A menos que a memória me venha a trair no seu todo, dificilmente perderei as imagens colhidas no ano em que viajei pelas costas da América do Sul banhadas pelas águas atlânticas e do Pacífico.
Desde então se há sítio onde ainda gostaria de regressar - a par da Islândia, outro dos meus fascínios vivenciados! - era a essas paisagens patagónias, da Terra do Fogo ou das faldas andinas.
Explica-se assim o interesse com que abordei o livro publicado por Luís Sepúlveda em 2011 a meias com o fotógrafo Daniel Mordzinski e onde ficam refletidas muitas das experiências colhidas por ambos numa viagem ao cone austral da Argentina e do Chile.
No prefácio, Sepúlveda associa essas paisagens às terras dos Bárbaros referenciadas num poema de Konstantinos Kavafis: “Os seus sonhos foram temíveis e por isso os aniquilaram ou enviaram para os territórios longínquos fixados para os ’bárbaros’. Mas mesmo assim os seus sonhos continuaram a semear insónias entre os senhores do poder que lembraram o perigo do regresso dos ’bárbaros’, de tal modo que a ameaça se converteu em obsessão e nos bancos foram dadas ordens para desacreditar os ’bárbaros’. Meia dúzia de incapazes de pensar por si só escreveram livros sobre a ’idiotice dos bárbaros’ e eles responderam plantando florestas, imaginando uma alternativa à desumanização do sistema imperante, organizando a vida para que viver fosse alguma coisa mais do que um verbo.” (pág. 14)
Nos últimos versos do poema de Kavafis, Sepúlveda dá-se conta do fim dos Bárbaros, podendo associar-se a eles os índios Tchuelches e Mapuches, também eles desaparecidos das pampas patagónias, chacinados por vagas sucessivas de invasores chegados da Europa.
No ano em que Sepúlveda e Mordzinski iniciaram a viagem, que se traduziria neste projeto, a quila voltou a florescer, o que só sucede três vezes em cada século.
“A quila é uma variedade de bambu andino que cresce nos desfiladeiros profundos das cordilheiras. É resistente ao vento e à neve, ao frio intenso dos longos invernos austrais e ao sol abrasador dos breves verões. As suas canas chegam a atingir vários metros de altura, são duras, elásticas, e as suas folhas têm uma suave cor verde que enche e alegria a paisagem da cordilheira.” (pág.17)
Os índios acreditavam que quando a quila florescia acontecia desgraça certa. Ora, a crise financeira de 2008 não tardaria!
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