sexta-feira, dezembro 26, 2014

DIÁRIO DE LEITURAS (II): Martin Amis

Desde «Koba the Dread», que a antipatia por Martin Amis tem sido uma constante na apreciação, que lhe faço. Tal como em Portugal prefiro Saramago a Lobo Antunes, e. em França, Sartre a Camus, também em Inglaterra simpatizo bem mais com Christopher Hitchens - que era por ele diretamente visado naquele livro de 2002 - do que por Amis.
Mas essa antipatia vinha de mais longe: sempre detestei aqueles que ganharam louros literários à conta do seu posicionamento político à esquerda e, depois, por indisfarçável arrivismo, viraram à direita. Foi o que sucedeu com Kingsley Amis, o pai de Martin, nos anos sessenta.
Este distanciamento, assumidamente preconceituoso, não me impede de acompanhar com interesse a polémica em torno do romance «The Zone of Interest», que as principais editoras francesas recusaram publicar pela ligeireza com que o acusam de abordar o tema do Holocausto.
Enquanto a Quetzal está a preparar a edição portuguesa - que surgirá nas bancas antes da Feira do Livro -, vale a pena recordar quão complicado é tratar literariamente o tema.  George Steiner até propunha a afixação de um cartaz no topo dos portões dos campos de concentração a aconselhar os romancistas a afastarem-se.
E, em cinema, os equívocos relacionados com a tradução do tema em comédia até valeu um excelente êxito na Broadway a Mel Brooks com «The Producers».
No romance agora publicado, Amis tem por protagonista um oficial nazi de segunda linha, colocado em Auschwitz, que se apaixona à primeira vista pela mulher do próprio comandante do campo.
A questão moral, que muitos levantam e justificou a escusa da Gallimard em publicá-lo é até que ponto faz sentido um romance cujo tema é a obsessão sexual de um alemão tendo por cenário de fundo os fornos crematórios?
Martin Amis não foge propriamente ao homicídio gigantesco, que ali se vive, mas também não agradará a muitos a escolha do judeu Szmul para o ilustrar. Porque este é o paradigma do oportunista, que salva a pele por mais algumas semanas, ao dispor-se a ajudar objetivamente os assassinos a convencer os que acabam de chegar nos comboios da morte em como nada de mal lhes acontecerá ao entrarem nos edifícios onde irão na realidade ser gaseados.
Num certo sentido até considero positiva a dessacralização do Holocausto não o limitando à  perspetiva estereotipada, que se limita à divisão maniqueísta entre as vítimas e os seus monstruosos algozes. Até porque, di-lo Martin Amis, os campos de concentração eram locais como quaisquer outros, onde os oficiais alemães viviam com as respetivas famílias. Mas fica a dúvida se Amis - ciente de ver a sua obra a cair na irrelevância, que precede o merecido esquecimento, não terá visto na conjugação entre o contexto muito canonizado e a sexualidade de um protagonista, a forma de gerar o escândalo capaz de lhe voltar a proporcionar espaço nas primeiras páginas dos jornais e nas capas das revistas literárias. E isso seria revelador do oportunismo, que desconfiamos ser um dos seus traços de carácter...

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