sexta-feira, dezembro 26, 2014

DIÁRIOS DAS IMAGENS EM MOVIMENTO (1): Hellzapoppin’

Há quantos anos ansiava pela oportunidade de ver «Hellzapoppin’», o filme que H.C. Potter realizou em 1941  com base numa peça de sucesso na Broadway! Todos os meses, quando olhava para a programação da Cinemateca, procurava por este título para, enfim, satisfazer a curiosidade há muito alimentada sobre ele.
Conhecido como uma espécie de cometa errante na produção de Hollywood dos anos 40, sempre foi considerado o paradigma do filme sem precursor que o influenciasse, nem sucessor, que lhe imitasse o estilo… a não ser muitos anos depois e pelos mais insuspeitos discípulos. Porque lembram-se das cenas de interação entre as personagens na tela e quem, na cabine de projeção ou na plateia, assistia aos seus desempenhos em «Rosa Púrpura do Cairo» de Woody Allen? «Hellzapoppin’» já as tinha.
Lembram-se da «Balbúrdia no Oeste» de Mel Brooks em que o xerife negro e os seus amigos iam passando pelos cenários de vários outros filmes em rodagem»? «Hellzapoppin’» já as tinha.
Poderíamos prosseguir com outros exemplos, mas basta acrescentar aquele que mais se justifica como herdeiro distante deste filme: tudo quanto os Monty Pithon criaram. Porque Ole Olsen e Chic Johnson - a dupla de comediantes da Broadway, que estiveram na origem deste projeto - já utilizavam a falta de lógica, o excesso, o absurdo, como estratégia para o riso. Na mesma época só os irmãos Marx seguiam um percurso criativo semelhante, mas transigindo bastante mais com o que as normas de Hollywood ditavam!
Não admira que passemos quase todo o filme a rir com sucessivos gags de uma imaginação, que os setenta e três anos entretanto decorridos não enferrujaram, mesmo que, pelo meio, tenhamos de aguentar com os obrigatórios números musicais das comédias de então.
Durante os primeiros minutos até parece não existir qualquer história, mas, mesmo quando ela surge sobre a forma do triângulo amoroso, o habitual recurso aos equívocos não impede o prosseguimento da ininterrupta sucessão de gags, que dão ao filme a aparência de uma loucura ilimitada. O que não deixa de ser um paradoxo perante o facto de, enquanto o filme era rodado, já a guerra antifascista na Europa estava em crescendo. Mas, em 1941, Hollywood ainda pouco se preocupava com o que se passava deste lado do Atlântico. Vivia-se, ainda, a cultura do entretenimento no seu fulgor!
Existe sim uma cinefilia revelada nas muitas referências que vão das homenagens às coreografias de Busby Berkeley, a Chaplin passando pela Rosebud que explicitamente se dirige a Orson Welles de quem Olsen e Johnson eram amigos.
Quase hora e meia depois pode-se dizer que o filme cumpriu as expetativas. Porque, divertido, consegue manter uma modernidade que justificaria um reconhecimento  para além do seu exíguo círculo de admiradores. 

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