A África pode suscitar alguns equívocos. Como aquele que, no editorial do 4º número da edição portuguesa da revista «Granta», é relatado por Carlos Vaz Marques: tinha cinco anos quando recebeu a notícia do iminente nascimento de um primo na parte da família, que vivia numa das colónias africanas.
Quando, meses depois, o conheceu viu desfeita a ideia que dele preconcebera: em vez de tez negra, descobriu-o idêntico a outros bebés entretanto vistos cá no continente. Na sua inocência o jovem Carlos julgara que a cor da pele dependia do sítio onde se nascia.
O meu equívoco mais memorável sobre África aconteceu quando aportei pela primeira vez à Cidade da Praia. Lembro-me de ter pensado: “é a minha estreia neste continente!”, o que era totalmente infundado. Anos antes já andara pelas ruas de Port Said e pelo souk de Casablanca.
Mas, num e noutro caso, eu atribuía tais locais ao Magreb, como se a África só merecesse tal designação abaixo do Bojador.
Nos anos seguintes tive o privilégio de registar milhentas imagens vividas do Continente. No paquete, que me dera a conhecer Cabo Verde como a primeira das ex-colónias visitada, não tardaria a recolher memórias inesquecíveis na beleza selvagem da praia de Nossi-bé em Madagáscar, na arquitetura de influência árabe dos degradados edifícios de Zanzibar, na sofisticação turística da ilha de Praslin nas Seychelles, onde as enormes tartarugas cruzavam-se placidamente connosco ou na pitoresca campanha eleitoral em dia de designação do presidente na capital das Comores. E também no forte construído pelos portugueses em Mombaça, no Quénia, onde surpreendentemente consegui telefonar para casa a partir de uma cabine telefónica na rua.
Mas não foi só a beleza ou o lado pitoresco, que colhi de África ao longo dos vários anos em que cirandei pelos seus portos. Descobri, igualmente, o quanto ela pode ser absurdamente perigosa.
Em Douala, na Republica dos Camarões, fui preso por, enquanto responsável pela casa das máquinas, ter «poluído» os ares africanos com o fumo da caldeira a arrancar. Na realidade não pactuara com um tipo de “negócio” habitual entre os navios e quem em terra recolhia supostamente as águas poluídas, e contava vê-las acompanhadas de combustível bom e de borla.
Em Ponta Negra, na República Democrática do Congo, o chefe da polícia quis-me levar preso por o “ter querido atropelar” na rua nessa mesma tarde, valendo-me estar a jantar com um madeireiro português, que afiançou saber-me a bordo nessa altura, desmentindo a infundamentada acusação.
Em Dacar, eu e o imediato do navio fomos ao mercado local à procura de freios para o molinete e tivemos de ser dali retirados rapidamente, porque um gang já se preparava para nos assaltar.
África significa isso mesmo: as paisagens fabulosas que vi num dia em que viajei longas horas de carro entre Port Elizabeth e Durban, mas também a violência de uma guerra civil como a que nos fez permanecer ao largo de Lagos durante mais de um mês, com os mantimentos quase esgotados, enquanto militares golpistas guerreavam os defensores do poder vigente.
Não é, pois, sítio apenas de gerar equívocos. Pode ser extremamente bela, mas também pode significar a tragédia ocorrida com um amigo, o Leitão, em São Tomé no dia em que Miguel Trovoada quis derrubar o presidente Pinto da Costa e ele estava no local errado à hora errada para receber o inesperado tiro que o matou.
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