Datado de 1951, “Sommarlek” foi considerado por Jean Luc Godard, então crítico dos Cahiers du Cinéma, como um dos filmes mais belos da história do cinema. A protagonista é Marie, uma bailarina de 28 anos, que sente a inquietação de ver a juventude a escoar-se de si mesma. A presente relação amorosa não a entusiasma, levando-a a refugiar-se num diário, que lhe dá o pretexto para recordar um verão da sua adolescência em que estava partilhada entre a primeira paixão com Henrik e a ameaça sexual representada por um tio apostado em possui-la.
Há quem veja uma explicação pessoal para a diferença entre o clima depressivo deste “Juventude” com o bem mais otimista “Monica e o Desejo”, realizado no ano seguinte: enquanto neste último Harriet Andersson partilhava o leito de Bergman, no caso da protagonista do primeiro, Maj-Britt Nilson, nunca ele a conseguiu convencer a tal. Daí que a intriga tenha a ver com uma rapariga, que se entrega espontaneamente ao jovem namorado em vez de ceder ao desejo lúbrico do tio venal.
Nunca saberemos com quem Bergman mais facilmente se identificaria, se com o jovem desajeitado, se com o adulto abjeto na sua lubricidade. É que na vida pessoal, Bergman sempre aliou algo dessas duas vertentes: muito jovem rompeu com o ambiente austero imposto pelo pai pastor na igreja da terra natal para, com maior ou menor dificuldade, concretizar as suas aspirações. Mas depois, já consagrado como diretor teatral e realizador de cinema, conheceu-se-lhe um feitio de tirano capaz de intrigar contra colegas, despedir colaboradores que lhe não agradassem ou, no caso das mulheres, que com ele recusassem deitar-se.
Não o sabemos por outrem já que Bergman contaria isso mesmo na honesta autobiografia. Por isso mesmo o seu cinema oscila entre a representação de jovens idealistas em luta contra as circunstâncias, que os condicionam, e o reconhecimento de comportamentos inqualificáveis. E se os primeiros nunca conseguem ser bem sucedidos, os segundos, mesmo aparentando sê-lo, acabam por ser odiados e condenados a uma vida infeliz.
Um aspeto pouco comum da filmografia de Bergman, mas aqui bastante presente é o papel da natureza: através dos enquadramentos com que capta a flora ou os reflexos dos raios solares, Bergman cria a ambiência propícia para mostrar como a bailarina passou ao lado da vida. A idealização do passado confronta-se com a insatisfação colhida no seu amargo presente. Em muitos planos os corpos ficam secundarizados com a câmara a apenas captá-los em função da necessidade de, através deles, fazer avançar a intriga.
O filme utiliza eficientemente o paradoxo do verão nórdico em que a obscuridade nunca se consuma para diferenciar o tempo em que os dois jovens amantes inexperientes descobrem o inebriamento dos corpos daquele, ulterior, em que a noite cai quando Marie sai de mais um ensaio do «Lago dos Cisnes».
Num filme sobre a exploração sexual das mulheres pelos homens a bailarina ver-se-á acossada por sucessivos agressores potenciais, seja sob a forma do namorado jornalista, de um palhaço que já se revelava personagem-tipo da filmografia do realizador, de um ébrio ou de um mero provocador.
Ainda pertencente á primeira fase da obra do realizador, não se trata de filme que faça jus ao entusiasmo godardiano, mas merece decerto uma apreciação atenta nem que seja por dever de cinefilia...
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