em flagrante num quarto de motel. Afinal também ele viera de uma pequena localidade sulista de nome Shooter e poderia sentir-se diminuído pela superioridade intelectual de Mort, desejando assim eliminá-lo enquanto concorrente aos favores de uma ainda insegura Amy.
Mas, pouco a pouco, percebe-se que a novela não é mais do que uma nova variante dos temas abordados pelo autor em «Shining», ou mesmo em «Misery»: ou seja, entre o escritor que enlouquece e escreve milhentas vezes a mesma palavra e o leitor obsessivo apostado em que lhe redijam uma história só para si, eis o conteúdo de «Janela Secreta, Jardim Secreto».
E nesse mais do mesmo sem novidade se resume a minha decepção ao concluir a sua derradeira página.