segunda-feira, dezembro 01, 2014

LEITURAS: «Últimas Notícias do Sul» de Luís Sepúlveda (2)

O conto «A Senhora dos Milagres» faz-me concluir sobre mais uma das características, que tenho em comum com os Patagónios: detesto voltar para trás.
“Na Patagónia garantem que meter marcha-atrás e retroceder dá azar, de maneira que, fiéis aos costumes dos habitantes do lugar, seguimos em frente porque o destino está sempre em frente de nós, e às nossas costas só devemos carregar com a guitarra e com as recordações”. (pág. 67)
Anos houve no passado em que íamos frequentemente a França de carro, optando umas vezes pelo percurso de Salamanca e Burgos até San Sebastian, outras pelo que, por Madrid nos direcionava para os Pirenéus via Andorra. Para lá nunca nos enganávamos, mas no regresso, se optávamos pela passagem  por Madrid, era fatal como o destino de que atrás falava Sepúlveda: engano certo.
Atente-se que, na época, ainda não existiam as autoestradas que hoje nos fazem passar pela periferia da capital sem nela nos perdermos.
De uma dessas vezes andámos às voltas passando por três vezes em frente ao Estádio Vicente Calderon até darmos com a Carretera V, que nos direcionaria para Badajoz. De outra vez a escusa em fazermos a indesejada marcha-atrás levou-nos até ao Escorial ao fim da tarde, quando ainda ambicionávamos chegar à Caparica nessa mesma noite.
Distingue-nos dos patagónios o facto de não acreditarmos no que possa dar sorte ou azar. A vontade de sempre seguir em frente tem antes a ver com a crença de que por lá encontraremos algum atalho que nos direcione para a direção correta. Desconfio que no segundo dos exemplos se levasse demasiado a peito essa tese ainda acabaria por chegar à Costa Cantábrica.
Mas foi por seguir sempre essa lógica, sem cuidar de retroceder, que Luís Sepúlveda e o seu amigo Daniel Mordzinski chegaram até nenhures onde deram com uma singular nonagenária, Doña Delia Rivera de Cossio.
Fazendo anos nesse mesmo dia, a anfitriã serve-lhes um chá-mate e conta-lhes a sua história: nascera em San Carlos de Bariloche e quase nunca ali voltara desde que se casara com o homem garboso cuja fotografia mostra na sepultura existente num canto do quintal. Os filhos nasceram, cresceram e partiram, e ela ali ficou com a horta e os animais a viver na placidez de um tempo quase parado. E com a surpreendente capacidade para produzir milagres como os de fazer brotar flores de rebentos nuns ramos quase secos.
Para Sepúlveda ela era o exemplo de alguém com a tranquilidade ameaçada pelos que - dos Benetton a Stallone - passaram a encarar como moda a compra de muitos hectares na vasta região para aí levarem o «progresso», aproveitando a permeabilidade dos governos de Buenos Aires a conseguirem assim verbas para pagarem as dívidas aos credores representados pelo Fundo Monetário Internacional.

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