Em espetáculos dos grupos com que sentimos maior afinidade - o Bando, o Teatro Meridional - costumamos ir vê-los logo nas primeiras representações, porquanto não queremos deixar de os rever se eles nos derem muita satisfação. Foi o que aconteceu mais recentemente com «O Senhor Ibrahim e as Flores do Corão» na sala do Poço do Bispo ou com «Quarentena» em Palmela.
As circunstâncias impediram-nos de ver «Al Pantalone», quando se estreou no início do ano ou ao apresentar-se, meses depois, no Festival de Almada. E só no último dia de representação pudemos comparecer naquele que, não sendo a melhor peça vista no ano em curso, foi decerto a mais divertida. Porque «Al Pantalone» é, de facto, uma comédia acutilante sobre os tempos que andamos a viver, em que banqueiros e «doutores» conspiram para esmifrar os jovens e os pelintras.
O cenário e as personagens remetem para a tradição da commedia dell'arte. Temos assim uma Colombina e um Arlequim na versão de criados e na de filhos dos dois «poderosos» como Miguel Seabra, o encenador, classifica simpaticamente os dois refinados patifes, que não revelam qualquer escrúpulo em roubar as magras poupanças daqueles.
Mário Botequilha, o autor da peça, não poupou ninguém com um texto, que lembra algumas das melhores páginas do «Inimigo Público» de que é um dos principais autores. Se o banqueiro e o doutor são gananciosos, os criados são idiotas e os jovens enamorados primam pelo romantismo cor-de-rosa. Aos que exploram correspondem os que se deixam ingenuamente espoliar. Por isso mesmo a peça revela-se pertinentemente atual por explicitar este estado das coisas em que o poder económico já se desmascarou totalmente na sua corrupção e o poder político de cunho neoliberal procura escamotear o fracasso social dos mitos que engendrou. Sem que quem lhes tem sofrido as penas lhes chegue a roupa ao pelo!
Tratando de assunto muito sério, «Al Pantalone» suscita muitos risos no público, até pelas frequentes piscadelas de olho a expressões ou a acontecimentos recentes para que continuamente remete.
Mas o maior prazer está no trabalho dos quatro excelentes atores. Guilherme Noronha, Rui M. Silva, Sofia Correia e Vítor Alves da Silva corroboram o que há muito defendemos: este é o tempo em que existe tanto talento no teatro nacional, que só se pode lamentar a falta de apoios para que possam mais frequentemente dar-nos dele provas.
Desta feita concluiu-se este ciclo de representações na sala do Meridional, mas a peça é merecedora de continuar a ser apresentada em itinerância ou em ulterior reposição. É que costuma-se considerar que, em época propícia para nos gerar tantas depressões, o melhor remédio é o riso. E muito melhor, quando em vez de alarve como acontece frequentemente na revista, ele prima pela inteligência.
http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=710620&tm=4&layout=122&visual=61
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