sábado, fevereiro 03, 2018

(S) Polir o escuro para que ele ficasse brilhante, iluminado

Leonard Cohen intentava alcançar as profundezas da alma, seja lá o que esta for. Por isso explorou com tanta lucidez quanto lhe foi possível alcançar o que era a parte de sombra e de luz em cada um de nós e a começar em si próprio.
Profundamente atormentado desde a infância criou uma obra, que oscila entre o estado de graça e a queda nos abismos, entre o ódio e o amor, sondando cada emoção como se contivesse a essência de uma verdade absoluta.
«Está tudo dito nas minhas canções», costumava dizer o escritor, romancista e poeta, transformado em cantor porque ambicionou dar voz aos seus textos. Nas suas palavras e melodias os anjos podem raspar as lâminas de barbear, as canções infantis comportam uma impiedosa violência e a alva pureza de uma avalanche ameaça soterrar uma alma pesada. Frequentemente com vozes femininas a envolverem-lhe a gravidade da voz.
Se o objetivo era alcançar uma qualquer forma de iluminação isso implicava a prévia passagem pelo negrume das profundezas. Para perfazer esse caminho toda a obra de Leonard Cohen corresponde a uma gigantesca Arte de Amar. Os afetos, germinados da mesma raiz, confundem-se incessantemente.
Ao escutarmos esses textos, que nalguns casos foram sendo burilados durante anos, acompanhados pelos arpejos da guitarra ou da música eletrónica, compreendemos que Cohen transcendeu todos os medos para alcançar uma radiosa sageza. Nos últimos anos não fizera desaparecer esse lado sombrio da existência mas aligeirara-o, como se, à força de polir o escuro, lhe tivesse conferido as propriedades da luz.

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