Durante três verões tive o enorme privilégio de fazer viagens com saída de Gotemburgo e passagens pelas ilhas Faroé e pela Islândia até rumarmos a norte, espreitarmos a Ilha dos Ursos e sermos travados pelo pack ice. Dali por diante só poderíamos avançar pela superfície da calote polar até ao pólo, situado a menos de mil quilómetros de distância. Isso nesses inícios da década de noventa, já que, com o aquecimento global, seria muito provável a possibilidade de irmos agora além dos então possíveis 82º N.
Hoje não há local algum no planeta onde os efeitos do aquecimento global sejam tão pronunciados como no Ártico. Com o desaparecimento da calote polar, as aldeias isoladas da Gronelândia e do norte do Canadá passaram a ver facilitado o contacto com o resto do mundo, e as águas fatais da região, outrora labirintos impenetráveis de icebergs, passaram a ser invadidas por embarcações de todos os tamanhos e feitios decididas a atravessar a outrora inexpugnável passagem do noroeste.
Por espírito de aventura ou por ganância, há navegadores dos quatro cantos do planeta a lançarem-se à conquista desse «novo mundo», que promete ser um eldorado e situado no cruzamento entre o Canadá, a Rússia, os EUA e a Escandinávia.
Os Inuits veem-se confrontados com a perturbação dos ciclos da Natureza a que estavam habituados e com a intrusão acelerada da modernidade. Bem procuram preservar as riquezas económicas e culturais contra a loucura predadora, que os ameaça, mas pouco podem fazer quando são as principais potências mundiais a apressarem-se a explorar os recursos naturais do Ártico. E, de facto, são inúmeras as torres de exploração petrolífera ali instaladas, bem como as prospeções mineiras, que poluem e poucos benefícios económicos trazem a quem ali sempre habitou.
O projeto «Mar Polar 360º» propôs uma viagem fascinante em mais de sete horas, divididas em dez episódios, a esse vasto território em mutação, através de histórias e encontros incomuns. As fascinantes imagens das paisagens grandiosas captadas graças às técnicas mais modernas - drones, helicópteros, plataformas submarinas, câmaras de 360º - alternam com as das várias expedições de navegadores e investigadores bem como com as os testemunhos escritos, fotográficos e fílmicos acumulados em três séculos de arquivos.
«Polar sea – 360º» aborda as evoluções técnicas e climáticas, que permitiram forçar os portões do Ártico, traçando uma nova rota marítima. Começamos por acompanhar o veleiro Dax entre a Islândia e o norte canadiano e vamos passando aqui e além para outras embarcações e tripulações. De quando em quando fica-se momentaneamente em terra para prolongar o contacto com cientistas apostados em estudar aprofundadamente as mudanças climáticas, cantoras inuik dispostas a preservar as tradições ou trabalhadores da indústria petrolífera capazes de afiançarem tratar-se de uma enorme mentira essa história do aquecimento global.
Após nove mil quilómetros percorridos pelo arquiteto sueco Richard Tegner e os seus companheiros de ocasião, descobrimos uma região seriamente perturbada pelas mudanças climáticas e sociais. E onde em vez de ver facilitada a vida, pessoas e animais ficam com a sua sobrevivência ameaçada.
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