Muito embora Mike Leigh nunca tenha sido um realizador, que me tenha particularmente entusiasmado com os seus filmes, mesmo reconhecendo-lhes amiúde uma valia acima da média, tive esperança que o seu «Mr. Turner» me desse particular prazer.
Hélas! Estamos na demonstração exemplar de como o todo pode valer bem menos do que a soma das partes.
Senão vejamos: em primeiro lugar o realizador e os colaboradores conseguiram uma reconstituição mais do que irrepreensível da época em que viveu William Turner. Ela é simplesmente perfeita nos cenários, nos rostos, nas formas de expressão (o omnipresente “indeed!”), e até mesmo no som que fazem os passos a pisarem os soalhos.
Os desempenhos dos atores e das atrizes estão ao mesmo nível da perfeição, a começar por Timothy Spall, que andou dois anos a preparar-se para interpretar o papel do célebre pintor chegando a ter lições de desenho e de pintura para acrescentar credibilidade às cenas em que dá retoques finais nalguns dos quadros.
Para quem mais do que gosta da obra de Turner - como é o meu caso! - as cenas em que ele se encontra com os enquadramentos do que serão alguns dos seus quadros mais conhecidos («A Última Viagem do Temerário» ou o «Chuva, Vapor e Velocidade») são momentos de grande intensidade por adivinhar-lhes o resultado quando traduzidos na tela.
Nada a criticar, igualmente, nos dados biográficos, que o filme nos vai facultando, e são muito fiéis ao que sabemos da vida do pintor.
Como se explica então um certo enfado, que até o mais rendido dos apreciadores da arte de Turner não consegue evitar?
Só vejo uma explicação: Mike Leigh prolongou demasiadamente o tempo de duração do filme. Em vez de duas horas e meia, ele teria ganho bastante com a depuração de algumas cenas, que em nada adiantam ao conjunto da história, e lhe garantiriam outro ritmo. Calculo que, com meia hora a menos, «Mr. Turner» teria sido bem mais entusiasmante.
Mas, se se podem encontrar diversas cenas passíveis de serem cortadas na montagem, surpreendi-me com a escassa importância atribuída ao episódio em que Turner se faz agarrar ao mastro de um navio em plena tempestade para surpreender as tonalidades das cores quando a fúria dos elementos se desencadeia. Tido como autêntica epifania ocorrida na vida do pintor e que muito influenciaria a sua demanda da cor, passou quase tão despercebidamente como outros igualmente relevantes para o caracterizar como precursor do impressionismo e por isso mesmo condenado ao ostracismo a que o votaram os colegas e a família real na fase final da expressão da sua criatividade, quando ela se revelava muito avançada para os cânones da época.
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